Por Egicyene Lisboa*
Dois fatores que fazem a diferença na vida do motorista André Lima Damasceno há mais de 12 anos com toda certeza é o amor pela profissão e o gosto por transportar pessoas. Todos os dias, o seu André sai do Bairro Mosqueiro em direção a garagem da Viação Atalaia, que fica localizada na Rua Roberto Morais, no Santos Dumont e antes mesmo de iniciar o seu trabalho ele cumpre todo um ritual de cuidados para começar o transporte de passageiros.
Ao chegar a empresa a sua primeira função é realizar um checklist no ônibus que fica sob sua responsabilidade, após essa verificação dará início ao seu itinerário. Quando finaliza o seu horário, retorna para garagem e relata para a equipe responsável se aquele ônibus precisa de algum reparo ou manutenção, se apresentou algum problema ao longo do dia ou se está tudo ok! Ou seja, o transporte coletivo público de passageiros é legalizado, fiscalizado e, principalmente padronizado para que todos tenham acesso e possa se deslocar de forma segura e em horários pré-determinados.
Já no outro lado da cidade existe uma realidade um pouco diferente. Diariamente é possível presenciar a atuação de transportes clandestinos que conseguem fugir da fiscalização e ofertar um serviço normalmente mesmo sem autorização. Além de não se regulamentado por Lei, não dispõe de medidas de segurança nos veículos, nem na forma de conduta dos seus respectivos motoristas. A estudante do curso de Farmácia na Universidade Federal de Sergipe – UFS e usuária do transporte público, Júlia Maria Reis Cortes, que mora no Bairro Farolândia em Aracaju, ressaltou que é uma ação rotineira e que quase não há nenhuma fiscalização ou punição para quem oferta o serviço. “Eles estão todos os dias aqui e acredito que se esse serviço é ofertado é porque tem um público que faz uso dele. Eu mesma, por mais que o meu ônibus atrase ou demore um pouco, me sinto mais segura no transporte público. As vezes quando preciso resolver algo mais urgente prefiro utilizar o transporte por aplicativo”, pontuou.
A nossa equipe foi até outro ponto da cidade, na Avenida Murilo Dantas, conhecida popularmente como Canal 05 no Bairro Augusto Franco da Capital e uma pessoa fingiu está aguardando o transporte coletivo no ponto de ônibus, quando foi abordada por carros que fazem o transporte de forma clandestina. Registramos esses momentos em que é oferecido o serviço.
É possível presenciar a ação clandestina, principalmente no Santa Maria, no Mercado, no 17 de março, Centro da cidade, em frente ao Shopping Jardins, Shopping Rio Mar, Coroa do Meio, na Beira Mar e no Augusto Franco, que inclusive descobrimos que conta com um grupo no whatssap nominado: “Rapidão A.F 2” e tem 234 participantes, onde estas pessoas podem solicitar uma vaga para o local que deseja ir, utilizando o sistema clandestino.
Um usuário deste serviço clandestino e que prefere não ser identificado diz que se submete ao sistema porque a oferta do transporte público é muito demorada. “A oferta de transporte público deixa a desejar, já o clandestino oferece a agilidade e rapidez. O ônibus precisa cumprir um itinerário, demorando bastante para chegar ao destino final e quando pego o clandestino chego muito mais rápido onde desejo, pagando quase a mesma tarifa”, pontuou.
O diretor Administrativo e Institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos- NTU, Marcos Bicalho dos Santos, pontuou algumas diferenças dos serviços ofertados. “O transporte público coletivo por ônibus urbano é um transporte regular, e como tal ele se difere dos transportes ilegais e dos transportes clandestinos, que existem em muitas cidades brasileiras. Dentre as principais vantagens desse transporte, a primeira é que ele é um serviço público sujeito a determinações e a fiscalização do poder público municipal, nesse caso a prefeitura acompanha o dia a dia desse serviço e fiscaliza a qualidade de sua prestação”, diferenciou Bicalho e completou: “Normalmente são serviços prestados por empresas, pessoas jurídicas que estão sediadas ou filiadas aquelas cidades onde elas são contratadas. Com isso, existe sempre uma empresa que vai se responsabilizar por acidentes, por ocorrências com os usuários quando a culpa for da prestadora do serviço”.
Saúde humana e ambiental
A questão do transporte clandestino vai muito além da falta de legalização, ele apresenta uma série de motivos contrários para seu desenvolvimento e uma das mais preocupantes é a questão ambiental.
