
Comércio de fogueiras é fundamental para manutenção da tradição em junho e geração de renda – Foto: Yago Andrade
As fogueiras de São João, há gerações presentes nos festejos nordestinos, voltaram a iluminar as noites de junho em Aracaju e aquecer não apenas os lares, mas também a esperança de dezenas de famílias que encontram nesse costume secular uma importante fonte de renda. Muito além do brilho das chamas, existe o trabalho silencioso de quem corta, carrega e vende madeira, ajudando a manter acesa uma das tradições mais fortes do período junino.
É o caso de Anderson Nunes, morador do povoado Aldeia, em São Cristóvão. Há cinco anos, ele e a família se deslocam para o Conjunto Augusto Franco, em Aracaju, onde montam uma barraca improvisada e passam dias e noites comercializando fogueiras nas ruas da cidade. “Quando não é tempo de São João, a gente faz bico de ajudante de pedreiro, agricultor, o que tiver para garantir a renda. Mas nesse tempo aqui a gente consegue tirar um dinheiro bom com as fogueiras”, conta Anderson.
Os festejos juninos representam um dos períodos mais importantes para a economia do país. De acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o São João deve gerar uma arrecadação de R$ 7,4 bilhões em junho, impulsionada pelo aumento do consumo sazonal. Em Sergipe, a movimentação estimada ultrapassa os R$ 150 milhões, segundo dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Sergipe (Fecomércio). Nesse contexto, o trabalho de Anderson e de dezenas de vendedores de fogueira que se deslocam da zona rural para a capital sergipana ajuda a fortalecer essa economia, unindo tradição cultural e geração de renda.
Neste ano, ele trouxe cerca de 150 fogueiras. Os preços variam entre R$ 40 e R$ 100, dependendo do tamanho da peça. Se as vendas forem boas, o lucro no mês pode chegar a 5 mil reais, já descontando gastos com transporte, alimentação e plásticos usados para proteger a madeira das chuvas. Segundo Anderson, as madeiras mais procuradas são jaqueira, jenipapeiro e eucalipto, conhecidas pela durabilidade da chama. “A jaqueira dura a noite toda se o tronco for grosso”, garante o vendedor, com a experiência de quem entende do assunto.
Mesmo sob o sol forte e as noites chuvosas, longe de casa por quase um mês inteiro, Anderson vê no seu trabalho muito mais do que uma simples venda de madeira. Para ele, ajudar a manter viva essa tradição é motivo de orgulho. “O pessoal sempre compra para manter a tradição. A fogueira é uma das maiores tradições que a gente tem. É importante continuar”, afirma.
Assim como ele, cerca de 60 vendedores montam seus pontos em Aracaju durante o período junino. Eles atuam em locais autorizados pela Empresa Municipal de Serviços Urbanos (Emsurb), que organiza o comércio para garantir segurança e respeito à tradição. Além do ponto no Augusto Franco, os comerciantes também podem vender nos bairros Coroa do Meio e Getúlio Vargas (na Praça da Cruz Vermelha). Para ocupar o espaço público, é preciso se cadastrar previamente e pagar uma taxa de R$ 200.
Outro vendedor que deposita esperança nas boas vendas do mês é José Marcos, também morador de São Cristóvão. Ele começou no ofício observando os mais velhos da família e, desde então, não abandonou a atividade. Para este ano, José trouxe cerca de 200 fogueiras. “Todo ano venho no dia primeiro de junho e só volto depois do São Pedro. Tem ano que consigo vender todas as fogueiras, outros anos não. Ano passado consegui vender tudo e espero que continue assim esse ano também”, relata.
Ele calcula que o lucro pode chegar a R$ 5 mil no mês, valor importante para complementar a renda da família. “Acho que manter essa tradição é importante. Nas festas de Santo Antônio, São João e São Pedro muita gente procura a gente para comprar e ter a fogueira para acender nas festas com a família”, afirma.
A origem de uma tradição que atravessa séculos
O costume de acender fogueiras nas festas juninas não surgiu por acaso. Antes de integrar o calendário cristão, a prática já fazia parte dos rituais pagãos celebrados no solstício de verão no Hemisfério Norte, em 21 de junho. Com o passar do tempo, a Igreja Católica ressignificou o símbolo e o associou ao nascimento de São João Batista, comemorado em 24 de junho.
Segundo a tradição religiosa, Maria visitou sua prima Isabel, que estava grávida de João Batista. Para avisar sobre o nascimento do menino, José combinou com Maria que acenderia uma fogueira visível à distância. Desde então, o fogo tornou-se sinal da chegada de São João ao mundo. A importância do santo é tanta que ele é um dos poucos cuja data de nascimento é celebrada pela Igreja, reforçando o simbolismo da fogueira nas festas de junho.
Com a chegada dos portugueses ao Brasil, o costume se espalhou pelo território e encontrou no Nordeste um solo fértil para florescer, tornando-se uma das marcas registradas das celebrações juninas.
Acompanhe também o SE Notícias no Instagram, Facebook e no X
Por Yago Andrade/Se Notícias