por Luis Nassif
Aqui no blog, frente à judicialização da nossa política e a politização da nossa justiça, o colega Assis Ribeiro se pergunta se não é oportuna uma nova constituinte que devolva ao povo o protagonismo da ação política.
Questiona se o que temos vivido em termos de judicialização da política já não anulou na prática a validade do Parágrafo Único do artigo 1º da nossa Constituição. O que define o povo com fonte única do poder.
Eu diria mais, preocupa-me sobremaneira a integridade da aplicação do artigo 2º – são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
É daí que vislumbro a tentativa que se instituir a “democracia sem povo”. Nela, para consumo externo, haveria eleições regulares e o povo poderia escolher segundo as regras democráticas os seus representantes ao Legislativo e ao Executivo. Porém, uma vez eleitos esses representantes só seriam autorizados e defender os interesses da plutocracia que nos governa desde sempre. Caso tentassem algo diferente, por exemplo, instituir um governo de defesa dos interesses populares seriam interditados por ação de um Judiciário formado e aliado pelas classes dominantes.
Existiria esse risco, mesmo? O que temos visto na nossa sociedade dá apoio a esse temor?
Talvez, mas não creio que uma nova constituinte seja a ação adequada. Nossa Constituição já é “cidadã”. E talvez vivamos um momento de reafirmação dessa cidadania.
Sem dúvida temos assistido nos últimos tempos uma forte interferência do STF e da PGR na vida política do país. A ponto de sentirmos essa interferência como risco à harmonia e à independência entre os poderes, necessárias ao funcionamento da nossa democracia.
Que suas decisões seriam políticas de qualquer forma é uma questão aristotélica, mas não é da política segundo Aristóteles que estamos falando e sim da política partidária.
Então, cabe perguntar: qual é esse tal “últimos tempos”, quando começou após a redemocratização esse “ativismo judiciário”?
A mim me parece que com o início dos governos do PT e recrudescido a partir do governo Dilma. Não nos governos FHC.
Depois da ditadura, os governos FHC foram talvez o mais próximo do que é essa “democracia sem povo”.
A imprensa foi crítica aos governos FHC? Basta recordar de como tratou os casos extraconjugais de ambos os presidentes FHC e Lula.
Lembro de alguma ação do STF nos governos FHC, mas nelas o STF sempre me pareceu ter sido discreto, agiu quando provocado e decidiu a favor do governo. Do PGR de então lembro só do apelido: “engavetador geral da república”. Do Ministério Público, lembro das ações de um procurador, Luiz Francisco (seria esse o nome?) que chegou a incomodar bastante alguns políticos da base de apoio do governo. Da Polícia Federal lembro de acusação de ter trabalhado uma parte dela contra os adversários do governo.
Quantas das figuras citadas acima podemos dizer que são hoje, ou foram em passado recente, atuantes na oposição aos governos petistas?
E por quê?
Porque a oposição aos governos petistas no executivo federal não se dá no Congresso nem dele partem as principais ações oposicionistas. No Congresso os partidos de oposição, por não disporem de apoio popular suficiente, são uma minoria cuja ação beira a inoperância, quando não o ridículo e a deselegância de questionar a cor do vestido de uma senhora. Logo, a oposição aos governos petista é essencialmente extra-parlamentar. As forças conservadoras, o termo reacionárias talvez as descrevesse melhor, que se opõem aos governos petistas formaram um consórcio onde os parlamentares da oposição são parte, mas apenas isso, parte. Talvez a menor e sem dúvida não a parte no comando.
Esse consórcio era formado inicialmente pelo que se convencionou chamar de PIG – partido da imprensa golpista – “nós somos a oposição” – e os tais parlamentares da oposição. Apoiados pela plutocracia nacional e pela porção mais retrógrada da nossa classe média. Mas a derrota de 2006 e 2010 mostrou que não era o bastante. A imprensa pode escandalizar, mas sua influência junto à população geral revelou-se pouca e com uma minoria inepta no Congresso isso não resultou em nada de prático.
É aí que o PGR assume papel relevante. O Ministério Público é aquela parte do judiciário que tem o poder de se auto-provocar. Ele pode a partir apenas do noticiário da imprensa propor ações contra políticos junto ao STF ou Polícia Federal. O STF pode ou não aceitá-las. Porém, isso é uma ação com efeito prático, que causa constrangimento ao poder. Óbvio que para isso o PGR deve comungar com a ideologia do PIG. A idéia é que as ações sejam proposta contra os políticos no governo e não contra os da oposição.
O que se espera é uma ação partidarizada, não isenta. Poderia um PGR atuar segundo sentimentos de classe que pudessem ser instrumentalizados? Alguma dúvida?
Bom, agora a ação tem de ser sobre o STF. Cabe identificar os Ministros passíveis de também serem arregimentados para a causa conservadora. Para isso podem ser seduzidos ou constrangidos, seus egos, e conceitos sobre estamento ou mobilidade das classes sociais são suas fragilidades. Alguma dúvida a respeito de se as forças conservadoras obtiveram sucesso?
O laboratório desse consórcio foi a AP 470. Funcionou. Ao seu final, ensaiou-se até em elevar o STF ao nível de Poder Moderador. O sonho das forças conservadoras, a democracia sem povo.
A tanto não chegamos, mas o consórcio de oposição, agora formado pela imprensa conservadora, parlamentares da oposição, PGR e Ministros arregimentados sentiu-se forte o suficiente para emparedar o governo.
E é isso que me parece está acontecendo. Ou através de ações do PGR junto ao STF iniciadas a partir de poderosa campanha midiática antecedente ou pelos parlamentares da oposição que ao perderem no voto acionam o mesmo STF que os atende.
Repare como o PGR e o STF, o último em especial, são o ponto de apoio das forças conservadoras.
Ocorre que há uma falha nessa equação. O cargo de PGR é temporário e o STF passa por um momento de transição.
Sabedoria nas escolhas de quem ocupara os postos nesses poderes pode ser muito eficiente para consolidarmos nossa democracia. Talvez mais que uma nova constituinte.
O que precisamos é de uma maioria de ministros do STF que ao praticar a legalidade, a impessoalidade, a moralidade que somadas à publicidade e à eficiência – não à toa formam o acrônimo LIMPE, nos de a segurança jurídica necessária ao Estado democrático de direito.
A bola está com a presidente Dilma em relação ao poder Judiciário.
Em relação aos outros dois poderes, a bola é nossa, com PIG e tudo.