Mais de três anos já se passaram daquela noite de 18 de julho de 2016, quando o delegado de Polícia, Ademir da Silva Melo Júnior, foi alvejado enquanto passeava com o seu cachorro na localidade conhecida como Alameda das Árvores.
Hoje, o processo caminha para a sua reta final e com um saldo um tanto quanto inusitado: um acusado preso, diversos questionamentos da defesa e do Ministério Público de Sergipe (MP/SE), uma negativa de autoria deste acusado e muitas dúvidas a serem esclarecidas.
Ao final da investigação policial, o delegado indiciou o acusado pelo crime de latrocínio, roubo seguido de morte, e remeteu o inquérito ao Ministério Público. O promotor responsável pela persecução penal, Rogério Ferreira, discorda do delegado.
“O delegado apurou e concluiu, ótimo. Mas, eu não concordo com a visão dele e não tenho obrigação. E não concordo por quê? Primeiro, a definição de latrocínio é simples: subtrair o patrimônio de alguém mediante a ofensa à integridade física. Nada mais é do que a junção dos dois crimes, homicídio ou tentativa de homicídio e roubo. Eu pergunto o seguinte: o homicídio ficou caracterizado, e o roubo? Houve consumação do roubo? A vítima tinha dois telefones celulares, um relógio, uma arma de fogo e um cachorro, tudo que valia dinheiro. Algo foi subtraído? Foi tentado algum tipo de roubo? Tem alguma prova disso? Alguma testemunha? Não há testemunha disso”, afirma o promotor.
Antes de tudo, é preciso rememorar os fatos e suscitar questionamentos que fazem parte do processo e que são cruciais para a elucidação da morte do delegado. Algumas pessoas afirmam ter visto o acusado, seja durante o dia, nas imediações, ou após o cometimento do delito, no processo de fuga.
Porém, uma testemunha diz ter visto a cena do crime de dentro do veículo que passava pelo local naquela noite por volta das 18h45. Segundo ela, um carro seguia à sua frente e diminuiu a velocidade para entrar no Condomínio Ecoville, onde residia a vítima, forçando-a também a reduzir.
Foi nesse momento, que ela e uma amiga que também estava no veículo, teriam ouvido três disparos. Ao olhar para o lado, perceberam um homem em cima de uma moto preta de 150 cilindradas. Após os disparos, ele ainda ficou com a arma em punho observando o delegado.
Para uma segunda testemunha, que estava no quarto que fica na parte superior de sua residência, a moto era muito semelhante a uma de 300 cilindradas. O condutor usava uma camisa preta, provavelmente de gola pólo.
Em outro depoimento, outra testemunha afirma ter visto o suspeito nas proximidades do condomínio Terra Brasilis, minutos antes do crime. Na descrição, ele afirma que o suspeito estava em uma moto preta e vestia um blusão escuro e fino, daqueles utilizados por motoboys para se proteger do sol.
Por último, uma quarta testemunha, que estava na varanda do seu apartamento, diz que escutou os tiros e acompanhou com a visão a fuga do motoqueiro até perdê-lo de vista. Sobre ele, ela também tem a sua impressão: “Ele estava vestido com casaco de mangas compridas de cor preta”.
Até a própria secretária que trabalha na residência do delegado Ademir diz ter cruzado com o acusado no momento em que deixava o serviço, por volta das 18h. Ela também tem uma visão descritiva sobre ele. Em depoimento, ela afirma que ele era moreno e vestia camisa de manga curta. Como se vê, as informações não seguem a mesma linha.
Mas, a análise da cena do crime revela falhas ainda mais gritantes. Naquele dia, ao escutarem os disparos, dois policiais do Complexo de Operações Policiais Especiais (Cope), que residem nas imediações e chegavam do trabalho, foram até o local onde Ademir estava caído e, no afã de salvá-lo, o colocaram no próprio carro e o levaram para o hospital. Eles também levaram os pertences do delegado e não se preocuparam com a preservação do local para que fosse periciado pelo Instituto de Criminalística.
Exatamente às 21h42, a perícia foi acionada e chegou cerca de dez minutos depois. Um detalhe chama a atenção: o local não estava preservado, não tinha isolamento e nem vestígios do homicídio, ainda que repleto de autoridades policiais. Lembrando que, o projétil que incrimina o indiciado foi recolhido por um policial.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 6º, é claro: “Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais”. O que não foi feito neste caso.
