Bruno Ceccon, Luiz Ricardo Fini e William Correia, Gazeta Esportiva, em São Paulo (SP)
Há 198 anos, a Argentina proclamou a independência do domínio espanhol. No mesmo 9 de julho, mas em 2014 e em terras brasileiras, o país se tornou independente de quem, na verdade, o orgulha. No estádio de Itaquera, a seleção ficou no 0 a 0 com a Holanda no tempo normal e na prorrogação e, nos pênaltis, chega pela primeira vez a uma final de Copa do Mundo desde a aposentadoria do eterno ídolo Maradona.
Em 1990, na Itália, Maradona levou o país à decisão. Nesta quarta-feira, a Argentina não precisou nem de Messi, já que o agora herdeiro da camisa 10 e da faixa de capitão não acertou quase nada em São Paulo, a não ser ao converter sua penalidade. O goleiro Romero, porém, foi suficiente, defendendo as cobranças de Vlaar e Sneijder e garantindo vitória na disputa por 4 a 2.
Durante os 120 minutos anteriores aos pênaltis, o que se viu foi um duelo tático, cheio de marcação e com pouco espaço para Messi e Robben mostrarem por que são candidatos a craque do torneio. No fim do tempo normal, contudo, Mascherano virou herói ao dar carrinho e bloquear chute de Robben na pequena área. Como também faltou eficiência nos pênaltis, cabe a Holanda disputar o terceiro lugar às 17 horas (de Brasília) no sábado, no Mané Garrincha.
No domingo, é a vez de os argentinos tentarem voltar a ser campeões mundiais a partir das 16 horas, no Maracanã. A divindade atribuída a Maradona é lembrada até hoje em canções das torcidas e explica a presença do país na final de 24 anos atrás diante da Alemanha, que celebrou seu tricampeonato. Agora, diante do mesmo adversário, cabe à seleção de Messi se vingar da frustração de Maradona na Itália.
O jogo – Argentina e Holanda escolheram estratégias diferentes para anular o astro adversário. Enquanto Louis Van Gaal ordenou a De Jong que não ficasse nunca a mais de dois metros de Messi, Alejandro Sabella cumpriu sua promessa de aproximar laterais e zagueiros para não dar espaço para as arrancadas de Robben.
Os coadjuvantes eram exemplos de obediência a esquemas táticos. Os sul-americanos tinham em Mascherano o comando da saída de bola. O volante virou terceiro zagueiro diversas vezes para soltar Zabaleta e Rojo como alas. Mesmo quando não tinha a bola, ordenava aos colegas que adiantassem a marcação e, também, valorizassem a posse, sem se desesperar.
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O problema era achar espaço na frente. De Jong, se precisasse, recebia a ajuda de mais ou dois companheiros para acompanhar Messi, que não conseguia ser mais efetivo no jogo mesmo com toques de primeira para dar dinâmica à sua seleção, que não tem um meia de criação. Pelos lados, Kuyt e Blind corriam para alternar o esquema do 5-3-2 para o 3-5-2.
Os laranjas, por sua vez, tinham Robben bem anulado e Sneijder só tinha a passagem de Wijnaldum como opção, já que Van Persie se mostrava bem confortável diante da marcação adversária, não se mexendo para aparecer nas costas da zaga, como fez com perfeição ao fazer um golaço de peixinho na estreia da Copa, sobre a Espanha.
Mascherano errou saída de bola e Kuyt ajeitou para Sneijder finalizar perto do gol de Romero. Do outro lado, Romero foi parado com falta e Messi cobrou forte, nas mãos de Cillessen, aos 14.
A primeira equipe a se mexer para escapar das marcações foi a Argentina. Sabella inverteu os posicionamentos de seus dois pontas e Lavezzi começou a dar trabalho pela direita, sendo acionado diretamente por Mascherano. Forçando por ali, gerou preocupação e escanteio que Garay desviou com peixinho rente ao travessão, aos 23.
Em meio à tensão, Cillessen despertou risos holandeses dando drible humilhante em Higuaín dentro da área. Os argentinos ainda levaram um susto quando Mascherano caiu totalmente grogue no gramado e precisou de dois minutos para se recuperar completamente e continuar em campo sem gerar preocupação.
