O ministro Luiz Fux votou pela absolvição de Jair Bolsonaro (PL) no julgamento da Ação Penal (AP) 2668, que apura tentativa de golpe de Estado. O parecer de Fux sobre o envolvimento do ex-presidente na trama golpista se deu mais de nove horas após o início da exposição de seu voto no plenário da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
O voto do magistrado, que foi indicado ao STF por Dilma Rousseff em 2011, foi um controponto às manifestações de Alexandre Moraes e Flávio Dino, que na sessão de terça-feira, 9, votaram pela condenação do ex-presidente em todos os crimes dos quais ele é acusado na ação.

Ministro do STF, Luiz Fux, foi o terceiro a votar no julgamento do núcleo 1 da trama golpista – Foto: Gustavo Moreno/STF
Após uma extensa leitura de suas considerações sobre as preliminares, em que cumpriu o aviso anterior, divergiu de Moraes e votou para anular o processo da trama golpista, Fux passou a deliberar sobre imputações penais atribuídas a cada um dos oito réus do ‘núcleo crucial’ da trama golpista.
Ao falar sobre as acusações contra Jair Bolsonaro, Fux destacou que ‘é preciso realizar uma divisão das acusações’: Abin Paralela, ações contra o sistema eleitoral e a tentativa de golpe de Estado.
Sobre o suposto aparelhamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para o monitoramento das autoridades, Fux afirmou que, segundo a Lei, não há ilegalidade no acionamento da agência pelo presidente da República, que pode ter acesso direto à agência, sem intermediação.
Fux considerou, sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, que ‘sequer hipoteticamente uma live feita no exterior seria capaz de abolir o Estado Democrático de Direito: “Não é a primeira vez que um candidato à Presidência da República provoca o TSE contra a regularidade das eleições”.
“As provas apresentadas pela PGR apenas denotam que o réu Jair Bolsonaro tinha o intuito de buscar a verdade dos fatos sobre o funcionamento do sistema da urna eletrônica de votação”, declarou.
Fux ainda afirmou que as provas são insuficientes para imputar a participação na tentativa de golpe de Estado ao ex-presidente. Ao citar a minuta golpista, o ministro declarou: “É inegável que a minuta precisaria passar por inúmeras providências para que se gerasse uma tentativa com violência e grave ameaça”.
O ministro também declarou que ‘não há provas’ de que Bolsonaro tinha conhecimento do plano ‘Punhal Verde e Amarelo’, que, segundo a PGR, visava o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).
Por fim, após analisar as acusações contra o ex-presidente, Fux decidiu absolver Bolsonaro dos cinco crimes imputados pela Procuradoria.
Com isso, o placar está em 2 a 1 pela condenação de Bolsonaro. Já votaram o relator Alexandre de Moraes e Flávio Dino. Na quinta-feira, 11, a votação segue puxada pela ministra Cármen Lúcia e, em seguida, pelo ministro Cristiano Zanin (presidente da Primeira Turma). Na sexta, 12, o julgamento deve ser finalizado. Caso haja a condenação, o último dia deve ser dedicado à dosimetria das penas.
Ainda no início da exposição, Fux defendeu que, ao se tornar ex-presidente, Bolsonaro deveria ser julgado pela Justiça comum, em tribunais de primeiro grau.
“Concluo assim pela incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal para o julgamento deste processo, na medida em que os denunciados já haviam perdido os seus cargos. E, como é sabido, em virtude da incompetência absoluta para o julgamento impõe-se da declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados”, disse Fux, ainda no início da exposição de seu voto.
Ele defendeu ainda que, mesmo que fosse o caso do processo ser julgado na Corte, o ideal seria que fosse julgado no plenário do STF, não somente pela Primeira Turma.
Além de Bolsonaro, são réus no processo:
o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto;
o ex-ajudante de ordens Mauro Cid;
o almirante de esquadra que comandou a Marinha, Almir Garnier;
o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres;
o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno;
o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem;
e o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
Depois da exposição da tese de que o caso não estava no foro correto, Fux se dedicou a abrir divergências com relação aos crimes dos quais o núcleo é acusado. Parte da leitura do voto foi direcionada à defesa de que as atividades de Bolsonaro e do grupo não configurariam organização criminosa armada.
Ele também afastou a tese de tentativa de golpe de Estado ao justificar que não há golpe sem a deposição do governo eleito: “Ninguém pode ser punido pela cogitação”, declarou.
Veja os principais destaques do voto de Luiz Fux no julgamento do Núcleo 1 da trama golpista:
Divergência de Fux a Moraes
Ainda na terça-feira, 9, quando o relator do processo, Alexandre de Moraes, iniciava seu voto, Fux o interrompeu, dizendo que iria levar ao plenário da Primeira Turma um debate sobre pontos do processo dos quais divergiu. A promessa foi cumprida nesta quarta.
