Os senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 se preparam para tomar, nesta semana, o depoimento do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara. Ele será ouvido na próxima quinta-feira (12/8). O também parlamentar Luis Miranda (DEM-DF) disse que o presidente da República aventou a possibilidade de Barros estar envolvido nas supostas irregularidades em torno da compra da vacina Covaxin. As ofertas de imunizantes vindas da intermediária Davati e a venda de remédios para o ineficaz “kit COVID” também vão pautar as próximas sessões.
Ricardo Barros foi ministro da Saúde durante a gestão de Michel Temer (MDB). Em junho, quando foi ao Senado Federal discorrer sobre as possíveis ilicitudes nos tratos para a aquisição da Covaxin, Luis Miranda revelou ter alertado Bolsonaro sobre as suspeitas. Segundo ele, foi na conversa a respeito do tema que o nome do deputado pelo Paraná surgiu. O irmão de Miranda, Luis Ricardo, é servidor de carreira da Saúde.
O pedido para convocar Barros partiu de Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Originalmente, a ideia era ouvi-lo antes do recesso parlamentar de julho. Os adiamentos do depoimento geraram a irritação do líder de Bolsonaro na Câmara, que chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele teve os sigilos telefônico, bancário, fiscal e telemático quebrados na semana passada.
Barros garante não ter conhecimento das suspeitas levantadas sobre o contrato para a compra da vacina indiana. “Todas as pessoas ouvidas na CPI negaram meu envolvimento nas negociações da Covaxin. Meu depoimento na quinta irá confirmar isso”, sustenta.
Luis Miranda citou o nome do deputado progressista após muita insistência de senadores. Ele já havia dito que um parlamentar fora mencionado por Bolsonaro na conversa sobre a Covaxin, mas alegava não se recordar de quem se tratava.
“O presidente entendeu a gravidade. Olhando os meus olhos, ele falou: ‘Isso é grave’. Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome para mim, dizendo: ‘Isso é coisa de fulano’. E falou: ‘Vou acionar o Diretor-Geral da Polícia Federal, porque, de fato, Luis, isso é muito grave”, relatou, aos senadores
A menção nominal só veio após apelo de Simone Tebet (MDB-MS). “Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora [Tebet] também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”.
Caso Davati: coronel da reserva vai depor
As oitivas desta semana começam na terça-feira (10/8), com o coronel Helcio Bruno de Almeida, presidente do Instituto Força Brasil, uma organização não-governamental (ONG). O militar da reserva foi apontado por representantes da Davati como o responsável por articular encontro entre emissários da empresa e interlocutores do Ministério da Saúde.
O cabo da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) Luiz Paulo Dominghetti, ligado à Davati, foi quem denunciou suposto pedido de propina de US$ 1 por cada uma das 400 milhões de doses da AstraZeneca oferecidas pela empresa ao governo brasileiro. A conversa com figuras do Ministério da Saúde teria ocorrido em 12 de março deste ano, com a participação do reverendo Amilton Gomes, que prestou esclarecimentos à CPI na semana passada.
“Os representantes da Davati afirmaram ter recebido um contato de Helcio no final de janeiro, junto com o reverendo Amilton, se oferecendo para facilitar o acesso do grupo ao Ministério da Saúde. Este relato diverge com declarações do coronel Helcio à imprensa, nas quais ele afirma que foi procurado pela Davati dois dias antes da reunião no ministério, e só então se ofereceu para levá-los ao encontro”, diz o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que solicitou a convocação do militar.
Kit COVID na mira
Na quarta (11/8), entre os depoimentos de Helcio Bruno e Ricardo Barros, o foco estará no chamado “kit COVID”, coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada para tratar a doença. O presidente da Vitamedic Indústria Farmacêutica, Jailton Batista, vai falar aos parlamentares sobre a venda dos compostos.
A farmacêutica é fabricante do vermífugo ivermectina, uma das apostas de Bolsonaro para combater a infecção, ainda que não haja aval científico à utilização do remédio. Originalmente, o requerimento apresentado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), solicitava o comparecimento de José Alves Filho, também representante da Vitamedic. O laboratório, contudo, pediu a substituição dele por Jailton.
Cronograma da CPI – 10 a 12 de agosto
10/8 – Helcio Bruno de Almeida, coronel da reserva
Palavras-chave: Davati, Covaxin, Dominghetti, reverendo Amilton, Elcio Franco, suposto pedido de propina
11/8 – Jailton Batista, presidente da Vitamedic
Palavras-chave: ivermectina, kit COVID, tratamento precoce
12/8 – Ricardo Barros (PP-PR), líder de Bolsonaro na Câmara
Palavras-chave: Luís Miranda, Covaxin, Bolsonaro, supostas irregularidades em contrato.
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.
Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).
Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.
O que a CPI da COVID investiga?
Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.
Saiba como funciona uma CPI
Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.
Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.
Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares
O que a CPI pode fazer?
chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
executar prisões em caso de flagrante
solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação solicitar a colaboração de servidores de outros poderes elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados.
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Fonte: em.com.br