Há mais de três décadas no Ministério Público Federal (MPF), Raquel Dodge tomou posse na manhã desta segunda-feira (18) no cargo de procuradora-geral da República, na cadeira que foi ocupada nos últimos quatro anos por Rodrigo Janot.
Em sua fala de oito minutos na cerimônia de posse, a nova chefe do Ministério Público prometeu defender a democracia, zelar pelo bem comum e meio ambiente e garantir que ninguém esteja “acima da lei”.
A cerimônia de posse contou com a presença de familiares e amigos de Raquel Dodge, integrantes do Ministério Público, magistrados e políticos. Prestigiaram a solenidade os chefes dos Três Poderes: o presidente da República, Michel Temer, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Antecessor da nova procuradora-geral, Janot não participou da solenidade alegando “motivos protocolares”. Em uma carta enviada no domingo (17) aos integrantes do MPF, o agora ex-procurador-geral desejou à sucessora – que era sua opositora dentro da PGR – “sorte e sobretudo energia para os anos que virão”.
A solenidade que empossou a nova procuradora-geral da República, realizada no auditório da sede da Procuradoria Geral da República (PGR), começou às 8h12.
Após a execução do Hino Nacional, Michel Temer assinou o termo de posse de Raquel Dodge. Na sequência, ela assinou o livro e fez seu primeiro discurso como procuradora-geral da República.
Nova responsável pela condução da Operação Lava Jato, Raquel Dodge não mencionou diretamente as investigações do esquema de corrupção que atuava na Petrobras e em outros órgãos públicos. E apesar da ausência de Janot na cerimônia, ela fez um rápido cumprimento ao seu antecessor “por seu serviço à nação”.
Em outro trecho do discurso, a nova chefe do Ministério Público disse que “o Brasil seguirá em frente” porque o povo brasileiro “acompanha investigações e julgamentos” e “não tolera a corrupção”.
“Quarenta e um brasileiros assumiram este cargo [de procurador-geral da República], alguns em ambiente de paz, e muitos sob intensa tempestade. A nenhum faltou a certeza de que o Brasil seguirá em frente porque o povo mantém a esperança em um país melhor, interessa-se pelo destino da nação, acompanha investigações e julgamentos, não tolera a corrupção e não só espera, mas também cobra resultados”, ressaltou a nova procuradora-geral, que foi intensamente aplaudida pelos convidados ao final do discurso.
Primeira mulher a assumir o comando do Ministério Público, Raquel Dodge chefiará a PGR pelos próximos dois anos.
Desde 1987 no Ministério Público Federal, ela foi indicada para o comando da PGR por Temer, em junho. Raquel Dodge ficou em segundo lugar na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), atrás de Nicolao Dino, candidato apoiado por Janot. A indicada por Temer foi aprovada pelo Senado em julho.
À frente do MPF, Raquel Dodge tem o desafio de garantir a continuidade da Operação Lava Jato, que investigou mais de cem políticos de diferentes partidos durante a gestão de Janot.
‘Abuso de autoridade’
A solenidade de posse ocorreu no início da manhã, a pedido do Palácio do Planalto, para que Temer conseguisse embarcar a tempo para Nova York, nos Estados Unidos, para participar, nesta noite, de um jantar que será oferecido pelo presidente norte-americano Donald Trump. Nesta terça (19), o chefe de Estado brasileiro fará o tradicional discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Ao final da primeira manifestação de Raquel Dodge como procuradora-geral, Michel Temer fez, de improviso, um rápido discurso no auditório da PGR.
Em meio à fala, o presidente da República voltou a alfinetar indiretamente Rodrigo Janot, que se tornou um dos principais desafetos do peemedebista. Temer disse que, toda vez que se ultrapassa os limites da Constituição ou da lei, “verifica-se o abuso de autoridade”. No mês passado, Temer pediu ao Supremo a suspeição de Janot alegando “atuação política”.
“Foi com prazer imenso ouvi-la dando aula em seu discurso. Uma aula referente aos grandes princípios regentes do nosso país, todos eles encartados na Constituição Federal de 88. Foi com o prazer extraordinário que eu ouvi dizer que autoridade suprema não está nas autoridades constituídas, mas está na lei. Ou seja, toda vez que há ultrapasse dos limites da Constituição Federal ou dos limites da lei, verifica-se o abuso de autoridade”, afirmou Temer em meio ao discurso.
“Porque a lei é a maior autoridade do nosso sistema. Não é sem razão que a Constituição estabelece que o poder não é nosso, mas é do povo. Não é sem razão a ouvi dizer da harmonia entre os poderes”, complementou.
O antecessor de Raquel Dodge apresentou duas denúncias contra Temer, a última na quinta-feira (14), pelos crimes de obstrução de Justiça e organização criminosa. Para que o Supremo possa analisar a acusação, é preciso a autorização da Câmara dos Deputados.
Na ocasião da primeira denúncia, que havia sido apresentada em junho por corrupção passiva, a maioria dos deputados decidiu barrar a acusação. Com isso, a denúncia de corrupção só poderá ser analisada pelo Judiciário ao final do mandato de Temer.
Ao discursar antes de Temer, Raquel Dodge demonstrou que pretende implementar um novo estilo na relação com os Poderes da República. Em meio à fala de estreia como procuradora-geral, ela destacou que a harmonia entre os Poderes é um “requisito para a estabilidade” do país.
“O Ministério Público, como defensor constitucional do interesse público, posta-se ao lado dos cidadãos para cumprir o que lhe incumbe claramente a Constituição de modo a assegurar que todos são iguais e todos são livres, que o devido processo legal é um direito e que a harmonia entre os poderes é um requisito para a estabilidade da nação”, enfatizou.
Ela também afirmou, em outro trecho do discurso, estar certa de que não tem “faltado recursos necessários e instrumentos legais” para que o Ministério Público cumpra sua função.
E complementou destacando ter convicção de que o MP continuará a receber do Executivo federal e do Congresso Nacional o “apoio indispensável ao aprimoramento das leis e das instituições republicanas e para o exercício de nossas atribuições”.
Papa Francisco
Católica praticante, Raquel Dodge citou um trecho do livro escrito pelo papa Francisco para exemplificar as transformações que a corrupção causa na vida das pessoas que, segundo ela, “se habituam a viver” nesse tipo de condição social.
“A corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver. O corrupto está tão fechado e satisfeito na sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém”, ponderou.
Ao final da cerimônia de posse, a nova chefe da PGR recebeu cumprimentos de autoridades e convidados por mais de uma hora.
Deputados, senadores, militares, ministros de tribunais superiores, procuradores e familiares formaram uma longa fila para saudar e tirar fotos com Raquel Dodge.
Um dos procuradores da República presentes na cerimônia foi Nicolao Dino, que ficou em primeiro lugar na lista tríplice para sucessão de Janot, mas foi preterido por Temer.
Integrante do STF, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou, ao final da solenidade de posse, ter a “convicção e esperança” de que Raquel Dodge vai seguir a tradição de “independência, seriedade, integridade, busca do interesse público e defesa de direitos fundamentais” levada a cabo por seus antecessores.
Questionado sobre se o combate à corrupção deve permanecer uma prioridade na gestão de Raquel Dodge, o magistrado respondeu que, na avaliação dele, “o Brasil tem muitas prioridades”, e uma delas é “o combate à corrupção”.
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Por Renan Ramalho e Guilherme Mazui, G1, Brasília