Sem mencioná-lo diretamente, Fux alfinetou Moraes logo no início da leitura do seu parecer. Ele disse que o magistrado não deve ter função investigativa — a fala pode ser relacionada com o que Moraes afirmou no dia anterior, quando defendeu que o juiz “não pode ser uma samambaia jurídica” e deve fazer perguntas nos interrogatórios.
Fux afirmou que o papel de produzir provas é do Ministério Público e não dos magistrados. “Como titular da ação penal, [o MP] tem o primeiro ônus de produzir evidências, diretas e indiretas que corroborem e põem firme as hipóteses acusatórias. […] O juiz, por sua vez, deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também, por seu necessário dever de imparcialidade”, declarou.
Em outro momento, também sem citar nomes, Fux disse que “o juiz que se faz mais severo que a lei se torna injusto”.
Papel do STF
Em seguida, Fux começou a sua defesa de que o STF não seria o tribunal adequado para o julgamento do ex-presidente. Antes, ele havia feito uma análise do papel da Corte na divisão entre os Três Poderes.
“A missão precisa do STF é a guarda da Constituição, fundamento inabalável do Estado Democrático de Direito. Dessa ordem, irradia a promessa de igualdade entre todos os cidadãos perante a lei, sem distinções de identidade, de origem social, de condição econômica ou de posição política”, disse. Ele complementou que o Supremo não poderia “realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado”.
Crítica à celeridade e comparação com Mensalão
Fux concordou com o alegado pelos advogados dos acusados de que houve “cerceamento da defesa”, em razão do alto número de provas vinculadas ao processo e o pouco tempo que tiveram para elaborar seus argumentos. Segundo o ministro, até ele teve dificuldade em construir seu voto, devido à quantidade de denunciados, testemunhas e material probatório.
“Estou há 14 anos no Supremo Tribunal Federal, julguei processos complexos, como por exemplo o Mensalão, nossa decana [Cármen Lúcia] também esteve presente. O processo levou dois anos para receber a denúncia e cinco anos para ser julgado”, disse.
Ele citou que em fevereiro deste ano, a Polícia Federal havia apreendido 1,2 mil equipamentos eletrônicos dos envolvidos, e extraído 255 milhões e mensagens de áudios e vídeos, e os peritos produziram mais de mil laudos. O ministro apelidou a situação de “tsnumani de dados”.
Discorda de existência de organização criminosa
Fux também defendeu que uma reunião para discutir um plano de tentativa de golpe de Estado não caracteriza a formação de uma organização criminosa. “A imputação do crime de organização criminosa exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos, a pluralidade de agentes. A existência de um plano delitivo não tipifica o crime de organização criminosa”, disse.
De acordo com o ministro, os crimes associativos em geral, em que se inclui organização criminosa e associação criminosa, exigem para que sua caracterização apresente os requisitos da estabilidade e da permanência. “A consumação do delito de organização criminosa está condicionada efetivamente à existência de estabilidade e durabilidade”, defendeu.
Mais uma vez, Fux relembrou o julgamento do Mensalão para embasar seu argumento. “Como já destaquei, no caso do Mensalão, este tribunal concluiu com maioria que a reunião de vários agentes, voltados à prática reiterada de crimes de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional, não preencheria a elementar típica concernente à série indeterminada de crimes. Razão pela qual foram os réus absolvidos dessa imputação de formação de quadrilha”, afirmou.
Nega relação de acusados com 8/1
Passando para as acusações de dano qualificado e de dano ao patrimônio, Fux considerou que os réus não teriam relação com o que ocorreu no 8 de Janeiro, na invasão à sede dos Três Poderes, em Brasília.
“Não há provas nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição. Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos. O réu Anderson Torres assim agiu”, acrescentou o ministro ao analisar o crime de dano qualificado.
Afasta tese de golpe de Estado
Ao falar sobre as denúncias de tentativa de golpe de Estado, o ministro voltou a indicar a absolvição de Jair Bolsonaro e dos demais réus por considerar que não há golpe de Estado sem deposição de governos eleitos.
“O crime foi apenas tentado. Ainda quando a vontade de violar a lei penal se anuncie por palavras ou escritos, não pode haver crime, senão se vai além da expressão inócua de um pensamento”, disse Fux. De acordo com o ministro, a lei só incrimina as manifestações orais ou escritas de ideias quando já de si mesmas criam uma situação de lesividade ou periclitação ao bem jurídico.
“É o que se colhe do velho adágio romano ‘cogitationis poenam nemo patitur’: ninguém pode ser punido pela cogitação”, declarou.
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Fonte: Portal Terra