O juiz Manoel da Costa Neto, da comarca do município de São Cristóvão (SE), a 25 km de Aracaju, determinou a quebra do sigilo bancário, o bloqueio de contas e a restrição de veículos que estejam em nome do prefeito da cidade Alexsander Oliveira de Andrade.
O bloqueio das contas é imediato e deve se dar até o limite de R$ 386.520,00. Esse valor corresponde ao que teria sido pago pela Prefeitura de São Cristóvão em sete contratos de prestação de serviços de consultoria e assessoramento jurídico.
Segundo a denúncia feita pelo Ministério Público, esses contratos apresentam graves irregularidades.
Veja abaixo íntegra do processo.
Requerente: Ministério Público do Estado de Sergipe
Requerido: Alexsander Oliveira de Andrade
Vistos et coetera.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por intermédio de seu representante que oficia junto à Promotoria de Justiça Especial da Comarca de São Cristóvão/SE, promoveu AÇÃO CIVIL PÚBLICA por prática de ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, já qualificado nos autos, afirmando que:
“O Tribunal de Contas do Estado de Sergipe encaminhou para esta Promotoria de Justiça cópia do Relatório de Inspeção N.º 44/2011, tendo sido constatado que a Prefeitura Municipal de São Cristóvão celebrou 07 (sete) contratos de prestação de serviços de consultoria e assessoramento jurídico, todos com graves irregularidades, no valor total de R$ 386.520,00 (trezentos e oitenta e seis mil quinhentos e e vinte reais).
Os técnicos do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe ressaltaram, no supra citado relatório, que foram constatadas irregularidades nos contratos tombados sob número 001/2009, 101/2009, 201/2009, 048/2009, 254/2009, 400/2009 e 434/2009.
Com efeito, a 5ª Coordenadoria de Controle e Inspeção da Corte de Contas de Sergipe identificou irregularidades nos aludidos contratos, vez que os mesmos tinham objeto semelhante e não constavam a sujeição do instrumento, o que caracteriza infração ao art. 26, inciso III, e art. 61 ambos da Lei 8.666/93.”
Assim, requereu:
I. Seja oficiado o BANCO CENTRAL DO BRASIL, BANCO DO BRASIL, BANCO DO ESTADO DE SERGIPE – BANESE e CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, a fim de que informem sobre a existência de contas correntes/poupanças/aplicações em nome de ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, CPF 591.177.965-04, com imediato bloqueio das mesmas até o limite de R$ 386.520,00(trezentos e oitenta e seis mil quinhentos e vinte reais), bem como sobre a existência de cofres, procedendo ao seu lacre para posterior abertura e apreensão dos bens encontrados, bem como transações financeiras em moeda estrangeira e cautelas de metais e pedras preciosas.
II. Seja oficiado o DETRAN-SERGIPE requerendo informações sobre veículos registrados em nome do réu e comunicando a indisponibilidade dos mesmos.
É o breve relato. Decido.
Evidenciada a legitimidade do Parquet estadual para a propositura da demanda, no exercício de suas nobilíssimas atividades, já que o art. 129, III, da Constituição Federal, disciplina como uma das funções institucionais do Ministério Público, promover a Ação Civil Pública visando a proteção do Patrimônio Público e Social e dos interesses difusos e coletivos.
In casu, o cerne da questão cinge-se a celebração de contratos de prestação de serviços de consultoria e assessoramento jurídico em descumprimento ao art. 26, inciso III e art. 61 da Lei 8.666/93.
Causa espécie o fato do Município manter uma Procuradoria aparelhada e ter que contratar profissionais externos, mormente a preços vultantes. As razões que levaram a tais contratações, com objetos semelhantes, relativas a atividades regulares da pessoa jurídica, merecem apuração detalhada.
Fora expositado na proemial, como visando demonstrar a verossimilhança do alegado, a juntada de cópia do Relatório de Inspeção nº 44/2001 do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, que traz a marca da Oficialidade, informando que o Município de São Cristóvão, através do seu gestor e atual Prefeito, o Réu Alexsander Oliveira de Andrade, celebrou 07(sete) contratos de prestação de serviços de consultoria e assessoramento jurídico, totalizando R$ 386.520,00(trezentos e oitenta e seis quinhentos e vinte reais), com objetos semelhantes e sem a sujeição do instrumento, caracterizando infração do art. 26, inciso III, e art. 61 da Lei 8.666/93.
