Uma decisão liminar expedida na terça-feira (25) pelo juíza Andrea Caldas de Souza Lisa da Comarca de Capela, determinou o que a prefeitura suspendesse os Processos Seletivos Simplificados (PSS) relativos aos editais de nº: 001/2017 SMS/Capela; 001/2017 SMAS/Capela e 002/2017 SMA/Capela.
De acordo com a Secretaria Municipal de Comunicação, a Prefeita Silvany Sukita foi notificada na manhã de ontem (26), e através do Processo 201700809576, a prefeita, através da Procuradoria Geral do Município, recorreu da decisão por meio de medida cautelar.
Confira a decisão abaixo:
Trata-se de Tutela Antecipada Antecedente, com requerimento de liminar de obrigação de fazer, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face do MUNICÍPIO DE CAPELA, na qual a presentante ministerial pretende suspensão dos processos seletivos simplificados anunciados pelo ente municipal.
Narra a exordial que o requerido, em 20 de março de 2017, publicou no Diário Oficial Municipal os Avisos de Edital nº 001/2017 SMSCAPELA, 001/2017 SMASCAPELA e 002/2017 SMACAPELA, tratando de processos seletivos para preenchimento de vagas para atender à necessidade provisória de excepcional interesse público, assim como para a formação de cadastro reserva, em diversos cargos.
Alega, ainda, que o edital dos processos seletivos não foram divulgados na íntegra no Diário Oficial, assentando tão somente que o edital e as informações complementares estariam disponíveis nas sedes dos órgãos municipais.
Além disso, não houve justificativa acerca da necessidade excepcional que fomenta a realização do processo seletivo, o período de inscrição foi curto e alguns candidatos, mesmo comparecendo no dia e hora designados, uma vez que a inscrição só poderia ser feita presencialmente, não conseguiram realizá-la.
Juntou os documentos de fls. 18-36.
Ato contínuo, este Juízo de Direito, velando pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, determinou a intimação do requerido para se manifestar acerca do requerimento de tutela de urgência.
Às fls. 50-62, consta a manifestação do ente municipal, na qual argumenta, em resumo, que a realização do processo simplificado para a contratação encontra guarita no art. 37, IX, da CF, uma vez que não há quadro de pessoal suficiente para atendimento da demanda; que há previsão legal para a contratação tal como está prevista; que o requisito da temporalidade foi observado; que os editais foram divulgados no site da prefeitura; e que não se fazem presentes os requisitos para a concessão da tutela. Requer, enfim, o indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela.
Juntou os documentos de fls. 63-91.
É a síntese do necessário. Decido.
Cabe registrar que a tutela antecipada de urgência antecedente, nos termos do art. 300, caput, c/c art. 303, do NCPC, tem cabimento quando presentes os seguintes requisitos: 1) a probabilidade do direito, compreendida como a plausibilidade do direito alegado, em cognição superficial, a partir dos elementos de prova apresentados; 2) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, caso a prestação jurisdicional não seja concedida de imediato.
Com efeito, vale explicitar que a doutrina e a jurisprudência têm encampado o entendimento segundo o qual a Administração Pública não se submete apenas à lei, mas ao Direito, razão pela qual é possível, além do controle da legalidade, o da juridicidade.
Na abalizada doutrina de Moreita Neto (2014, Curso de Direito Administrativo, 16 ed., p. 245),
O ‘princípio da judicidade exprime a dupla submissão jurídica do Estado: à ‘lei’ e ao ‘Direito’, a clássica ‘submissão à lei’, expressa no ‘pincípio da legalidade’, foi ampliada e superada com a inclusão tanto da submissão à ‘legitimidade’, politicamente conotada quanto da submissão à ‘licitude’, moralmente conotada, valores constitucionais afirmados do Direito pós-moderno, sintetizados no conceiro de ‘juricidade’. Assim, consoante esta mais atualizada nomenclatura, o emprego da expressão ‘legalidade’ se reserva quando a referência é feita à ‘lei no sentido estrito’, de norma estatal positivada.
