Para Luiz de Freitas, especialista em avaliação da Unicamp, exame também causa um estreitamento no currículo
Há 15 anos, nascia o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, com um objetivo específico: avaliar o aluno do ensino médio brasileiro. A partir dos resultados encontrados, a proposta era que fossem desenhados novos parâmetros de aprendizado e introduzidas novas políticas públicas com vistas a fazer da escola um local que causasse mais interesse no adolescente.
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O tempo passou, e vieram à tona duas situações antagônicas. Por um lado, o exame cresceu, ganhou notoriedade e coloca-se cada vez mais como um vestibular nacional. Neste ano, por exemplo, todas as 59 universidades federais usarão o Enem em seu processo seletivo.
Por outro lado, no entanto, não se vê melhoria no ensino médio. O índice de evasão continua acima de 10% (porcentual três vezes maior do que o observado no ensino fundamental) e o rendimento dos alunos nas avaliações nacionais segue fraco. Os resultados do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que a qualidade do médio havia piorado no Distrito Federal e em mais oito Estados.
Será que o Enem tem falhado em seu objetivo ou mudou de foco? O iG fez esta e outras quatro questões sobre o exame para o professor da Faculdade de Educação da Unicamp, Luiz Carlos de Freitas.
iG: O Enem cresce em abrangência, mas os problemas do ensino médio persistem. Como o senhor vê essa aparente incoerência?
Luiz Carlos de Freitas: A questão é que avaliar é diferente de selecionar. Esta confusão é prejudicial para um Exame que se propõe avaliar o ensino médio. Os exames têm de ser usados para aquilo que foram concebidos. O Enem é um exame de larga escala e deveria ser uma fonte de informações para que se avaliassem as políticas públicas do ensino médio no Brasil, mas se tornou um instrumento de seleção.
iG: Além de não traçar esse diagnóstico, diz-se que a utilização cada vez mais exclusiva do Enem pode criar um estreitamento do currículo? O senhor concorda?
Já está criando. Todo exame cria uma tradição e esta influencia o próprio processo de ensino no sentido de que indica o que conta e o que não conta, ou o que cai e o que não cai no exame. Os processos de estreitamento curricular são uma realidade. Com isso, perdemos a possibilidade de termos de fato uma boa educação, pois no mundo de hoje é preciso ir além da habilidade cognitiva. Sobreviverá quem inovar. Isso exige desenvolvimento de habilidades interpessoais e intrapessoais, bem como o desenvolvimento da criatividade. Estamos no caminho errado.
iG: Mas, ao mesmo tempo em que poderia estreitar o leque de conteúdo, uma prova padrão no modelo do Enem teria o mérito de universalizar o acesso ao ensino superior, à medida que qualquer um, em qualquer lugar, pode fazê-la e ter um cardápio grande de opções. O que o senhor pensa disso?
Essa afirmação se esquece daqueles que ficaram pelo caminho antes de terem prestado o Enem. A segregação começa bem antes. A melhor forma de universalizar o acesso é por um lado combater a miséria e por outro ter um ensino básico de boa qualidade. Além disso, universalizar o acesso não é aumentar o número dos que podem fazer exame, mas aumentar o número de vagas no ensino superior. Basta verificar quantos fazem o Enem e quantas vagas o sistema disponibiliza. A proporção é ridícula.
iG: Isso é pelo perfil dos nossos processos seletivos? No Brasil, as notas do vestibular são verdade absoluta. Em outros países, o desempenho no exame é apenas uma parte da avaliação. Considera-se, também, currículo, desempenho no ensino médio etc. O que o senhor pensa sobre isso?
Nenhuma avaliação baseada em teste único deve ser tomada como definitiva. Uma única medida não é uma boa evidência do desenvolvimento de uma pessoa. O correto é ampliar o número de elementos sobre o desempenho. Além disso, é fundamental que no caso dos testes a sua confiabilidade e validade sejam públicas.
iG: Quanto à correção, o Enem utiliza a Teoria de Resposta ao Item, a TRI. Há quem diga que a ferramenta, por requerer a aplicação prévia das questões, pode possibilitar problemas como o que aconteceu em Fortaleza (alunos de um colégio tiveram acesso a questões utilizadas no pré-teste). O que o senhor pensa?
A TRI é uma boa tecnologia de medição. Seu ponto alto está na possibilidade de elaborar escalas de proficiência. A calibração de cada item é feito com parâmetros como o grau de dificuldade, a capacidade de discriminação e o controle do chute. Quanto ao controle, o fato de o modelo exigir a pré-testagem não é um problema. Há procedimentos para se fazer isso com segurança.
Por iG São Paulo – Ocimara Balmant