O sergipano está se sentindo inseguro. As pessoas estão com medo, andam assustadas, olhando para os lados, atentas a gestos suspeitos, temerosas de estar onde antes costumavam ir, seja nas ruas, no transporte público, em estabelecimentos comerciais ou em locais de lazer. Os homicídios, os latrocínios e os assaltos com uso de arma de fogo parecem cada vez mais frequentes. A violência parece estar se democratizando. Aquilo que antes se percebia como fenômeno presente apenas nos espaços menos favorecidos economicamente, agora se exibe também nos espaços mais abastados. É generalizada a sensação do aumento da violência. Na capital, a insegurança vai desde o Lamarão à Zona de Expansão de Aracaju.
A triste notícia que as estatísticas têm a dar aos sergipanos é que não se trata de mera sensação. Não há apenas uma aparência, eventualmente amplificada pela frequência dos fatos violentos nos noticiários de TV, nas páginas policiais dos jornais, nas conversas familiares ou no bate-papo entre amigos. Efetivamente, os números mostram que apenas de 2014 para 2015 houve um aumento de quase 20% nos casos de mortes violentas intencionais no Estado. O conceito de Mortes Violentas Intencionais corresponde à soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora
dele.
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Segundo dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que será divulgado no dia 03 de novembro, enquanto a violência sofreu uma pequena retração no país, estimada no percentual de 1,2%, Sergipe apresentou um aumento de 18,2%. Curiosamente, o Estado sempre se orgulhou de ser um lugar tranquilo. A capital, Aracaju, chegou a adotar outrora o slogan de ‘capital da qualidade de vida”. Hoje, infelizmente, é a quinta capital mais violenta do Brasil e Sergipe é o Estado mais violento do país: o Estado da morte em descontrole. Em 2015 registraram-se 1.196 homicídios dolosos e 47 latrocínios. O fato levou o Estado a ocupar, pela primeira vez, o desonroso primeiro lugar no ranking da violência, com 57,3 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes, desbancando a vizinha Alagoas.
Atrás de cada número está uma morte, está uma família destruída, estão os amigos desolados. É preciso então parar de tratar esses dados como números e entender que se trata de uma epidemia, uma doença de sérias consequências sociais, que merece um remédio eficiente e bem administrado.
Uma observação atenta do que se passa no país demonstra que a flutuação nessas taxas depende das prioridades da gestão pública. Estados que adotam programas de redução de homicídios foram, por exemplo, os que apresentaram maior queda nas porcentagens de Mortes Violentas Intencionais. São exemplos notáveis o Espírito Santo (com redução de 43,6%) e o Ceará, que embora seja ainda um Estado muito violento, obteve uma redução de 9,2%, de 2014 para 2015, e conseguiu sair da segunda posição que ocupava no ranking, para o 5º lugar.
Quando diante de tais números, indagamos o papel da violência policial no cenário estadual, os dados estão lá para demonstrar que em Sergipe, no ano de 2015, um único policial foi morto em situação de confronto. E que das 1.243 pessoas que perderam a vida em razão de morte violenta intencional, 43 delas faleceram em decorrência de intervenção policial (em serviço ou fora dele). Isso demonstra que os óbitos derivados de intervenção policial atingem um percentual de apenas 3,45% dessas mortes. Em 2015, Relatório da Anistia Internacional destacou o Brasil como o país com maior número geral de homicídios causados por violência policial no mundo, pois em 2014, 15,6% dos homicídios tinham um policial como seu autor. Sergipe, no entanto, não reflete a mesma realidade nacional, conforme os números divulgados pelo anuário recém-lançado.
Um dado como esse, geralmente, será interpretado pela sociedade da seguinte forma: “quem está morrendo em Sergipe é o cidadão de bem”. Esse raciocínio, por sua vez, leva essa mesma sociedade, que se sente vítima da violência e que vê o seu Estado alcançar a tenebrosa primeira posição no ranking da violência nacional, a apoiar a “faxina social”, pois quando falha a segurança pública, a vingança privada floresce.
A “faxina social” possui seus métodos. Diuturnamente é praticada por grupos de extermínio, no Brasil em geral, e no Nordeste em particular. Os grupos de extermínio correspondem a grupos de matadores de aluguel, que surgem, na maior parte das vezes, da ausência do poder público. A experiência mostra, contudo, que essas organizações voltadas ao extermínio, com o tempo, ampliam o leque de suas ações criminosas, e passam a execução de sequestros, assaltos, narcotráfico, dentre outros crimes, que se voltam, inclusive, contra aqueles que outrora eram os seus contratantes.
