Projeto de lei apresentado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ligado ao endurecimento de regras para a comercialização de ouro é mais uma das pautas governistas que podem render desgaste na relação entre Palácio do Planalto e Congresso, considerando interesses opostos entre proteção do meio ambiente e pautas da bancada ruralista.
A proposição, sugerida originalmente por 5 ministérios como MP (medida provisória), foi protocolada na Câmara em 13 de junho de 2023 como PL 3025/2023 (eis a íntegra – 187 KB). O projeto começou a ser discutido em GT (grupo de trabalho) criado em 26 de janeiro de 2023 –mesmo período de novas denúncias contra atividades ilegais de garimpo em terras indígenas a partir da repercussão da situação humanitária dos yanomamis.
Documento anexo ao projeto –assinado pelos ministros Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), Marina Silva (Meio Ambiente), Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Silveira (Minas e Energia)– defende que a proposição tem a “finalidade de propor medidas contra a atuação de organizações criminosas, inclusive com a exploração do garimpo, em terras indígenas”.
“Compuseram o Grupo de Trabalho os seguintes órgãos: Secretaria de Acesso à Justiça; Secretaria Nacional de Segurança Pública; Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal. E foram convidados a participar representantes dos Ministérios dos Povos Indígenas, de Minas e Energia, da Defesa, dos Direitos Humanos e da Cidadania e da Fazenda”, diz o documento.
A atividade de mineração é um tema que causa divergências no Congresso. Em 2022, o Projeto de Lei 191/2021, de iniciativa do então governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), teve seu requerimento de urgência aprovado em plenário, mas a sua tramitação foi paralisada e foi anunciada a criação de um grupo de trabalho para discutir o tema, porém o colegiado temporário não foi para frente.
Em 29 de março, Flávio Dino enviou um ofício (íntegra – 925 KB) ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pedindo a retirada do projeto de Bolsonaro de tramitação. Há pelo menos mais duas propostas de tema correlato em andamento na Casa sem ter, por ora, perspectiva de andamento. As proposições foram apresentadas por congressistas aliados ao governo Lula e à oposição.
A iniciativa atende, para além das temáticas do Planalto de sinalização a minorias (como as comunidades indígenas), à determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) que, em 29 de abril de 2023, decidiu suspender a chamada “presunção de boa-fé” na aquisição de ouro. O termo está previsto na Lei 12844/2013, da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“Presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente quando as informações mencionadas neste artigo, prestadas pelo vendedor, estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro”, estabelece a legislação.
Com o entendimento da Corte na ação relatada pelo ministro Gilmar Mendes, foi dado ao governo Lula prazo de 90 dias para que a União estabeleça um novo marco para a fiscalização do mercado de ouro, com medidas que “inviabilizem a aquisição de ouro extraído de áreas de proteção ambiental e de Terras Indígenas”. A indicação do STF é parte do conteúdo do PL 3025/2023.
OPOSIÇÃO À PROPOSTA
O total de deputados que potencialmente serão contrários à pauta do governo Lula soma mais da maioria absoluta do plenário da Casa, de 237, visto o número de congressistas que integram a FPA (Frente Parlamentar de Agricultura), cujas pautas são voltadas à proteção da exploração econômica de áreas ambientais, e não estão na base de Lula.
A FPA soma 292 integrantes, considerando que 8 deputados, de acordo com informações oficiais, estão fora de exercício (a totalidade originária então é de 300). Um raio-x da FPA elenca que, das 292 cadeiras, pouco mais de 10% (34 assentos) pertence ao núcleo-duro do governo: PT, Patriota, PV, PSB, PDT, PC do B, Avante e Solidariedade.
Os demais postos são de nomes das legendas que estão no Centrão, na oposição ou se declaram independentes. Nesse grupo, que tem decidido a depender de cada projeto votar ou não em matérias de interesse do Planalto, há integrantes do PP, PSDB, PSD, União Brasil, MDB, PL, Cidadania e Republicanos. O Novo, até o momento, tem sido a oposição mais consolidada da Casa Baixa.
O QUE ESTÁ NO PROJETO
Com o projeto de lei, a gestão de Lula busca criar normas que atendam ao maior controle da atividade de compra e venda de ouro, determinando por exemplo que “no regime de permissão de lavra garimpeira, o ouro será considerado ativo financeiro ou instrumento cambial até a sua primeira venda, que será exclusiva para instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”.
