Em entrevista coletiva concedida na manhã desta sexta-feira, 07, a Secretaria de Estado da Inclusão Social, a Fundação Renascer, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e a Defensoria Pública de Sergipe responderam perguntas de jornalistas radialistas sobre o Sistema Socioeducativo em Sergipe. Operadores estratégicos do sistema de garantia e defesa dos direitos da criança e do adolescente no segmento, as instituições prestaram informações sobre as condições de permanência dos adolescentes em conflito com a Lei nas unidades de internação da Fundação Renascer, e sobre as ações que estão sendo adotadas, no sentido de distensionar o sistema no Estado.
O secretário Zezinho Sobral enfatizou que os operadores estão trabalhando em conjunto e de maneira intensa para solucionar a questão da superlotação nas unidades. “Estamos unidos para enfrentar da forma mais eficiente possível – dentro das limitações de recurso e material humano – a questão do adolescente em conflito da lei. E trabalhar com cunho efetivamente socioeducativo, de modo que eles possam reprogramar sua vida e não sair de lá piores. Há casos efetivos de recuperação desses jovens e temos muitos com baixo potencial ofensivo ou em primeira entrada. Insistimos para que estes tenham outro tipo de medida socioeducativa aplicada, ao invés de internar e possibilitar que eles se contaminem com as práticas de adolescentes já reincidentes ou que possuem alto potencial ofensivo”, pontuou o secretário.
O presidente da Fundação Renascer, Wellington Mangueira, ressaltou as mudanças realizadas na pedagogia aplicada junto aos jovens dentro das unidades. “Pitágoras disse que se educássemos as crianças não seria preciso punir os adultos. A sociedade às vezes prefere punir, reprimir que educar. A primeira coisa que fizemos ao assumir a Fundação Renascer foi implantar a regra: tortura nunca mais. Havia funcionários que estavam adotando métodos errados e o Estado não havia compreendido, como agora está compreendendo, que o socioeducador não é um guarda prisional. Hoje, todos se comportam dentro da lógica da pedagogia da presença, da socioeducação e do efetivo respeito aos direitos humanos”, disse Mangueira.
Ainda segundo ele, a Fundação vem buscando meios de, mesmo em meio às dificuldades, levar aos jovens atividades que os conduzam à tomada de consciência e à revisão dos próprios atos. “A gente recebe os jovens por determinação da Justiça e temos que acolhê-los, independente da nossa capacidade instalada. Fizemos várias reuniões pedagógicas com o Conselho e a SEED, trouxemos as Igrejas Católica, Evangélica e religiões Espíritas Kardecista ou de Matriz Africana, para contribuir com uma nova perspectiva de esperança para esses jovens”, continuou Wellington, que informou ainda que irá a Brasília, juntamente com o secretário Zezinho Sobral, para solicitar recursos para mais duas unidades, com o objetivo de interiorizar o sistema.
De acordo com a coordenadora do Núcleo da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública, Karina Neri, o órgão vem fazendo um acompanhamento constante dentro das unidades. “Fizemos uma inspeção no Cenam logo no início do ano, quando registramos irregularidades, notificamos a Fundação e envidamos todos os esforços para estar dentro da unidade para buscar soluções. Estamos semanalmente presentes. Já conversamos com mais de 100 adolescentes, aplicamos questionário social e demos início à revisão dos processos”, disse Karina. Ainda segundo ela, as audiências concentradas começaram semana passada, e tratam dos casos de 15 adolescentes por dia.
“Estamos buscando a progressão e a extinção dos processos quando for cabível. No caso da Usip, por exemplo, que é internação provisória, o adolescente só pode ficar 45 dias. Quando extrapola o prazo a gente entra com os habeas-corpus”, disse. Para Karina, é preciso que haja um trabalho intenso de conscientização da população e, principalmente, do Judiciário. “A própria sociedade cobra a internação, mas essa não é a única medida de ressocialização – pelo contrário. Existem as de meio aberto. A internação só deve ocorrer quando nenhuma das outras medidas resolver. Então a gente vem conversando com os juízes e nos somando com eles e os demais operadores para mudar isso e construir uma solução”, alegou a Defensora.