Quem também se ajustou foi a Holanda, fechando os espaços que Lavezzi tinha e contando com a eficiência de seus zagueiros para cortar os cruzamentos. Até que Demichelis foi ao ataque para dar um pontapé em Sneijder e, como escapou de cartão, Martins Indi passou a fazer o mesmo com Messi, aliviando para De Jong, recém-recuperado de lesão.
Preocupado em bater, o zagueiro holandês levou amarelo e deixou Higuaín livre na grande área. Para sua sorte, nos acréscimos do primeiro tempo, Pérez não conseguiu cruzar para o centroavante, mas Van Gaal abriu mão de seu defensor, um sério risco de expulsão, e deu mais opções ofensivas à equipe.
O time laranja voltou do intervalo com Janmaat, com gás para marcar e atacar mais. Kuyt passou a jogar na ala esquerda e Blind virou zagueiro. O esquema não mudou, mas as novas peças permitiam à Holanda marcar mais na frente e dificultar o toque de bola argentino, que já não encontrava mais Lavezzi à disposição para criar problemas pela direita.
Robben não conseguiu arrancar nem Van Persie aparecia, mas os europeus tinham o domínio do jogo por verem que a Argentina só tentava atacar forçando jogadas individuais, e até Messi era desarmado com tranquilidade. Van Gaal, então, priorizou o toque de bola, trocando o cansado De Jong por Clasie. O time laranja que só gosta de contra-ataque tabelava como queria na intermediária rival. Sem, contudo, levar real perigo.
Em meio à falta de eficiência, Messi e Sneijder passaram vergonha com suas camisas 10 às costas, isolando a bola em cobranças de falta. Já os camisas 9 não sabiam se posicionar, já que Van Persie e Higuaín só assustaram quando estavam impedidos. A teia armada pelos dois times amarrava o jogo.
Aos 36, Sabella, que chegou a discutir com Higuaín durante o segundo tempo, cansou do centroavante para apostar na movimentação de Aguero. O atacante, no entanto, só apareceu ao atrapalhar a reposição de bola de Cillessen após boa defesa em chute de Rojo. Palacio, que substituiu Pérez aos 35, também quase não foi percebido. A Argentina não conseguia assustar.
Até que, aos 45 minutos do segundo tempo, Robben teve a sua primeira chance real. A Holanda tocou a bola até Sneijder tabelar com o atacante e ajeitar de calcanhar para o camisa 11 na área, demorar a finalizar e, já de frente para Romero, parar em impressionante recuperação de Mascherano, autor de carrinho que salvou seu país na pequena área.
No início da prorrogação, Argentina apertou a saída de bola holandesa, mas Cillessen mal precisava trabalhar porque mesmo Messi não acertava quase nada sob frio e chuva em Itaquera. Do outro lado, Van Gaal abriu mão da especialidade do goleiro reserva Tim Krul para defender pênaltis e mostrou que queria definir o jogo com a bola rolando sacando o imperceptível Van Persie para apostar em Huntelaar.
Quem realmente entrou no jogo, contudo, foi Robben. Sneijder o procurava a todo momento e o astro resolveu aparecer bem, como quando driblou três rivais em curto espaço até ser desarmado por Mascherano ou em finalização de fora da área nas mãos de Romero. O cansaço argentino parecia ajudá-lo.
Sabella, por sua vez, gastou sua última substituição pensando em preencher o meio-campo com alguém mais descansado, trocando o esgotado Lavezzi por Maxi Rodriguez. O meia, contudo, virou um dos sete ou oito jogadores que ficavam atrás da linha da bola para ver o toque de bola holandês. Os sul-americanos não apostavam em nada além de contra-ataques, todos ineficientes.
Mas, em meio ao cansaço dos dois times, Palacio quase levou Sabella ao infarto. Aos nove da última etapa do jogo, o atacante, sozinho na grande área, cabeceou a bola nas mãos de Cillessen. Minutos depois, Messi acordou e deixou Maxi Rodriguez em condições de evitar os pênaltis, mas foi mais um a facilitar o trabalho do goleiro holandês.
Nas cobranças, contudo, nenhum argentino ajudou o arqueiro europeu, que viu Messi, Garay, Aguero e Maxi Rodriguez balançarem as suas redes. Do outro lado, Romero parou Vlaar e Sneijder para garantir um sul-americano em decisão de Copa pela primeira vez desde 2002, quando o Brasil foi pentacampeão.