Os números já mostram claramente que o transporte coletivo é uma maneira de usar o espaço urbano de forma inteligente, deixando assim as cidades mais agradáveis, menos perigosas e com menor poluição. E a ação dos clandestinos além de contribuir com o congestionamento das vias por transportar passageiros praticamente de forma individual ainda poluem o meio ambiente, já que esses veículos irão conduzir menos pessoas nas vias (pesquisam apontam que proporcionalmente, carros e motos poluem oito vezes mais que os ônibus). É só comparar a área ocupada numa rua por um ônibus e a sua capacidade de transportar passageiros e depois transferir este número de passageiros para a quantidade de carros que seria necessária para este transporte. Para substituir um ônibus seriam necessários 48 automóveis.
O gerente de manutenção da Aviação Atalaia, Anderson Vieira Fonseca, pontua algumas medidas adotadas para tentar diminuir os impactos causados no meio ambiente e que proporciona segurança para os usuários do transporte público coletivo licenciado. “Os motoristas são treinados para uma condução econômica e segura, gerando segurança, inclusive é preciso destacar que nosso índice de acidentes com vítimas é quase nulo. Com a adoção dessa forma de condução o uso de combustível diminui, gerando melhor qualidade no ar tanto para população, quanto para a cidade de forma geral”, pontuou o gerente.
No final das contas, quanto mais pessoas utilizam o transporte coletivo regulamentado em substituição aos veículos clandestinos, menor será a quantidade desses veículos transitando pela cidade, assim como menor o impacto no meio ambiente e mais qualidade de vida para todos.
Despoluir
É importante ressaltar que diante desta realidade atual o transporte, busca alternativas sustentáveis de crescimento, assumindo sua responsabilidade em favor da qualidade de vida e do meio ambiente. E para aprimorar sua atuação ambiental e também cuidar da saúde dos seus trabalhadores e familiares, o setor transportador conta com o auxílio do Programa Ambiental do Transporte- Despoluir.
“O programa Despoluir faz aferições sobre os níveis de poluentes através do opacímetro, que mede a opacidade (fumaça preta que sai) de cada veículo, que pode dizer se o combustível pode estar poluindo mais ou menos, além de identificar a idade e manutenção correta e preventiva de cada veículo que pode causar a poluição maior ou não”, pontuou técnico de Despoluir, Lucas Alves.
Com as aferições podem ser identificadas algum tipo de problemas nos veículos, nível de combustível, e prevenção muito maior nesses transportes. “É enviado um laudo técnico para empresa de cada veículo, que consta todos os dados, opacidade, se ele foi aprovado ou reprovado na aferição. O programa também dispõe de um selo que coloca no vidro, demostrando para a população e instituições que aquele carro passou por Avaliação Veicular Ambiental e estar aprovado com relação a isso”, destacou o técnico.
O Despoluir impulsiona e incentiva os transportadores a adotarem práticas ambientalmente responsáveis e entrar na rota da sustentabilidade, diminuindo assim os impactos na natureza e na saúde pública. Seu grande proposito é melhorar a qualidade do ar, cuidar da saúde os trabalhadores e estimular o uso racional de combustíveis, contribuindo assim com desenvolvimento sustentável.
Existe uma manutenção programada de acordo com a cronometragem do veículo, ou seja, um veículo que faz um serviço mais severo na zona rural, por exemplo, o tempo de manutenção é muito menor.
Na Aviação Atalaia, a preocupação ambiental está presente em todas as suas ações. “Existe toda uma preocupação começando pelo abastecimento, destinação dos resíduos (óleo queimado), durante a manutenção peças retiradas são destinadas para a reciclagem, os materiais encontrados na varrição dos ônibus, como papelão e plástico, são doados para cooperativas para o processo de reciclagem. Pneus, só podem ser descartados para empresas que sejam regulamentadas com licença ambiental, porque nos preocupamos com seu destino já que é um material que demora bastante para se decompor na natureza”, destacou o gerente de manutenção, Anderson Vieira Fonseca.
Acidentes
A verdade é que quando cresce o número de veículos do transporte individual, principalmente clandestino, também crescem problemas como trânsito congestionado, poluição e aumento do número de acidentes, em especial envolvendo as motos. Pesquisa mostra que mais de 80% dos casos de internação do HUSE (Hospital de Urgência de Sergipe) são relacionados a acidentes envolvendo transporte por moto (e no Brasil, motos lideram tragédias no trânsito), onerando o sistema de saúde pública e, muitas vezes, ceifando vidas.