Aí está a importância da atuação imparcial do Poder Judiciário. Este deve refletir, quando provocado, sobre o mérito do ato sempre dentro do prisma da juridicidade.
Importante registrar que, nesse sentido, “O ‘controle’ age pela ‘reação’, contraposta à atuação do Estado, sempre que for necessário ‘tornar efetiva a proteção’ das liberdades e dos direitos dos administrados ameaçados ou vulnerados, consistindo, portanto, na sua ‘contenção dinâmica’.” (MOREIRA NETO, op. cit., p. 245).
Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, inciso II, prescreve que: “(…) a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para o cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (…)”, sem que “A não observância do dispositivo nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.” (§ 2º, art. 37).
ALei Maior permite a contratação, sem necessidade de concurso público, para “cargos em comissão” ou para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Nesse sentido, a regra para o acesso aos cargos públicos é a aprovação em concurso, dispensando-se tal exigência – apenas em caráter excepcional – quando do provimento em cargos de comissão de livre nomeação e exoneração, ou, ainda, para atender a necessidade temporária de interesse público tudo conforme previsto pelo art. 37, II e IX, da Constituição Federal.
No caso das contratações temporárias, por força de sua excepcionalidade e em razão do princípio da legalidade, o qual deve nortear os atos praticados pela Administração, é necessária a observância estrita dos requisitos exigidos para a sua realização, previstos no inciso IX, do art. 37, do texto constitucional.
Resta vedada a contratação temporária quando as atividades a serem realizadas constituírem serviços ordinários da Administração Pública, que devem ser afetadas a um cargo público, ou quando a necessidade passar a ser permanente ou habitual. Ademais, o ajuste deve vigorar por período determinado, coerente com a transitoriedade da demanda que justificou sua formação.
Se as atividades tiveram continuidade, passaram a ter cunho de habitualidade, devendo ser organizadas em atribuições afetadas a determinado cargo ou emprego público que, por sua vez, deverão ser providos por meio de concurso público, como impõe o art. 37, II, da Constituição Federal.
Portanto, está delineada a moldura fática que lastreia o requerimento de concessão de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo Parquet, uma vez que há manifesta evidência de que os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, insculpidos na principiologia do art. 37 da CF/88 estão sendo agredidos para a promoção de processo seletivo que não guarda pertinência alguma com a necessidade temporária de excepcional interesse público, que nem sequer fora apontada nos atos administrativos correspondentes, uma vez que, ao menos em sua maioria, os cargos apontados nos editais possuem atribuições que demandam perenidade na Administração Pública.
Nesse sentido, conforme leciona Antônio José Brandão (apud MOREIRA NETO, op. cit., p. 103), “(…) tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos (‘moral comum’), como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. (…)”.
Vale anotar, ainda, que, segundo Moreira Neto (op. cit., pp. 101-102), ao discorrer sobre o princípio da impessoalidade na Administração Pública, “(…) a ‘correta atuação do Estado’ enquanto administrador, relativamente à sua ‘indisponível finalidade objetiva’, que vem (sic) a ser aquela expressa na legislação, ou seja, totalmente despida de qualquer inclinação, tendência ou proferência subjetiva, mesmo em benefício próprio, condição que induziu Cirne Lima a afirmar que a ‘boa administração’ é a que prima pela ‘ausência de subjetividade’ (…).”
Além disso, o exíguo prazo para as inscrições no referido processo seletivo ferem de morte os princípios constitucionais da moralidade e da publicidade. Nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco,
Já que os princípios estruturam um instituto, dão ensejo, ainda, até mesmo à descoberta de regras que não estão expressas em um enunciado legislativo, propiciando o desenvolvimento e a integração do ordenamento jurídico. Aque, cabe pensar no princípio da moralidade e no princípio da publicidade como determinantes da proibição de que um concurso público possa ter prazo sumamente exíguo de inscrição de interessados, em horários e localidades inadequados. (BRANCO; MENDES, 2014, Curso de Direito Constitucional, 9 ed., p. 72).
Ademais, os referidos editais somente foram divulgados no site da Prefeitura Municipal, que dificilmente vem a ser visitado por pessoas que desconhecem a realização de contrato com a mesma.