Outro fato que fragiliza a investigação e que também é motivo de questionamento por parte do MP e da defesa refere-se às imagens captadas pelas câmeras de segurança dos prédios na noite do crime. Uma das câmeras, a principal delas, que captou a cena exata da morte do delegado, não foi remetida aos autos. Segundo o promotor, a imagem que chegou foi editada e mostra apenas 19 segundos.
“Essa questão das gravações é muito emblemática, porque a polícia teve um trabalho de coletar imagens de várias câmeras de vigilância, trazendo inúmeras filmagens, muitas das quais começaram com o dia claro. O crime aconteceu por volta das 18h45 e muitas imagens vieram a partir das 17 horas e fração, com a luz do sol ainda. Câmeras de vigilância vieram com duas horas de gravação, a maioria delas. Mas, a polícia, a princípio, mandou as imagens da rua de trás. Depois de alguma insistência, mandou as imagens do condomínio da vítima, e depois de mais alguma insistência, mandou as imagens do condomínio Terra Brasilis e do Alameda Verdejar. E do Alameda Verdejar, a câmera que pega o fato de frente, veio apenas 19 segundos. Comparado a duas horas de gravação, tem algo errado”, aponta o promotor Rogério.
Ele vai mais além: “Existiu uma câmera que pegou toda a cena do crime. Ah, doutor, mas não dá para ver! Eu não te perguntei isso! Se não dá para ver, me entregue. As imagens foram coletadas no dia do fato, retiradas do HD do condomínio por um determinado delegado no seu pendrive, está lá no processo. Essas imagens foram levadas e não chegaram no processo. Só chegaram 19 segundos. Essas imagens foram editadas. Um pedaço pra cá, um pedaço pra lá. Se acha que é uma imaginação do promotor, legal. Manda a perícia para ver se houve adulteração das imagens. O que vem antes? Não sei. O que vem depois? Não sei. Por que tiraram? Também não sei. Tem coisas que você pode até saber, mas é recomendável não dizer”, lamenta Rogério.
O promotor também reconhece que as imagens podem ter alguma dificuldade de visibilidade por terem sido produzidas no período da noite. Ele afirma ainda que descobriu sobre a existência das imagens após oficiar os três condomínios para que apresentassem as imagens. Foi aí que soube que um delegado já teria recolhido o material.
“Tem inúmeros requerimentos meus pedindo esse vídeo, inúmeros. São quase dois anos de via-crúcis. Ficaram faltando essas imagens. Eu não sei se o delegado que coletou essas imagens foi ouvido, a quem ele entregou essas imagens. Se conseguir encontrar no inquérito policial o despacho desse delegado recebendo essas imagens, me avise. Seria interessante perguntar lá, o que é cadeia de custódia da prova para ver se sabem. Se souber, talvez cheguem à conclusão que eu não estou tão assim fantasiando. A defesa está certa em não apresentar as alegações finais”, explica Rogério.
Para a defesa de Anderson Santos Souza, preso após ligação feita para o disque denúncia remetendo a autoria do crime a ele, essa prova pode inocentar o seu cliente, uma vez que o mesmo negou a autoria do delito dentro do processo.
“O vídeo de 19 segundos foi mandado para o processo editado. Hoje, há uma cobrança por parte do Ministério Público que esse vídeo seja remetido aos autos, de forma integral, sem cortes, sem edição, e que seja feita uma perícia particular. Além disso, há dois laudos com informações diversas. Não entendi. Quantas armas existiram nesse crime? Quantas pessoas existiram nesse crime? Quem mandou matar Ademir Melo? Foi um homicídio passional? Um crime de mando? Ou foi um homicídio ocasionado pelos destinos da vida?”, questiona o advogado Josefhe Barreto.
A referência aos laudos feita pelo advogado de defesa se faz por uma razão. Após a prisão de Anderson, foram enviados à Coordenadoria Geral de Perícias do Estado de Alagoas, o projétil recolhido pelo policial na cena do crime, juntamente com a arma apreendida com o acusado. O resultado apontou que o projétil saiu sim desta arma. O Laudo de Alagoas fez uma microcomparação balística entre um projétil e uma arma, indicando que aquele projétil fora expelido pela arma enviada.
