Numa audiência pública histórica, a Assembleia Legislativa de Sergipe reuniu coletivos de juventude, representantes de organizações governamentais e não governamentais, movimentos sociais, populares e sindicais, advogados, estudantes e militante de direitos humanos para debater o extermínio da juventude negra.
A atividade foi uma realização da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Casa Legislativa, presidida pela Deputada Estadual Ana Lúcia.
Para aprofundar o tema, estiveram presentes o relator da CPI do extermínio da Juventude Negra, o deputado federal Paulo Fernando dos Santos (Paulão); o doutor em Economia pela PUC-Rio e técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA, Daniel Ricardo Cerqueira; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SE, Thiago Oliveira; o Representante da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da SEIDH, Eude Carvalho. Também prestigiaram a discussão o representante da Defensoria Pública, Herick Argôlo, o militante histórico dos direitos humanos Pedro Montenegro; e o promotor de Justiça do MPE Fausto Valois.
“A violência no Brasil contra o jovem tem localização geográfica, que é a periferia e a zona rural, ela tem o corte de gênero, que é masculino, tem um recorte etário, que vai dos 14 a 29 anos, e tem ainda um corte econômico, já que a grande maioria de vítimas são jovens pobres”, delimitou o deputado Paulo Fernando dos Santos, relator da CPI do Extermínio da Juventude Negra na Câmara dos Deputados. “Essa luta não é prioridade, porque atinge a periferia e não a elite da nossa sociedade”, afirmou, reforçando o caráter de classe da pauta.
Em sua palestra, o deputado federal destacou os mais de vinte pontos detectados pela CPI do Extermínio da Juventude Negra que são foco do estudo da comissão. Entre os aspectos estão a cultura da violência contra negros e pobres, desamparo e insuficiência das políticas públicas, o racismo, o racismo institucional, o estigma do jovem negro alimentado pela mídia, os autos de resistência com forma de legitimar o assassinato de jovens pobres e negros, redução da idade penal, aperfeiçoamento das forças policiais e Sistema Único de Segurança Pública.
Já o doutor em Economia pela PUC-Rio e técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA, Daniel Ricardo Cerqueira, apresentou em sua palestra uma profunda análise do panorama social, cruzando dados e apontando principais fatores que levam ao assassinato dos jovens no Brasil e apontando caminhos para solucionar este grave problema social. Entre os fatores determinantes apontados pelo pesquisador estão o perfil socioeconômico, a escolaridade, a idade e a cor da pele.
“Será que a maior letalidade de negro se dá porque os negros estão super representados nas camadas mais pobres da população e portanto estão mais vulneráveis?” questionou Ricardo Cerqueira, ressaltando que entre os 10% mais pobres da população, 73% são negros. Porém, a resposta é não. “Vários estudos, inclusive do IPEA, mostraram que, considerando outras características socioeconômicas, inclusive escolaridade, pelo fato de ser ser negro, um indivíduo vai receber menos no mercado de trabalho, por exemplo. Só pelo fato de ser negra, uma pessoa tem 48% mais chance de ser assassinada”, apontou o pesquisador.
O advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Thiago Oliveira, inseriu o debate do extermínio da juventude negra no contexto de intolerância que o país está vivendo. “Esse recrudescimento e intolerância crescente no país, vai cair diretamente sobre os ombros deste grupo social, que sempre foi excluído e nunca teve oportunidade de demonstrar seu valor em nossa sociedade”, lamentou.
Menos punição e mais educação para enfrentar a violência
Cerqueira criticou duramente as políticas de endurecimento das leis, do aumento do encarceramento da população e a redução da maioridade penal como método de enfrentamento da violência. “Temos feito isso, pelo menos desde 1980. Desde então, o número de homicídios aumentou 285% e o número de encarcerados aumentou mais de mil por cento. Isso nunca funcionou e a gente continua investindo nisso”, lamentou o doutor em economia, ressaltando que encarcerar um indivíduo significa “fechar portas” para sua inserção social.
“Ao ver a repressão contra os jovens pobres e negros, fica claro que o Estado brasileiro opta pela política de portas fechadas”, completou Herick Argôlo, representante da Defensoria Pública de Sergipe. “A chamada guerra ao crime é, na verdade, guerra aos negros e guerra aos pobres. Quem morre nos confrontos são os jovens negros e pobres. E essas mortes são preveníveis e evitáveis”, destacou o militante histórico dos direitos humanos Pedro Montenegro.
Como principal alternativa à superação da violência, Daniel Cerqueira apontou a educação. Por meio de pesquisa, o IPEA identificou que os lugares onde se tem as melhores escolas, o número de homicídios é muito inferior, considerando índices como a distorção idade-série, a evasão, reprovação. Neste sentido, ele criticou o modelo e a qualidade da educação, marcada pelo sucateamento e pela utilização de pacotes educacionais padronizados. “Esse modelo não atrai os jovens e eles acabem evadido”, apontou o pesquisados do IPEA.
Para o representante da OAB, Thiago Oliveira, o país caminha no sentido contrário à resolução dos altos índices de violência registrados. “A quantidade de anos de escolarização é proporcional às chances de ser assassinado, de modo que quanto mais escolaridade, menos chance de sofrer um homicídio. Na contramão disso, vemos o debate no Congresso Nacional de uma PEC que pretende reduzir o montante de recursos para a educação. Isso significa mais mortes para a juventude negra”, provocou o advogado e militante dos direitos humanos.
Combater o tráfico é prevenir o assassinato dos jovens
Considerando que o tráfico de drogas é um dos fenômenos que potencializa o assassinato de jovens da periferia, o deputado Paulo Fernando apontou que, para combater o problema do extermínio da juventude, é urgente se combater o tráfico de drogas em sua essência, especialmente reforçando as fronteiras do país.
“A questão do crack é um fenômeno nos últimos 10 anos. Se ela é subproduto da cocaína, produzida apenas Bolívia, Peru e Colômbia, é preciso ter uma política de fronteira definida”, sugeriu, destacando a necessidade de se fortalecer a inteligência da Polícia Federal e de priorizar a formação continuada em direitos humanos nas estruturas policiais de todo o país.
Em nome da OAB, Thiago Oliveira apresentou diversas propostas de encaminhamentos, a exemplo da criação de uma ouvidoria externa da PM, da criação de uma promotoria do Ministério Público voltada especificamente para a política de igualdade racial e a implementação do Conselho Estadual de Direitos Humanos, que já foi criado por meio de lei desde 2007.
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Da Ascom parlamentar Ana Lúcia (Débora Melo)