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Josevanda Mendonça valorizou a iniciativa de apresentar o que está sendo feito dentro do sistema. “Sou uma decana na questão dos direitos da criança e do adolescente, e em todos esses anos é a primeira vez que a Secretaria responsável pela execução das medidas senta para falar o que está fazendo. Estamos dando uma resposta à sociedade, abrindo as portas do sistema, para que toda a sociedade se aproprie dele também, já que o art. 227 da constituição diz que é dever da família, da sociedade e do Estado. Quando um adolescente pratica um ato infracional, todos falharam. E nesses anos inteiros acompanhando a Fundação Renascer, é a primeira vez que as nossas equipes de trabalho compreendem que o caráter da aplicação da medida socioeducativa é pedagógico”, pontuou.
A presidente do CEDCA levantou, ainda, reflexões sobre a visão distorcida que se tem sobre o sistema socioeducativo. Segundo ela, quando um adolescente comete um ato infracional, uma sequência de falhas antecederam sua política de atendimento. “Temos um país cuja cultura prisional comete o absurdo de imaginar que reduzir a maioridade penal é solução. Não é: 24% dos crimes no Brasil são cometidos contra crianças e adolescentes; e apenas 6% são cometidos por crianças e adolescentes. Se nós não temos pena de morte nem prisão perpétua, a sociedade brasileira precisa decidir se quer que o adolescente privado de liberdade saia pior ou melhor. Porque uma coisa é certa: ele vai sair. E se ele vai sair, o papel do Estado e da sociedade é contribuir para que ele saia com um projeto de vida”.
De acordo com Josevanda, pensando nisso, a Secretaria de Estado da Educação incluiu como meta do seu Plano de Trabalho Anual (PTA), atender 100% dos adolescentes em conflito com a lei. “Também houve a definição de diretrizes e parâmetros para a prestação de serviços educacionais na Privação de Liberdade, e uma qualificação em formação continuada de 40 horas para os profissionais que atuam no sistema, que inclusive, está sendo encerrada nesta sexta. Há uma proposta específica para adolescentes privados de liberdade entre 12 e 15 anos incompletos, e para a internação provisória, um projeto específico de trabalho com oficinas”, concluiu.
Kits e materiais
Na quinta-feira, 06, o Governo de Sergipe, através da Seidh, entregou à Fundação Renascer mais de 500 kits contendo 1.040 itens, entre colchões, lençóis, toalhas, colchas, além de utensílios de higiene pessoal como: pastas e escovas de dente, desodorantes e sabonetes. A Universidade Tiradentes, por sua vez, doou 100 kits de primeiros socorros, 307 kits de higiene pessoal, 30 kits de roupas de cama, e 34 kits de roupa de banho. Foram beneficiados os adolescentes custodiados no Centro de Atendimento ao Menor (Cenam); Unidade Socioeducativa de Internação Provisória (Usip); Unidade Feminina (Unifem); Comunidade de Ação Socioeducativa São Francisco de Assis (Case/Semiliberdade); e Centro Educacional de Menores Eronildes de Carvalho (Cemec).
Nova unidade
A partir de um investimento na ordem de R$ 13.996.527,88 e com 60% das obras concluídas, uma nova Unidade de Medidas Socioeducativas de Internação Masculina está sendo edificada no conjunto Marcos Freire I, em Nossa Senhora do Socorro, com capacidade para 84 jovens. Inserida em uma área total de 20.984,81 m², com área construída de 6.966,10 m², a unidade deve ser entregue ainda neste ano, e busca a criação de ambientes seguros para permitir o cumprimento das medidas de forma tranquila, com proteção tanto para os adolescentes, quanto para funcionários e a comunidade do entorno. De acordo com a Fundação Renascer, além da segurança, houve preocupação em proporcionar espaços humanizados, educativos, que confiram privacidade, flexibilidade e atendimento personalizado aos adolescentes em grupos separados, distribuídos em alas.
A unidade disporá de seis blocos, com muros de contenção e guarita elevada, incluindo área administrativa, sala de revistas, chalé de visita íntima, quadra poliesportiva coberta, reservatórios, subestação elétrica, espaço ecumênico e auditório com capacidade para 100 pessoas. Considerada uma das mais modernas do país, a unidade socieducadora contemplará rampas para acessibilidade e pisos táteis, quatro salas de atendimento psicológico, pedagógico, social e jurídico; quatro salas de aula, quatro salas para oficinas, sala de informática, biblioteca e sala de professores. A unidade também disporá de um amplo refeitório, sala de nutricionista, duas enfermarias, dois consultórios médicos, sala de esterilização, entre outros espaços.