Helton Simões Gomes, do G1, em São Paulo
Depois de os computadores se conectarem via web e de as pessoas fazerem das redes sociais a extensão de suas vidas, 2015 deve ser o ano que consolidará a chamada “internet das coisas” – termo criado para explicar a conversa entre máquinas, o que, na vida real, já permite que celulares comandem lavadoras de roupas e se conectem a carros, por exemplo.
O professor da Uerj e pesquisador do MIT Media Lab Ronaldo Lemos identifica em alguns acontecimentos recentes a construção da pista de decolagem para essa nova tendência. Um deles é a compra da Nest pelo Google por US$ 3,2 bilhões. A empresa adquirida, aparentemente uma fabricante de termostatos inteligentes, entra em cheio nessa onda, pois os aparelhos criados por ela são todos “inteligentes”, ou seja, se conectam a outros dispositivos para funcionar.
Outro fator é o interesse do governo chinês, que investe maciçamente na área. Por lá, já há lâmpadas integradas à internet e que “falam” com outros aparelhos, como TV e utensílios domésticos. “Isso vai começar a entrar na casa dos consumidores de forma silenciosa”, diz Lemos.
Estímulo do governo
Por aqui, o caminho também vai sendo pavimentado por ações do governo. O BNDES já realizou seminários em que indicou ter linhas de investimento para a área e, em maio, desonerou aparelhos de internet M2M (máquina-a-máquina). O nome pode parecer estranho, mas são essas conexões que ligam maquininhas de cartão de crédito, por exemplo. Até agosto, já eram 9,2 milhões de aparelhos M2M no país.
Lemos aponta os “smart grids” – redes inteligentes de transmissão e distribuição de energia – como um exemplo de que a internet das coisas já é realidade. Essas redes já são implantadas por empresas como a CPFL, a fim de identificar escoadouros de energia e automatizar a cobrança dos consumidores.
“A expansão da banda larga muda o comportamento do consumidor, que pressiona por novos serviços. O cidadão fica ‘inteligente’, utiliza o Waze, apps para medir energia, e ele começa a esperar que, não só a cidade, mas empresas e órgãos públicos também utilizem esses sistemas para facilitar a vida dele”, comenta André Gualda, especialista do ConsumerLab da Ericsson na América Latina.
Para ele, apesar de ser uma tendência forte, a “internet das coisas” caminhará mais rápido conforme avançar o uso da banda larga e a cobertura de celular de qualidade no Brasil. Lemos aposta que a internet rápida vai dominar as iniciativas públicas no ano, já que o país come poeira dos vizinhos Colômbia, Venezuela e Argentina. “O Brasil ficou para trás nessa discussão.”
Neutralidade de rede
Os especialistas afirmam ainda que outras tendências andarão lado a lado com a “internet das coisas” em 2015. Uma delas é a regulação da neutralidade de rede. O termo define o tratamento igualitário que provedores de internet devem dar aos pacotes de dados trafegados pela rede e ficou famoso no Brasil por estar presente no Marco Civil da Internet, que entrou em vigor em junho. Só que, para destravar a discussão sobre a lei, o governo negociou deixar a questão em aberto.
“O ano de 2015 vai ser da regulamentação da neutralidade de rede no Brasil”, afirma Lemos, acrescentando que também “vai ter a possibilidade de se interpretar práticas e serviços de operadoras”. Na berlinda, estão pacotes de internet que não tarifam o acesso a Facebook, Twitter e WhatsApp, assim como a cobrança adicional a provedores de conteúdo que não queiram ter seus serviços transmitidos a baixas velocidades. O debate já está quente na Europa e nos Estados Unidos, onde o presidente Barack Obama é um defensor da neutralidade.
Pagamento pelo celular
Outra coisa que deve entrar com força na vida das pessoas são os pagamentos móveis. Para Lemos, a principal responsável por isso é a Apple. Em outubro, a empresa colocou para funcionar o Apple Pay, seu sistema que quita contas apenas com a aproximação entre celular e terminal de pagamento. Em 72 horas, mais de um milhão de cartões de crédito já estavam registrados só nos EUA. Em breve, o serviço chegará a Europa, Índia, Oriente Médio e África.
Assim como ocorreu quando mexeu com o mundo da música ao lançar o iTunes 11 anos atrás, a Apple já provocou reação no mercado com a iniciativa. A Samsung prepara seu próprio facilitador de pagamentos, enquanto o Walmart lidera um consórcio de varejistas norte-americanos para criar uma ferramenta rival.
“As pessoas estão cansadas de carregar três cartões, o da loja, o de crédito e o de débito”, diz Gualda. Uma pesquisa da Ericsson realizada com donos de smartphones em todo o mundo mostrou que 48% deles preferem carregar apenas o celular e deixar a carteira em casa. Foram ouvidos 5.024 pessoas, com idades de 16 a 59 anos, de nove países. Dos entrevistados, 80% dizem esperar que até 2020 o celular substitua a carteira. E esse futuro começa em 2015.