*FERNANDO ABRUCIO
É uma miopia acreditar que a salvação está na aprovação da nova lei para a distribuição dos royalties do petróleo
As eleições municipais de 2012 apresentaram índices menores de reeleição do que o pleito passado. Várias explicações foram dadas para isso, com destaque para a redução dos recursos à disposição dos prefeitos, prejudicados não só pela economia, mas pela diminuição dos repasses federais. Aparentemente, os agora eleitos resolverão seus problemas se tiverem mais verbas e orçamento próprio. Como toda resposta rápida e fácil, essa não mostra todo o tamanho e complexidade da questão. Os novos prefeitos precisam, para além da melhoria das finanças, aprimorar a gestão pública, atuar com mais ênfase em alguns temas estratégicos para a população e planejar o futuro da cidade.
Acreditar que a salvação está na aprovação da nova legislação dos royalties do petróleo, que, se sancionada, aumentará as verbas para a maioria dos municípios do país, é uma miopia. Basta observar o que acontece na região de Campos, hoje rica em recursos derivados do “ouro negro”: faltam saneamento, habitação e políticas para reduzir a desigualdade. Os municípios banhados nos últimos 20 anos por tanto dinheiro deveriam ter feito uma revolução educacional, a fim de preparar a cidade para o dia seguinte da bonança. Não o fizeram, e agora correm o risco de não ter mais recursos para a sobrevivência básica das prefeituras.
O dinheiro novo do petróleo simplesmente não salvará os municípios brasileiros. Isso não quer dizer que não seja preciso aliviar a péssima situação financeira deles. A reforma do federalismo brasileiro na década de 1990 foi fundamental para atacar a irresponsabilidade fiscal e o comportamento predatório que grassava nos Estados e nas municipalidades. Mas o aperto já teve o efeito desejado – criar uma restrição orçamentária razoável. Temos hoje um cenário de sufocamento financeiro e centralização tributária exagerados e indesejáveis.
É essencial renegociar a dívida dos governos subnacionais, pois a situação atual transformou-se numa verdadeira derrama. Também é importante aumentar a distribuição dos recursos do pré-sal para o conjunto das municipalidades, embora o melhor seja fazê-lo a partir dos novos contratos, pois a redução da segurança jurídica atrapalharia o conjunto da Federação, não apenas os Estados produtores.
A própria União ganhará com uma nova pactuação dos recursos federativos. Os Estados poderiam aumentar seus investimentos em infraestrutura, algo essencial para o investimento público e privado no Brasil. A piora nas condições de vida nas cidades também afeta a imagem e os projetos do governo federal. O então candidato a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, afirmou: “A vida melhorou dentro de casa (por causa da melhoria da renda das pessoas) e piorou da porta da rua para fora”. A melhoria “da porta da rua para fora” passa pela qualidade dos serviços públicos e pela organização da vida coletiva. Isso não será feito pelos burocratas de Brasília. Governos municipais são centrais e precisam ter as condições para atingir esse objetivo.
Garantir mais recursos para os municípios, contudo, não pode ser a única solução para melhorar a vida dos cidadãos da “porta para fora de casa”. A distribuição de recursos para as prefeituras deve ser alicerçada por metas e indicadores de resultados. O repasse puro e simples dos recursos do petróleo é um perigo. Seria fundamental definir objetivos a perseguir com base nesse dinheiro novo. Repassar uma parcela para a educação é uma ideia válida. O fundamental é atrelar recursos a resultados mensuráveis, não só a temas ou setores de políticas públicas.
Uma forma de trazer mais recursos aos governos municipais é fortalecer as parcerias entre os níveis de governo. Isso já vem acontecendo, como ressaltou um documento do IBGE, Perfil das informações básicas municipais de 2011, conhecido como Munic. Segundo esse importantíssimo estudo, leitura obrigatória para quem quer entender os governos locais brasileiros, cerca de 80% das prefeituras já fazem parcerias com outros governos locais, com Estados, com a União ou com o setor privado. Essas articulações são essenciais. Mas não sabemos ainda seu real impacto, principalmente porque elas não se orientam por metas e indicadores de resultados.
O mesmo documento do IBGE revela melhoras na ação dos governos locais em educação e saúde, bem como a emergência de novos temas. A fragilidade da gestão e do planejamento locais ainda salta à vista. Há um grande número de funcionários públicos municipais comissionados e sem vínculo permanente, algo que revela uma profissionalização precária da administração pública local. Cerca de 20% têm apenas o ensino fundamental completo, embora a escolarização tenha melhorado.
Pior é a situação do planejamento municipal. A principal temática é a questão urbana, aquilo que a Constituição garantiu como principal competência dos municípios: assuntos de “peculiar interesse local”. O cenário é desolador. Somente 6% dos governos locais têm planos de redução de riscos, num país que vê catástrofes se repetirem a cada verão. Cerca de 70% das cidades não têm plano municipal de saneamento. Quase 50% não controlam a qualidade da água. Houve, porém, melhora na política de habitação, impulsionada por programas federais e estaduais.
Não basta colocar dinheiro novo nas prefeituras. Será preciso mais investimento em capacidades institucionais e políticas inovadoras. Isso é ainda mais importante nas grandes cidades, cada vez mais complexas. Desejo boa sorte aos prefeitos. Mais isso não bastará se eles não fizerem uma ampla reforma das administrações municipais.
É doutor em ciência política pela USP, professor da Fundação Getulio Vargas