A notícia de que a nascente principal do Rio São Francisco, localizada na Serra da Canastra, em São Roque de Minas, Minas Gerais, secou pela primeira vez no período histórico, levou o pesquisador do Rio São Francisco, Luiz Carlos Fontes, a alertar para a possível gravidade que está a situação. O professor do Laboratorio Georioemar, da Universidade Federal de Sergipe, vê a questão sobre o viés das possíveis mudanças climáticas que estão acontecendo na Terra, e que podem estar promovendo mudanças na Bacia do Rio São Francisco. Ele também alerta sobre os riscos para a gestão das águas do rio.
Luiz Carlos Fontes explica que a maior parte das águas do Rio São Francisco se origina do corredor aéreo de nuvens originárias na Bacia Amazônica, e que vão se deslocando junto a Cordilheira dos Andes, até chegarem e se precipitarem na região montanhosa de Minas Gerais. “Cerca de oitenta por cento das águas do Rio São Francisco vem de Minas Gerais, por isso é chamada de caixa d’agua da bacia. É exatamente aí onde surge esta evidência de que ocorre uma drástica mudança, com a diminuição na precipitação pluviométrica, o que pode ser considerado um indício de que nos próximos anos esta situação pode se agravar”, ressalta.
Segundo o pesquisador, nunca no período histórico se teve notícia de que a nascente principal do rio secou. “O fato é preocupante. Não significa que é algo definitivo, porque vem em seguida o período do verão, período que tradicionalmente chove em Minas Gerais, e as nascentes podem se recuperar. Mas o fato das nascentes secarem no inverno pode ser uma evidência de que mudanças climáticas muito mais amplas estão ocorrendo e que podem vir a afetar o Rio São Francisco, ao longo dos próximos anos”, afirma.
Vazões mínimas
Fontes ainda ressalta uma outra preocupação: a situação coincide com o agravamento da prática de vazões reduzidas no Rio São Francisco, entre Sergipe e Alagoas, por parte das usinas hidrelétricas.
O professor Luiz Carlos alerta que em 2013, em função do volume de água retido nos reservatórios das usinas hidrelétricas, o setor elétrico solicitou mais uma vez autorização para liberar das barragens menos água do que necessitaria para manter a vazão mínima. E isto foi concedido pela ANA e Ibama sem prazo delimitado. “Pela primeira vez ficou autorizado baixar as vazões mínimas de 1300 m3/s para 1.100m3/s sem prazo definido, o que se estende até o ano de 2014, sem precisar de nova autorização. Dois anos seguidos de práticas de vazões abaixo da mínima definida no Plano de Recursos Hídricos, aprovado pelo Comitê da Bacia, agrava, os impactos ambientais e sociais que vinham sendo provocados pela prática de vazões mínimas, a critério do setor elétrico”.
A vazão abaixo de 1.300 m³ é solicitada pelo setor elétrico com o intuito de acumular mais água nos reservatórios, para quando chegar o período de chuva, os reservatórios estejam com reservas, não chegando ao mínimo de sua capacidade. Com isso, aumenta a segurança do setor energético. Nos últimos anos o setor elétrico solicitou por diversas vezes a prática de vazões abaixo do valor mínimo 1.300 m3/s definido pelo Comitê da Bacia do São Francisco, ANA e Ibama, ou seja, menos vazões de 1.100 m3/s de forma a garantir segurança para a geração de energia elétrica no ano seguinte. Sistematicamente este pleito tem sido atendido pela ANA e Ibama, mas negado pelo Comitê da Bacia.
Neste novo episódio de 2013-2014, o usuário setor elétrico obteve algo que nunca tinha sido solicitado: o aval da ANA e Ibama para praticar vazões abaixo da mínima por dois anos consecutivos. E a vazão mínima, que era para ser excepcional, vai se tornando uma constante durante todo o ano. “A vazão mínima não pode ser praticada o tempo todo. Isto afeta a dinâmica do rio, e a biodiversidade aquática animal e vegetal. Em consequência, afeta os demais usos humanos, como pesca, navegação e retirada de águas para irrigação, impacta a região da foz e da plataforma marinha adjacente. A ANA e o Ibama têm autorizado praticar vazões abaixo da miíima, mas teria que ter autorização do Comitê, que sempre negou esta autorização. O rio tem sido dominado pelo setor elétrico de forma exacerbada o rio a serviço do setor elétrico. Será necessário recorrer a Justiça para resolver este violação da gestão das águas da bacia e dos conflitos de uso”, destaca.
O professor alerta que o rio não recebe nenhum tipo de compensação para mitigar os impactos causados pelas baixas vazões, com o intuito de atender um único usuário, que destina os benefícios, na sua maior parte, para seus usuários fora da bacia, e por conta disso, a situação ambiental se agrava a cada dia. Por exemplo, o rio ocupa hoje, em muitos setores, apenas 1/3 da sua largura original, ficando exposto quase 2/3 do seu leito.
Situação pode se agravar
Finalmente, o professor Luiz Carlos alerta que a junção dos dois impactos (diminuição de chuvas no meio do ano e diminuição de vazões por interesse do usuário do setor elétrico) pode agravar em muito os impactos já observados no Baixo São Francisco. Além disso, a transposição das águas para o Nordeste Setentrional tornará o quadro mais grave ainda, gerando novos conflitos de uso das águas, e promovendo a pratica de vazão baixa no Baixo São Francisco. “A tendência é que os conflitos se agravem nos próximos anos, afetando duramente a dinâmica do rio, aumentando a erosão nas suas margens, dificultando a navegação e levando a uma perda maior na sua biodiversidade, e, em consequência, na pesca promovida pela sua população ribeirinha”, destaca.
Com informações da Redação, Jornal da Cidade