O juiz da Comarca de São Cristóvão, Manoel Costa Neto, concedeu liminar ao Ministério Público do Estado, que determina o repasse de 0,5% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Cristóvão.
De acordo com o Ministério Público, são inúmeros os casos de adolescentes envolvidos em drogas, criminalidade, gravidez precoce, abandono de filhos recém-nascidos, evasão ou pouco aproveitamento escolar, de maneira que é preciso garantir aos órgãos de proteção os meios para a oferta de programas de atendimento que possam auxiliar as famílias a fazer cessar tais situações de risco.
Ainda, segundo o Ministério Público, houve aumento do número de processos de verificação de situação de risco, demonstrando uma gradativa piora nos índices de violação dos direitos das crianças e adolescentes do Município.
Na sentença, a Justiça obriga o Município de São Cristóvão a efetuar mensalmente o repasse de 0,5% do FPM em favor da conta do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA), no prazo de 10 dias.
Caso a prefeitura não obedeça a determinação, poderá ter o bloqueio do valor correspondente, sem prejuízo de multa diária de R$ 1.000,00 por dia de atraso a ser paga pessoalmente pela prefeita Rivanda Batalha e pelo secretário municipal da Fazenda. Os gestores também poderão responder por crime de desobediência.
Confira a sentença na íntegra.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por seu Promotor de Justiça, promoveu AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face do MUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO/SE, ante da falta de investimento do Município na área da infância e da juventude, aliada à sua densidade demográfica, sendo crescente o número de situações de risco envolvendo crianças e adolescentes que, cada vez mais, têm seus direitos violados não só por seus próprios atos, mais por terceiros, exigindo, por parte de toda a rede de órgãos de proteção, uma ação integrada que lhes possa garantir um desenvolvimento saudável. São inúmeros os casos de drogadição na adolescência, criminalidade, gravidez precoce, abandono de filhos recém-nascidos, evasão ou pouco aproveitamento escolar, de maneira que é preciso garantir aos órgãos de proteção os meios para a oferta de programas de atendimento que possam auxiliar as famílias a fazer cessar tais situações de risco. Houve o aumento do número de processos de verificação de situação de risco abertos pelo MPE junto a esta Vara Cível, demonstrando uma gradativa piora nos índices de violação dos direitos das crianças e adolescentes do Município. Como forma de garantir a execução da política de atendimento às crianças e aos adolescentes de São Cristóvão, a Lei Municipal nº 21/1997, em seu art. 14, criou o Fundo Municipal destinado à captação e aplicação de recursos necessários ao custeio de programas de proteção especial. Sob a gerência do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O Fundo é constituído, dentre outras receitas, de 0,5% da cota mensal do FPM – Fundo de Participação dos Municípios, quantia essa que deve ser repassada mensalmente pelo Poder Executivo. As Leis Municipais nºs 21/1997, 49/2000 e 040/2009, que disciplinaram o tema, têm, sobre o assunto, texto semelhante com o seguinte teor: “O Poder Executivo Municipal deve colocar mensalmente à disposição do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, o percentual de 0,5% (zero vírgula cinco por cento) do que lhe for repassado da cota mensal do Fundo de Participação dos Municípios, que deve fazer parte do Fundo”. Embora o dever de proteção às crianças e adolescentes não seja apenas do Poder Público, pode-se dizer que o Município de São Cristóvão tem grande parte da culpa pelo cenário de abandono a que estão expostas as suas crianças e adolescentes. É que, dentre outras responsabilidades, é dever do Município o repasse mensal de 0,5% da cota do FPM em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente como forma de aplicar em programas de proteção de combate às mais diversas situações de risco verificadas. Ocorre que, apesar de criado o Fundo e com conta bancária aberta, o Município não efetuou regularmente os repasses dos duodécimos, não ofertando os meios mínimos para o seu funcionamento. São diversos projetos apresentados ao Conselho Municipal e que ficam inviabilizados pela insuficiência de receita. A partir de procedimento administrativo instaurado por esta Promotoria, verificou-se que o Município de São Cristóvão descumpre reiteradamente a obrigação legal de depositar o percentual de 0,5% do FPM na conta do Fundo Municipal. Em resposta ao ofício desta Promotoria, a Secretaria Municipal da Fazenda afirmou que, desde o início da atual gestão, em 2013, efetuou apenas o repasse referente aos meses de janeiro a maio de 2014. Nos autos do procedimento, há informações de que essa situação se repetiu nos anos anteriores, demonstrando o descaso com que a Municipalidade trata essa questão que tem prioridade constitucional. Vale dizer, o Fundo Municipal que deve custear as ações da política de atendimento às crianças e aos adolescentes ficou, por longos anos, sem a sua principal fonte de receita porque os gestores que passaram pelo Poder Executivo do Município de São Cristóvão inobservaram a obrigação de repassar o percentual fixado em lei. Foi requerida a Tutela de Urgência.
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É a suma. Decido.