O exame perfunctório dos documentos dão conta de realização de despesas através de contratos ditos como irregulares, apresentação de objetos semelhantes e ausência de sujeição do instrumento aos ditames legais.
O Tribunal de Contas deste Estado trouxe um Relatório conclusivo e, a princípio, irretorquível. O MPE instaurou o concluiu um Inquérito Civil.
Em face da urgência da medida, evidentemente não é possível ao Julgador o exame pleno do direito material invocado pelo interessado, até porque tal questão será analisada quando do julgamento do mérito, restando a este, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma provável existência de um direito. No entanto, há de se presenciar a efetiva existência do bom direito invocado pelo Autor, posto que a decisão do Juiz não pode e não deve ser baseada em frágeis argumentações.
As prestações de urgência requeridas pelo MPE são de natureza antecipatória e cautelar. Filiado à ideia do mundialmente famoso jurista Nicola Frama rino Dei MALATESTA, acredito que, para o Juízo de Probabilidade Máxima, presente na Tutela Antecipada, exigir-se-ia a concorrência da Verossimilhança da alegação e a Contundência da prova, sem olvidar o perigo da demora; já para o Juízo de Probabilidade Média, próprio da Tutela Cautelar, é bastante a “fumaça do bom direito” e também o perigo da demora.
A conhecida Lei de Improbidade Administrativa se antecipou à reforma do CPC e já previa a possibilidade de concessão de Tutela Cautelar no bojo do processo de conhecimento, sem necessidade de instrumentalização própria. Deixou registrado, também, o não exaurimento da tutela definitiva pela via provisória – antecipação tutelar -, a fim de que não representasse um odioso julgamento prévio.
O Órgão Promotorial apresentou, com o pleito de tutela provisória, com a verossimilhança acompanhada de robustíssimas informações colhidas no Inquérito Civil acostado, tudo devidamente documentado, que traz enorme grau de comprometimento dos Réu através do Relatório Técnico da Corte de Contas do Estado informando, a princípio, irregularidades ditas graves, que podem ter tido como objetivo beneficiar financeiramente o Réu, enriquecendo-o ilicitamente, além de provocar prejuízo ao erário. A constricção patrimonial visa a cobertura de eventual condenação. Já quanto ao “periculum in mora”, destaca-se a necessidade de se garantir a regular investigação e possibilitar o pagamento de uma possível condenação de ressarcimento ao erário, bem como o pagamento da multa civil. Nota-se, portanto, que o requerimento tem o escopo de garantir a Efetiva Prestação Jurisdicional.
É certo que a conclusão acerca da veracidade ou não das imputações somente será alcançada com o transcorrer do feito, com a emissão do Juízo de Certeza. Entretanto, não se pode olvidar, no presente momento, a infringência da legislação especifica Lei 8.429/92 e 8.666/93.
O provimento Cautelar encerra uma espécie de Tutela de Urgência, com a finalidade de “Segurança”, de “Garantia”, de “Proteção” do bem jurídico – coisa litigiosa – discutido na demanda principal. Ao lado do interesse protetivo direto do jurisdicionado, está, também, o interesse da própria Jurisdição, como forma de não permitir o esvaziamento do resultado prático da futura sentença de mérito. Caso contrário, o Vencedor da demanda teria uma “Vitória Pírica”. Se, em sua origem legislativa, o Processo Cautelar já lançava nas mãos do Magistrado o “Poder Geral de Cautela”, agora, com a “Efetividade Processual” sendo alçada à categoria de Princípio Processual Constitucional, todo um instrumental de providências incidentais é colocado à disposição do Julgador, para poder até agir de ofício, a fim de fazer Justiça; a exemplo das disposições legais que geraram o Sincretismo Processual, a Fungibilidade das Tutelas de Urgência, ou as providências cautelares claras para a Tutela Específica – Arts. 461 e 461-A, do CPC.
As ações cautelares ou preventivas trazem, como características precípuas, a instrumentalidade, a assessoriedade e a provisoriedade. Vale dizer que a ação cautelar foi criada com o fim de garantir, como instrumento de realização da tutela jurisdicional, a utilização eficiente, útil e eficaz do processo, como remédio adequado à composição da lide.
A medida cautelar atípica, como no caso sub judice, é subsidiária, somente se aplica a medida inominada, na ausência da medida típica, por isto mesmo, essas cautelas gerais e inominadas apresentam “variado e imprevisível conteúdo”, sendo seus parâmetros meritórios apenas o periculum in mora e o fumus boni iuris, pressupostos indeclináveis, e as garantias do devido processo legal, como limite do poder cautelar, uma vez que as exigências da tutela, celeridade ou urgência não podem causar dano ou gravame, indevidamente, às partes.