Em seguida, foi feita outra perícia, desta vez em Sergipe, entre dois projéteis acochados aos autos. O laudo sergipano indicou que os dois projéteis foram expelidos por armas diferentes. Ou seja, no mínimo, existiram duas armas diferentes.
Fazendo um paralelo com o caso do designer Clautenes, que chocou a sociedade com a irresponsabilidade da polícia sergipana, a reprodução simulada indicou que foram utilizadas duas armas, mas só foi indiciado um policial, pois foi o projétil da arma dele que foi encontrado no corpo da vítima. O outro projétil se perdeu, pois não foi feita a perícia no local de crime, o que acabou inocentando um dos envolvidos.
O laudo do médico legista apontou que apenas um único projétil lesionou o delegado Ademir. Então, de qual arma saiu esse projétil? Cadê a outra arma? Neste caso, não se tem como afirmar de que arma saiu o projétil que atingiu o delegado.
“Não adianta jogarem um crime de latrocínio. Um crime que eu como defesa aponto que seja um crime de solução fácil. Não se aponta mandante, ele chega lá para roubar, a vítima reage e ele mata. Parabéns, tudo resolvido. Hoje, a defesa se sente prejudicada. Toda a prova deve ser colhida, instruída e deve permanecer no processo. A defesa não tem como apresentar as alegações finais sem a prova concreta e ela não vai apresentar. Se quiserem pronunciar Anderson sem as alegações finais, que se faça. Eu não apresentei por acreditar que eu estaria antecipando a defesa do meu cliente sem saber qual é a prova que vai chegar. Isso fere o contraditório. É esdrúxulo o que vem acontecendo nesse processo, com todo o respeito”, afirma Josefhe.
Apesar disso, para o advogado Alonso Campos, constituído pela promotora de Justiça Caroline Leão, viúva de Ademir, não restam dúvidas sobre a autoria e qualificação do crime.
“Ele já foi condenado há mais de 40 anos de cadeia em outros crimes praticados iguais ao que ele praticou com Ademir naquelas redondezas. Ele é especialista em crime contra o patrimônio. Eu hoje digo, pela narrativa, pela sistemática, pela logística, foi ele quem matou Ademir. Não tenho dúvida disso. Ele diz na delegacia, os parentes dele dizem na delegacia, só que em juízo ele cala. Agora vem esse advogado, que está com raiva da Caroline, porque ele é réu em um processo que ela move contra ele”, diz Alonso.
Questionado sobre esse processo movido pela promotora Caroline Leão, Josefhe afirma que tudo o que foi levantado com relação a ela está nos autos processuais. Inclusive, ele lamenta que partes do processo que diziam respeito a Caroline tenham sido riscados nas alegações finais do processo a pedido do seu advogado.
“Eu não entendo qual é a intriga da viúva para com a defesa. Nós não criamos nenhuma celeuma processual, não atingimos em nenhum momento a moral dela. As informações que constam nos autos, por si só, falam sobre ela e eu não tenho culpa sobre isso. Hoje, me encontro processado, ela me processou por entender que eu maculei a imagem dela, não sei qual. A imagem que deve ser resguardada é de Ademir, que foi uma pessoa honesta e íntegra e teve a sua vida cerceada por conta de algo que ainda não se sabe o motivo. Eu acredito que se sentir intimidado por alguém não é crime”, revela Josefhe.
A esperança é de que o acusado confesse tudo o que aconteceu naquela noite no Tribunal do Júri, que ainda não se sabe se acontecerá ou não. Tudo vai depender do magistrado que julgará a ação. A expectativa da defesa de Anderson é pela sua absolvição.
“Vou mostrar que Anderson não vai carregar essa culpa sozinho. Se houver dúvida, e há, sobre a autoria delitiva, ele vai ser absolvido. A resposta vai ser dada nem que seja no dia do plenário do júri. Isso eu garanto. Cada um responde pela sua culpabilidade. Ademir estava marcado para morrer aquele dia, isso é fato! Existem evidências nos autos de que Ademir foi chamado pelo nome. Existem evidências nos autos de que existiu outra moto. Existem evidências nos autos de que existiam dois projéteis de armas distintas, então, Ademir estava marcado para morrer. A gente só não sabe o motivo”, finaliza o advogado Josefhe Barreto.
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Essa matéria é de autoria do jornalista Diego Rios e foi publicado originalmente no dia 13 de agosto no Jornal da Cidade