Dados do Departamento de Estrada e Rodagem de Minas Gerais (DER – MG) apontam que o clandestino está envolvido em 40% de 15 mil acidentes de trânsito. Já o transporte público, em relação à segurança, foi eleito um dos veículos mais seguros pelo Ministério da Saúde. No estudo feito pelo órgão, apenas 0,48% das mortes de trânsito estiveram relacionadas aos acidentes envolvendo coletivos. Tais dados demostram que os ônibus auxiliam na preservação de vidas. Mais um fator que mostra a importância desse tipo de locomoção. “Ônibus é sistema de transporte urbano mais seguro no trânsito, ele se difere dos outros modos pelo número mínimo de acidentes com terceiros ou com seus usuários”, ressaltou o diretor Administrativo e Institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos- NTU, Marcos Bicalho dos Santos.
A prevenção para que estes números continuem baixos quando se refere a acidentes começa nos treinamentos ofertados para os colaboradores do transporte público. “Os motoristas passam por treinamento de direção econômica e defensiva, as duas estão muito ligadas. Esse treinamento auxilia como operar o veículo na velocidade correta, rotação, parada programada, pensando na segurança do passageiro, sem ter aquela freada brusca, diminuindo assim o risco de acidentes envolvendo o coletivo. Como os motoristas trabalham com previsão, muitas vezes ele troca a preferência pela prudência”, pontuou, Anderson Vieira, gerente de manutenção.
Prejuízos
O sistema clandestino provoca prejuízos ao sistema de transporte regular e a população como um todo, porque enquanto um se preocupa constantemente com uma mobilidade urbana mais sustentável, oferta de um transporte acessível, seguro, e se preocupa com os impactos no meio ambiente e na qualidade de vida da população, do outro lado nos deparamos com uma oferta de serviço que só visa o lucro.
É importante falar sobre a questão dos atributos de um serviço público, que deve ter continuidade, ou seja, deve ser prestado de acordo com as especificações do poder público, em horários noturnos, nos finais de semana, nos horários em que a demanda é maior, atendendo sempre a maioria das áreas urbanas, para onde ele foi especificado.
O transporte clandestino não faz parte do planejamento urbano para o desenvolvimento da cidade e atua apenas em localidade de interesse de lucro particular, onde existe maior volume de passageiros. Sem esquecer de mencionar que não paga impostos e taxas para prestação do serviço.
Não atente nenhum direito de gratuidade (no sistema de transporte coletivo a gratuidade equivale a mais de 12% dos passageiros transportados), e ainda onera a prestação de serviço do transporte público coletivo quando oferece transporte individual em valor aproximado ao da tarifa de ônibus. Com menos passageiros no coletivo a tarifa de ônibus tende a subir: manutenção dos custos x queda de demandas.
“Gostaria de destacar que a tarifa do transporte público por ônibus, ela é uma tarifa pública, conhecida, divulgada, ela não é uma tarifa que varia em função de dias, horários, de maiores demandas, e ela deve ser como serviço público, uma tarifa módica, acessível a grande parte da população”, explicou o diretor Administrativo e Institucional da NTU, Marcos Bicalho dos Santos.
Medidas Adotadas
Publicada no Diário Oficial da União de 8 de julho de 2019, a Lei nº 13. 855 alterou o Código de Trânsito Brasileiro, passando a considerar infração gravíssima, com remoção do veículo, o transporte remunerado de pessoas quando não licenciado para esse fim. Estão inclusos motoristas de aplicativos, mototáxis e fretamento por vans, carros ou ônibus. O valor da multa que era de R$ 130,16 passou para R$ 293,47. A infração mudou de média (4 pontos) para gravíssima (7 pontos). No caso de transporte escolar, a multa é multiplicada por cinco, com valor de R$ 1.467,35.
Órgãos Gestores de transporte e trânsito de todo País já estão colocando em prática o novo rigor da fiscalização do transporte clandestino para garantia da segurança das pessoas e em destaque estão: São Paulo, Salvador, Recife, Maceió e outros.
Realidade em Maceió
Em 2021 a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito de Maceió (SMTT) registrou um aumento significativo na apreensão de veículos de transporte clandestino. Só nos primeiros sete meses do ano passado foram mais de 200 veículos de transporte clandestino apreendidos. Em 2019 foi registrado 174 apreensões.
Durante as ações de apreensão foram encontrados diversos tipos de irregularidades, como: veículos conduzidos por motoristas inabilitados, falta de itens de segurança obrigatórios, licenciamento atrasado e uso indevido de celular ao volante e da faixa azul.
A Superintendência reforça que o transporte de passageiros em veículos clandestinos oferece riscos nas rodovias e é uma infração gravíssima de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O condutor flagrado é multado, tem veículo apreendido e tem sete pontos acrescidos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Para denunciar o transporte clandestino, a população pode ligar para o Núcleo de Operações Integradas (NOI) pelo telefone (82) 3312-5340, que funciona 24 horas todos os dias da semana. O Disque SMTT 118 também é uma opção e funciona de segunda à sexta-feira, das 7h às 19h.