Nesse sentido, sobre a importância da publicidade no Estado Democrático de Direito, vale colacionar a lição do eminente Ministro Celso de Mello:
Desprezou-se, desse modo, como convém a regimes autocráticos, a advertência feita por NORBERTO BOBBIO, cuja lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra) assinala – com especial ênfase – não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.
Não constitui demasia rememorar, neste ponto, na linha da decisão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento do MI 284/DF, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO (RTJ 139/712-732), que o novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucional a ser observado, inscrevendo-a, em face de sua alta significação, na declaração de direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República reconhece e assegura aos cidadãos.
Na realidade, os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, como o Brasil, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo – que tem, na transparência, a condição de legitimidade de seus próprios atos – sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e os direitos dos cidadãos.1
A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO (“op. cit.”, p. 86), como “um modelo ideal do governo público em público”.
No que diz respeito ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tratando-se de requerimento lastreado na urgência da medida de tutela antecipada, é imprescindível a sua demonstração de modo suficiente a justificar a concessão dos efeitos da tutela já no momento inicial do processo.
Isso porque, havendo indícios razoáveis de irregularidades, o certame indica no caminho do desvio de finalidade, deixando de observar os princípios constitucionais mencionados, o que pode prestar a favorecimentos de toda a sorte, notadamente em razão da reduzida publicidade, que leva a não observância do princípio da igualdade.
Nada obstante isso, um processo seletivo realizado ao alvedrio da Lei Maior não seleciona os melhores profissionais, comprometendo permanentemente a eficiência e a continuidade dos serviços públicos, notadamente porque, como já se disse, ao menos em sua maioria, os cargos selecionados revestem-se de atribuições nada excepcionais.
Até por isso, o ente municipal tem o dever constitucional de realizar concurso público para os cargos vagos na estrutura administrativa, com a observação das regras e dos princípios constitucionais.
Observe-se, ainda, que, em caso semelhante, o Juízo de Direito de São Domingos/SE proferiu decisão liminar no sentido de suspender o processo seletivo naquela região (autos nº 201763300100), tendo sido negado o efeito suspensivo em Agrago por Instrumento pelo do eminente Desembargadordo Tribunal de Justiça estadual, Dr. José dos Anjos, em decisão monocrática proferida nos autos nº 201700805166.
Essa fase processual, contudo, e a premente necessidade de exame da medida de urgência vindicada, não permitem que incursões mais profundas sejam levadas a cabo. Por isso, não há como ter a certeza jurídica do direito do autor, embora seja ele provável, notadamente pelo que se verificou após a oportunidade do contraditório. Não obstante isso, os requeridos poderão, ato contínuo, produzir a prova da inexistência do ato desviado, o que faria suplantar as provas produzidas até então.
Por todo o exposto, ante a presença dos dois requisitos legais que autorizam a concessão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de urgência, DEFIRO-A para determinar a suspensão imediata dos processos seletivos simplificados, relativos aos editais nº 001/2017 SMSCAPELA, 001/2017 SMASCAPELA e 002/2017 SMACAPELA. Em caso de descumprimento, arbitro multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que deve recair sobre o patrimônio pessoal da Prefeita Municipal, SILVANY YANINA MAMLAK SUKITA, além da possibilidade de prisão em flagrante pelo crime de desobediência, sem prejuízo de outras sanções cíveis e criminais.
Intimem-se o Município de Capela e a sua representante legal, a Prefeita Municipal SILVANY YANINA MAMLAK SUKITA, pessoalmente,
Nos termos do art. 303, § 1º, I, do CPC, intime-se o autor para, em 30 dias, aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 303, § 2º, CPC).
Cumpra-se COM URGÊNCIA.
P.R.I.
Capela/SE, 12 de abril de 2017.
ANDRÉA CALDAS DE SOUZA LISA
JUÍZA DE DIREITO
Informativo n.° 588 do STF, disponível em www.stf.jus.br
Andrea Caldas de Souza Lisa
Juiz(a) de Direito