Outro método de limpeza social são os linchamentos. Quando o indivíduo sabe que a Justiça vai demorar para aplicar a pena ou não vai punir o autor de um crime, ele tem a sensação de que o melhor a fazer é aplicar ele mesmo a pena que acha devida, e da forma mais imediata possível. Os casos de linchamento também estão em alta no Brasil. José de Souza Martins aponta em sua obra Linchamentos – A justiça popular no Brasil, que o país está entre os que mais lincham no mundo e que nos últimos 60 anos, mais de um milhão de brasileiros participou de ações de justiçamento.
Ocorre que violência não se combate com mais violência. O aumento das mortes por intervenção policial, uma maior atividade dos grupos de extermínio e o crescimento de linchamentos não vão dar solução à situação de Sergipe. Aliás, todas essas armadilhas, em termos de números, só farão aumentar as estatísticas da violência no Estado, mantendo-o no topo da ultrajante lista.
E quais são as soluções para os problemas da segurança pública no Estado de Sergipe? Qual o papel de cada cidadão na diminuição da violência e da criminalidade? Qual o papel dos governos federal, estadual e municipais? Qual o papel do poder legislativo federal? Qual o papel do poder judiciário e do Ministério Público no Estado?
O Estado precisa de uma política de segurança pública bem construída, sem as triviais generalidades, e sim com objetivos claros, metas a cumprir e com alguém que gerencie sua execução. Quando não há uma política de segurança pública bem orientada as polícias ficam sobrecarregadas em dar conta da infinidade de crimes que pululam em todos os cantos. Dizer que a polícia está prendendo mais é péssimo. Significa que mais crimes estão ocorrendo. Quando uma prisão ocorre e um inquérito policial tem que ser instaurado, tudo antes já falhou. Precisamos sim combater os crimes, mas muito mais que isso, precisamos preveni-los, evitar que eles ocorram ou, pelo menos, diminuir imensamente a quantidade deles.
Em recente entrevista televisiva sobre a violência em Sergipe o Governador do Estado se justificou, dizendo que estava fazendo sua parte pois realizou concursos para a polícia civil, militar e para peritos. É por demais reducionista acreditar que o crime será combatido com a realização de concursos públicos e ações corporativas. Essa não é a grande solução para a segurança pública. Ter um programa de segurança pública ou um fórum de segurança pública que não saem do papel de também de nada serve aos sergipanos.
São muitas as linhas apontadas por especialistas em segurança pública. Pois então que sejam discutidas todas elas com seriedade, que se escolham as ações julgadas adequadas à realidade sergipana e que elas sejam colocadas em execução, com verdadeira vontade de dar solução à dramática situação estadual. Programas de redução de homicídios, policiamento comunitário, reformas no sistema penitenciário, que incluam não só as instalações físicas, mas sobretudo sua capacidade de ressocialização, reestruturação das polícias, diminuição do efetivo em atividades administrativas, combinação de ações de segurança pública com políticas específicas de inclusão para jovens em áreas com altos índices de violência, investimento na atividade pericial, ações policiais integradas, desenvolvimento das áreas de inteligência policial, são algumas das medidas que poderiam ser adotadas. O governo federal criou o programa Brasil Mais Seguro, incentivando os Estados à adesão. No Ceará instalou-se o Ceará Pacífico. No Espírito Santo foram postos em execução os programas Estado Presente e Patrulha da Comunidade. Em Pernambuco idealizou-se o Pacto pela Vida. E Sergipe, qual o seu programa, qual a sua resposta?
Parece que a primeira coisa a fazer aqui é sair dos palanques, abandonar os discursos demagogos e passar às ações. Em segundo lugar há que se refletir sobre toda essa violência que se abate sobre a coletividade e admitir que o modelo até aqui adotado está falido, pois ele não têm dado resultados adequados à necessidade da sociedade de sentir-se segura e preservada da violência. A terceira fase é assumir que todos estão falhando: o Estado, a sociedade e o cidadão. Aceitar que algo precisa ser modificado é urgente. Enquanto as desculpas e as disputas tiverem vez e forem mais importantes que buscar soluções, não haverá lugar para o surgimento de ideias transformadoras. Em quarto lugar, é imprescindível ter coragem de mudar: a nós mesmos primeiro eà sociedade por consequência. É preciso enfrentar com destemor os interesses corporativos e contorná-los para ser possível trabalhar em conjunto. E, por fim, é preciso haver disposição para trabalhar duro, arregaçar as mangas de verdade e com determinação, pois grandes transformações são complexas e demandam esforço considerável para serem alcançadas.
LÍVIA NASCIMENTO TINÔCO
Procuradora da República
Procuradora da República