Para as providências cautelares, temos que a fumaça do bom direito deve ser vista sob a ótica da segurança do processo, ou, como nas palavras de Liebman, o qual defendia a presença como meio de assegurar que o processo possa conseguir um “resultado útil”. (Manuale de Diritto Processualle, 1968, Vol. I, nº 36, p. 92). O fumus boni iuris, de acordo com as lições do ilustre Humberto Theodoro Júnior, em sua obra Código de Processo Civil, Vol. III, consiste num “interesse amparado pelo direito objetivo, na forma de um direito subjetivo, do qual o suplicante se considera titular, apresentando os elementos que prima facie possam formar no juiz uma opinião de credibilidade mediante um conhecimento sumário e superficial, como ensina Ugo Rocco.”
O outro requisito para a concessão da liminar pretendida é a configuração do periculum in mora. Para isto, deverá a parte requerente obrigatoriamente demonstrar fundado temor de que, enquanto não for concedida a tutela pretendida venha ocorrer risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração ou qualquer tipo de alteração no estado das pessoas, bens ou provas necessárias para a perfeita e eficiente atuação do provimento final de mérito da lide:
“Periculum in mora é dado do mundo empírico, capaz de ensejar um prejuízo, o qual poderá ter, inclusive, conotação econômica, mas deverá sê-lo, antes de tudo e, sobretudo, eminentemente jurídico no sentido de ser algo atual, real e capaz de afetar o sucesso ou eficácia do processo principal, bem como o equilíbrio das partes litigantes.”(Justiça Federal -Seção Judiciária do Espírito Santo, Proc. Nº 93-0001152-9, Juiz Macário Judice Neto, j. 12.5.1993)
O primeiro dos requerimentos das Tutelas de Urgência é o de quebra de sigilo bancário do envolvido, bem como o bloqueio de valores em sua conta bancária, e restrição de alienação sobre veículos junto ao DETRAN/SE, visando garantir o ressarcimento ao erário, dos valores ditos como indevidamente utilizados, já que um dos objetivos do pleito é o refazimento das contas públicas.
Nessas tutelas diferenciadas, o Principio do Contraditório é sempre observado, em maior ou menor grau, mesmo considerando a possibilidade de medidas liminares inaudita altera pars, haja vista que o réu sempre poderá se defender.
No caso em apreço, o MPE se ocupou em investigar suposta irregularidade na realização de despesas para contratação de prestação de serviço e assessoramento jurídico, através de Inquérito Civil, respaldado inclusive pelo relatório do TCE/SE, valendo-se da presente medida para fins de prevenção de prejuízo manifesto e de reunir informações necessárias à elucidação dos fatos denunciados, objeto de Ação Civil de Improbidade Administrativa.
Na verdade, o procedimento visando a obtenção da quebra de sigilos bancário e fiscal, bem como a natureza jurídica desses pedidos, já foi objeto de muita celeuma. Para alguns, se trataria de Ação Cautelar Exibitória; para outros, seria uma Cautelar Inominada; e, por fim, há quem sustente que as medidas são meras autorizações administrativas, sem feição jurisdicional.
Ditas providências invadem a área pantanosa do direito ao sigilo das relações, à privacidade, à intimidade das pessoas, dilacerando suas vidas bancárias e fiscal.
Na ordem bíblica “Autoridade” é sinônimo de “Serviço”. Não equivale a truculência, intangibilidade, tirania, supremacia, soberba, etc… Quanto maior for Autoridade, maior o compromisso com o trabalho honesto e sério. Por isso mesmo, aquele que for exercente de Autoridade é especial, é pessoa designada por Deus, e deve ser tratado neste quilate, com um grau de comprometimento maior que o comum do povo.
É impressionante neste país como o garantismo prepondera aos quatro cantos! Como não se enxerga que a Administração Pública requer atuação de personagens sérios; que o tratamento conferido ao homem comum não deve ser o mesmo para as Autoridades Públicas e quem contrata com a Administração.