O BB (Banco do Brasil) não está citado nas legislações vigentes atualmente sobre o mercado de ouro no Brasil: Lei 7766/1989, Lei 11685/2008 e Lei 12844/2013. Nas respectivas leis, o BC (Banco Central) já é pontuado como autoridade monetária que participa da regulamentação de transações.
Com a inserção do BB, a pretensão é criar mais um mecanismo de controle por parte da União, que o considera necessário para atender à finalidade do marco legal apresentado à Câmara. O texto também sinaliza a tributação das atividades, já que torna obrigatória a emissão de NFs (notas fiscais eletrônicas) para compra e venda de ouro.
Caso a proposição se torne lei, a carga apreendida em situações de descumprimento legal passará a ser dos cofres públicos da União.
Há também no PL 3025/2023 o estabelecimento da criação da Guia de Transporte e Custódia de Ouro, documento para a ANM (Agência Nacional de Mineração) monitorar as movimentações do metal no Brasil. Os vendedores de ouro terão de preencher a guia no sistema da ANM em cada transação. O projeto de lei estabelece as diretrizes para a operacionalização do documento. O vendedor terá responsabilidade cível e criminalmente pelas informações prestadas.
VEDAÇÕES
O projeto de lei impede que os proprietários de instituições financeiras que atuam na comercialização de ouro dos garimpos sejam também donos de garimpos ou tenham familiares nessa situação. O objetivo, conforme o governo, é fechar brechas para a comercialização ilegal do metal, conhecida como lavagem.
O artigo 7 do projeto de lei enviado por Lula estabelece que, caso a proposição se torne lei, “ficam impedidas de exercer o controle societário, de participar do grupo de controle societário, bem como de ocupar cargos de administração ou funções em órgãos estatutários ou contratuais, de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que realizem a atividade de primeira aquisição de ouro oriundo de lavra garimpeira, as pessoas que”:
sejam titulares de processos minerários; tenham recebido poderes para atuar em nome de titulares de direitos minerários para a comercialização de ouro; e tenham condenação penal transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado pela prática dos seguintes crimes: organização criminosa; receptação qualificada; extração; transporte ou comercialização de ouro sem título minerário; lavagem; grilagem; concussão; corrupção ativa; corrupção passiva; contra a economia popular; contra a fé pública; contra a ordem tributária; sonegação de contribuição previdenciária; ou tenham cônjuge, companheiro e parentes, consanguíneos ou afins, até o 3º grau, que sejam titulares de processos minerários ou tenham recebido poderes para atuar em nome de titulares de direitos minerários para a comercialização de ouro.
RELAÇÃO DO GOVERNO COM O CONGRESSO
O governo Lula enfrenta resistência junto ao Congresso, sobretudo de deputados, para aprovar projetos que lhes são caros. Pautas tidas como “ideológicas”, a exemplo da voltada à proteção de indígenas, têm gerado desgastes reiterados na relação entre Palácio do Planalto e congressistas aliados e oposicionistas.
O caso mais recente de dificuldade de consenso envolve o marco temporal. Ainda em janeiro, o presidente da República deu declarações que priorizaram a causa indígena em detrimento de atividades econômicas realizadas nos últimos anos sob menor pressão de fiscalização. A atividade de garimpo, conforme mostram relatórios apresentados em ação ao STF, cresceu a partir de 2020.
Na Câmara, estava em tramitação, desde 2007, o projeto de lei que institui a tese do chamado marco legal, o qual reduz a possibilidade de terras ocupadas por indígenas serem consideradas como tais. A aprovação foi um aceno ao STF, como tentativa de barrar o julgamento na Corte, afirmou ao Poder360 o deputado Zé Trovão antes da aprovação da urgência que foi de sua autoria.
Com as sinalizações de Lula entre janeiro e março para a demarcação de territórios já oficializados pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e a inclusão do tema na pauta do Supremo, deputados do Centrão, com a anuência de Lira, conseguiram em menos de 1 mês aprovar um requerimento de urgência e o próprio projeto em plenário.
No Senado, contudo, a pauta tem recebido pouca atenção do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no que diz respeito à celeridade. Apesar da pressão de senadores ligados ao ruralismo e do segmento, Pacheco tem reiterado que a discussão será iniciada em comissões temáticas. Não há, porém, data para a tramitação começar.
Marco temporal é a tese jurídica que afirma que os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A tese surgiu em 2009.
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Fonte: Poder 360