Quando o Legislador Constituinte afirmou que os infantes devem ser tratados com Prioridade Absoluta não criou uma norma de conteúdo meramente programático, mas uma norma cogente, de respeitabilidade e cumprimento obrigatórios, sob pena de fazer da vontade do legislador um “nada jurídico”.
É induvidoso que o caso de abandono familiar, estatal e institucional de crianças e adolescente, muitos envolvidos com a dependência química, deve ser tratado como questões urgentes do Estado. As políticas públicas competirão ao Poder Público. A questão posta é saber se o Judiciário pode compelir o Executivo a implementar.
No século passado, o controle jurisdicional dos atos administrativos pelo Poder Judiciário era pouco admitido sob o argumento de que tal controle implicaria afronta ao Princípio da Tripartição dos Poderes.
Contrapondo-se à pura repartição de poderes independentes absolutamente pregado por Montesquieu, no Espírito das Leis, a Constituição Federal adotou o check and balances americano, onde poderes independentes são harmônicos entre si, criando-se o controle mútuo como forma de frear o poder ilimitado, que desembocaria no absolutismo, o que não se coaduna com os princípios democráticos.
Admitido o controle, porém, estabeleceram-se limites de atuação, para guardar a essência da independência dos poderes. Assim, o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário restringir-se-ia à análise de sua legalidade formal e material, jamais podendo adentrar na esfera de discricionariedade conferida ao Administrador Público, no exame da conveniência e oportunidade.
Historicamente, a tripartição dos Poderes não foi concebida e nem guardava obediência aos Princípios da Soberania e Independência, pois era específico oSuper-poder Executivo, como praticante dos atos administrativos típicos, único gerenciador das verbas públicas, fazendo gerar a máxima jurídica de que o controle judicial dos seus atos somente se faria a posteriori e nunca a priori, mesmo assim apenas quanto aos atos vinculados, já que, quanto aos discricionários, ficavam ao talante do titular, quanto à conveniência e a oportunidade quase sacrossantas de escolha. O Poder Legislativo aparecia como coadjuvante daquele, ficando o Judiciário destinado apenas a cumprir a vontade das elaborações legislativas.
A falta de compromisso público-social com o povo que elegeu representante, as falcatruas generalizadas com prejuízo para o erário, etc., fizeram colocar sob suspeição prévia de inidoneidade os titulares do Poder.
Também já vivenciamos a época do Super-poder Legislativo, como reflexo da politização das ações do Estado, sendo responsável pelas escolhas das prioridades políticas e sociais, a partir da aprovação do orçamento público e suas fortes ingerências. O comportamento pernicioso dos membros deste Poder da República, afeitos a práticas de politicagens mesquinhas, acordos financeiros, corrupção, desvios de verbas públicas, etc., levaram-no ao descrédito absoluto junto à população.
Quebrando, mais uma vez, o Princípio da Soberania e Independência dos Poderes Republicanos, também quebrando o sistema de freios e contrapesos, surgiu, por absoluta falência moral dos demais Poderes da República, e diante dos reclames da cidadania, o Super-poder Judiciário, compelido a agir, em muitos casos se arvorando em atos que, a rigor, nunca lhe competiriam.
Ante a letargia crônica de um Poder Legislativo que não legisla – já que passa quase todo o tempo com “pauta trancada” pela edição anacrônica de Medidas Provisórias, e só aprova Leis por “acordo de lideranças” – envolto em escândalos, o Poder Judiciário a cada dia emite, mais e mais, Decisões Normativas, diante das lacunas legislativas, a exemplo das disposições quanto a Nepotismo, Direito de Greve de Servidores Públicos, demarcação de terras indígenas, etc., isto sem falar das Súmulas Vinculantes, que são verdadeiras normas casuísticas de eficácia obrigatória. O pior é que um Magistrado, no exame de um caso posto, pode conferir interpretação aberta a uma norma constitucional, porque geral e abstrata, mas não pode fazer o mesmo com a Súmula Vinculante, sempre casuística e particular.
Do mesmo modo, ante a falta de compromisso político e social dos titulares do Poder Executivo, fez-se necessário alterar o sistema de controle judicial dos atos administrativos, deixando de ser a posteriori e tornando-se apriorístico, dada a premência dos sucessivos casos de afronta à ordem pública, bem como permitindo a revisão imediata dos atos discricionários.
As reiteradas omissões executivas nas aplicações das políticas públicas introduziu uma nova caracterização para os conflitos sociais, à medida que transfere para o Judiciário a incumbência de resolver os inerentes ao poder constituído pela soberania popular.
Nesta esteira, a sociedade busca no Judiciário a satisfação de direitos e a aplicação das políticas instituídas por leis que não são aplicadas, ou pela falta de recursos, ou até mesmo pela inércia do Administrador Público. Em decorrência desta realidade, a real função dos juízes acaba se alterando, ao passo que se tornam responsáveis pelas políticas de outros poderes, passando a orientar suas atuações de forma a assegurar a integridade da Constituição e dos direitos, tanto individuais, como difusos dos cidadãos. Assim, para produzir a justiça esperada em uma situação específica, o juiz deve ter sensibilidade para julgar cada caso, encontrando a norma e adequando-a aos princípios constitucionais.