Já a SMTT de Aracaju até a publicação dessa matéria não se manifestou sobre como é a realização da fiscalização para combater a oferta do serviço clandestino na capital de Sergipe.
Carência no transporte Público
‘Ônibus sucateados, em quantidade insuficientes e com tarifa cara’. Essa é a descrição da população aracajuana sobre a oferta do transporte público, que tem que disputar espaço com a prestação clandestina do serviço, a que os passageiros se submetem em seus deslocamentos como alternativa a carência do setor.
Dados da Associação Nacional de Transporte Públicos mostram que, em 1950, 85% da população brasileira utilizava transporte público, enquanto 15% utilizava transporte individual. No ano de 2009, essa proporção se igualou em 50%. Uma projeção feita para 2030 aponta que, se nada for feito em relação à mobilidade urbana, 65% das pessoas utilizarão o transporte individual e apenas 35% darão prioridade ao transporte coletivo.
Há uma preocupação com a renovação da frota de ônibus para que o serviço ofertado seja de qualidade, principalmente porque a demora na troca dessa frota ocasiona um custo maior na sua manutenção. “Uma frota antiga não quer dizer que seja uma frota inoperante, mas ela exige maior cuidado, maior mão de obra para manter e intervalo menor na troca de peças devido ao desgaste, então o custo de manutenção deste veículo fica mais elevado, sendo que veículos mais velhos poluem bem mais”, destacou o gerente de manutenção da Aviação Atalaia, Anderson Vieira Fonseca.
Além dessa preocupação com a manutenção para que os ônibus tenham uma durabilidade maior, conta com frota extra, por volta de 5%, evitando que a população sofra com a falta de veículos se ocorrer algum problema.
O Governo Federal incentivou e permitiu o avanço no segmento do transporte individual e tardiamente vem adotando medidas para a melhoria da mobilidade urbana, como prioridade para o transporte público, a exemplo do PAC (Programa da Aceleração do Crescimento) e da Lei 12.587, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
É preciso investir no transporte público para que ele ganhe qualidade para que mais pessoas sintam segurança e confortáveis para os deslocamentos em transporte coletivo, deixando o carro em casa e abandonando o uso dos clandestinos. Isso é questão de prioridade.
Reciclagem
“Não existe uma determinação final para vida útil de um veículo, existe recomendações de acordo com a cidade, de acordo com o trânsito, normalmente que variam, quinze, dez, ou até mesmo cinco anos. Chega um momento que ele passa a não ser mais viável economicamente a partir dos dez, quinze anos, a sua manutenção fica mais cara e não vale mais a pena investir neste veículo, passando a ofertar serviços mais amenos, como por exemplo, transporte escolar, transporte de trabalhadores rurais, que muitas vezes são transportados por caminhões sem nenhuma segurança, e aqueles que não servem mais para outra finalidade são enviados para a reciclagem”, pontuou, Anderson Vieira.
Existem em Sergipe empresas que fazem aproveitamento de peças, os famosos ferros velhos, e o restante do material vai para uma siderúrgica onde o metal, ferro e demais matérias são destinados para indústrias e irão virá outros tipos de materiais, ou pessoas que trabalham com reciclagem pensando no meio ambiente, como é o caso de Maria Betânia Lima Santos.
Ela é dona do Bet Art’s- Arte em Pneus, que surgiu quando estava tentando se livrar de uma depressão e hoje é referência no artesanato. Há 10 anos vem se especializando e contribuindo com o meio ambiente e reciclando pneus que seria descartados ou não teria nenhuma utilidade.
Já decorou na época do natal a cidade da Barra dos Coqueiros com Papai Noel e Árvore de Natal em pneu, além de participar do Barra mais verde e produzir lixeiras para a praia da Atalaia Nova e decorar a frente da Escola Municipal Maria Ligia.
Já ministrou oficinas na Universidade Tiradentes- UNIT, decorou o parque da Vila Aeronáutica, espaço kids do restaurante Marian e a decoração do parque da sementeira em Aracaju. Ainda pensando no ambiental, ministra oficinas para adolescentes, inclusive conta com ajuda de dois na produção de suas peças recicláveis, Rodrigo Santos e Nicolas Alese de 21 e 23 anos respectivamente e catadores de lixo.
Existe uma preocupação das grandes empresas de ônibus com todo seu material que será descartado, já que tem consciência que os meios de transportes, como qualquer atividade humana, geram impactos ambientais.
*Por Egicyene Lisboa – jornalista, mestra em comunicação pela UFS
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