A exagerada preocupação com as garantias dos direitos individuais e da liberdade pessoal do cidadão, e o excesso de pudor democrático, para preservação do Princípio da Separação dos Poderes da República, porque colocam um hipócrita manto protetor sobre “travestidos marginais sociais”, foi objeto de lúcidas divagações originadas pelo grande Mestre OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, nos seguintes termos:
“Intriga-me sobremodo esse ardor com que o sistema exalta a inviolabilidade pessoal e esse respeito exaltado pela liberdade humana, quando a Inglaterra, por exemplo, considerada por todos o berço das liberdades civis, não vacila em colocar na prisão aqueles que não cumprem as ordens judiciais. Sou levado a supor que nós os brasileiros, tenhamos excedido todos os limites na preservação das liberdades democráticas e no respeito à dignidade da pessoa humana, deixando para traz os demais povos. Se isto não fosse uma simples e trágica ironia, poderíamos imaginar-nos capazes de dar lições de democracia e respeito individuais aos ingleses.” (Mandamentalidade e autoexecutoriedade das decisões judicias. Revista EMERJ, v. 5, n. 18. 2002, p 33).
Entendo que a garantia constitucional não prevalece na presente situação (investigação preparatória); e o faço com amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consubstanciada na decisão proferida no Agravo Regimental em Inquérito n. 897/1994, tida como precedente.
Importante ressaltar que, no contexto da investigação de ilícitos desta natureza, a ouvida prévia do investigado prejudicaria a instrução, e possibilitaria maiores delongas na conclusão das investigações, podendo, inclusive, em alguns casos, beneficiar os eventuais réus em termos de prescrição civil e penal. Ademais, o conhecimento prévio da medida permitiria aos suspeitos torná-la ineficaz, por meio da alteração da rotina de depósitos e despesas e do saque de recursos das contas, impedindo, assim, o ressarcimento de danos ao erário.
O requerimento de quebra dos sigilos fiscal e bancário é, por conseguinte, objeto de procedimento administrativo investigatório de natureza inquisitorial e não contraditório (STF, HC 55447), o que significa dizer que não se dá ciência prévia ao suspeito. A autorização de exame é concedida inaudita altera parte, sem formação do pleno contraditório.
Nenhum prejuízo haverá para o investigado com a disclosure, já que o Ministério Público e este Poder são obrigados a manter sigilo absoluto das informações colhidas, somente podendo utilizá-las adiante para fins judiciais relacionados, com os fatos que autorizaram a medida. Quando do momento futuro, então, será exercido em toda sua plenitude o contraditório, com apresentação de defesa no processo.
Há quem sustente a legitimidade do Ministério Público para requerer diretamente aos bancos de dados as informações necessárias ao bom termo das investigações, mitigando o direito fundamental ao sigilo de dados, mesmo sem autorização judicial, opinião com a qual não comungo, sem querer aqui adentrar nesse mérito.
O objetivo do procedimento preliminar na Ação Civil Pública, consistente na Notificação premonitória do Administrador, visa formar no Julgador o seu Juízo de Admissibilidade da provocação, aferindo a justa causa da demanda, no sentido de receber o libelo, confrontando perfunctoriamente teses(antíteses) e provas pré-processuais. Tal procedimento será inteiramente dispensável quando a Prova for deveras Contundente, Robusta, e firmar um Juízo de Convencimento capaz de redundar na tomada de medidas extremas. Induvidoso se torna, portanto, é o acolhimento integral do libelo em sua integridade, sem que isto importe em violação ao Princípio da Ampla Defesa.
Mutatis mutandis, seria o mesmo que, na seara criminal, o Juiz acolher a representação pela medida acautelatória da Prisão Preventiva e determinar o retorno do Inquérito à Delegacia para novas diligências. Ora, se há elementos para o decreto de segregação provisória, haverá também para o recebimento da denúncia.
Ex positis, presentes os requisitos, CONCEDO AS MEDIDAS LIMINARES, inaudita altera pars, determinando:
1 – A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO, cuja titularidade/dependência seja de ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, CPF 591.177.965-04;
2 – BLOQUEIO de quantia até o limite de R$ 386.520,00(trezentos e oitenta e seis mil quinhentos e vinte reais);
3 – Determino a restrição de veículos cadastrados em nomes dos Réus, através do sistema RENAJUD.
Ciente e consciente da redundância do procedimento legal, determino a Notificação premonitória do Réu para, no prazo legal, apresentar a defesa preliminar.
I.
São Cristóvão, 17 de fevereiro de 2011.
Manoel Costa Neto
Juiz de Direito
SE Notícias com informações do G1 Sergipe