São graves e merecem cuidadosa investigação os crimes apontados pela Polícia Federal (PF), na Operação Carne Fraca, envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e algumas das principais empresas de alimentação do País. Tais fraudes colocam em risco a saúde do consumidor, além de comprometerem um setor que gera tantos empregos e tem forte participação nas exportações brasileiras. Justamente por isso, a comunicação da operação requeria imenso cuidado, tratando o tema com rigor técnico e sempre dentro de sua real dimensão.
Não foi o que se viu. A PF optou por dar um tom de espetáculo à operação, sem atentar para os danos daí decorrentes. Sem ter ideia precisa das fraudes e da sua extensão – pois não foram devidamente comunicadas –, a população ficou alarmada ao saber da existência da “maior operação da história” da PF envolvendo alimentos que ela consome diariamente.
Como era previsível, o modo como a PF divulgou a operação provocou imediata reação dos países importadores da carne brasileira. Até ontem, União Europeia (UE), China, Chile e Coreia do Sul haviam anunciado embargo de carne das empresas envolvidas na investigação. As autoridades europeias, por exemplo, suspenderam quatro empresas envolvidas no escândalo e pediram que o Brasil esclareça a situação da carne que agora está sendo transportada para o bloco. Bruxelas orientou os países-membros da UE para que adotem “uma vigilância extra” no tratamento de qualquer produto brasileiro.
O esquema de fraude na vigilância sanitária detectado pela Operação Carne Fraca é – repita-se – grave e revela uma vez mais como a corrupção prejudica diretamente a população. Há quem goste de relativizar os males da corrupção, como se o seu combate fosse tão somente decorrência de uma posição ideológica. Mas é preciso investigar as denúncias e punir os criminosos. A questão é que nenhum crime divulgado pela Operação Carne Fraca leva a colocar sob suspeita toda a cadeia de produção animal do País. Foi, porém, essa a impressão causada pela Polícia Federal.
Exemplo da distorção gerada pela comunicação atabalhoada – que parecia mais interessada em produzir um espetáculo do que em informar – foi o caso do papelão. A PF deu a entender que um áudio gravado indicaria a presença de papelão na carne, quando na verdade os funcionários grampeados falavam de embalagens. “É uma idiotice. As empresas gastaram milhões de dólares para conquistar mercados, e vão misturar papelão?”, questionou o ministro da Agricultura, Blairo Maggi.
Houve ainda a divulgação de práticas absolutamente legais, como o uso de determinadas carnes na confecção das linguiças, como se elas fossem ilegais. Assuntos técnicos merecem rigor técnico, e descuidos nessa área causam graves prejuízos ao setor e à imagem do País.
Como lembrou o presidente Michel Temer, há 4.850 plantas frigoríficas no Brasil. Desse total, 3 foram interditadas e 19 serão investigadas pela PF. Essa é a real dimensão da investigação. Temer ainda mencionou que, dos 853 mil embarques de carnes para o exterior nos últimos seis meses, apenas 184 foram considerados pelos importadores fora da conformidade, muitas vezes por causa de temas não sanitários, como rotulagem e preenchimento de certificados.
No caso da Operação Carne Fraca, o descuido parece não ter sido apenas com a comunicação da operação. A PF revelou que vinha acompanhando denúncias envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura há dois anos, e apenas agora a operação foi deflagrada. Os policiais sabiam que havia algo de errado na inspeção dos alimentos e levaram dois anos para fazer chegar essa informação à população. É tempo demais de espera para um assunto tão grave. Reforça-se a impressão de que, mais do que investigar crimes, a finalidade é produzir investigações espetaculares.
O País não precisa desses espetáculos. Além de gerarem sérios danos à economia e às exportações, eles tratam com cruel injustiça um setor que é, em sua imensa maioria, exemplo e motivo de orgulho dentro e fora do Brasil. Investigar é separar o certo do errado, e não simplesmente querer que tudo esteja errado.
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Editorial do Estadão desta terça-feira 21 de março de 2017.