Considerando o disposto no art. 5º XXXV, “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”, percebe-se que o Judiciário tem competência legal para obrigar o Poder Executivo a implementar políticas públicas sempre que este for omisso no campo dos chamados “direitos sociais”. Nesse sentido, a discricionariedade do Executivo, a quem cabe a responsabilidade de zelar pela saúde de todos não é absoluta, uma vez que o acesso aos direitos sociais não é decisão de conveniência ou oportunidade, mas sim determinação constitucional-legal, gerando o dever de agir por parte do Administrador Público.
É preciso esclarecer que o Gestor Público não está administrando sua vida privada, onde pode praticar atos aleatoriamente, como se a prestação do serviço ao público fosse fruto de generosidade.
É extremamente lamentável que procedimentos administrativos dessa natureza ainda coadunem com a realidade da Administração Pública brasileira. Carecer, para a prestação de um serviço essencial com dignidade, da intervenção do Poder Judiciário é algo inimaginável! Esse mesmo Administrador não está apenas postergando o descompromisso político e social, mas é verdadeira falta de compromisso HUMANO – Solidariedade, Caridade, etc…
A omissão do Estado importa em flagrante violação ao direito fundamental à saúde e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. A saúde como um bem extraordinariamente relevante ao ser humano, é tutelado pela Constituição Federal. Assim, é dever inafastável do Estado (União, Estados e Municípios) empreender todos os esforços para a sua tutela sob pena de violação ao art. 196 da CF.
O Poder Judiciário, no exercício de sua alta e importante missão constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo, de qualquer esfera, o cumprimento da disposição que garante o direito à saúde, sob pena de compactuar com a piora da qualidade de vida de toda sociedade.
A judicialização de política pública, aqui compreendida como implementada pelo Poder Judiciário, é exigência da soberania popular, pelo exercício da cidadania, além de se harmonizar integralmente com a Constituição de 1988. O problema é que o Poder Executivo está permeado de ADMINISTRADORES HUMANOS, DEMASIADAMENTE DESUMANOS.
A concretização do texto constitucional não é dever apenas do Poder Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário. É certo que, em regra a implementação de política pública, é da alçada do Executivo e do Legislativo, todavia, na hipótese de injustificada omissão, o Judiciário deve e pode agir para forçar os outros poderes a cumprirem o dever constitucional que lhes é imposto. A mera alegação de prejuízo ao erário, destituída de qualquer comprovação objetiva, não é hábil a afastar o dever constitucional imposto de garantir o direito da criança e adolescente.
O Judiciário não só pode como deve proferir decisões que, embora interfiram no mérito administrativo, tenham por fundamento obrigar o administrador a cumprir os Princípios da Administração Pública.
O grande mestre Celso de Melo assim comenta:
“Nada há de surpreendente, então, em que o controle jurisdicional dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto, fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito.”
Coaduna DI PIETRO:
“não há invasão do mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário”
A necessidade de motivação e controle de todos os atos administrativos, de forma indiscriminada, principalmente, os em que a Administração dispõe da faculdade de avaliação de critérios de conveniência e oportunidade para praticá-los, isto é, os atos classificados como discricionários, é matéria que se encontra, atualmente, pacificada pela imensa maioria da doutrina e, fortuitamente, aos poucos acolhida na jurisprudência de maior vanguarda.
O controle dos atos administrativos, onde a Administração não dispõe de margem de liberdade para praticá-los, é obrigação cujo cumprimento não pode se abster o Judiciário, sob a alegação de respeito ao princípio da Separação dos Poderes, sob pena de denegação da prestação jurisdicional devida ao jurisdicionado.
A doutrina moderna tem convergido no entendimento de que é necessária e salutar a ampliação da área de atuação do Judiciário, tanto para coibir arbitrariedades em regra praticadas sob o escudo da assim chamada discricionariedade quanto para se conferir plena aplicação ao preceito constitucional segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, xxxv, CB/88).
O sistema que o direito é compreende princípios e regras. A vigente Constituição do Brasil consagrou, em seu art. 37, princípios que conformam a interpretação/aplicação das regras do sistema e, no campo das práticas encetadas pela Administração, garantem venha a ser efetivamente exercido pelo Poder Judiciário o seu controle.
Como a atividade da Administração é infralegal administrar é aplicar a lei de ofício, dizia Seabra Fagundes, a autoridade administrativa está vinculada pelo dever de motivar os seus atos. Assim, a análise e ponderação da motivação do ato administrativo informam o controle, pelo Poder Judiciário, da sua correção.
O Poder Judiciário vai à análise do mérito do ato administrativo, inclusive fazendo atuar as pautas da proporcionalidade e da razoabilidade, que não são princípios, mas sim critérios de aplicação do direito, ponderados no momento das normas de decisão. fato é que, nesse exame do mérito do ato, entre outros parâmetros de análise de que para tanto se vale, o Judiciário não apenas examina a proporção que marca a relação entre meios e fins do ato, mas também aquela que se manifesta na relação entre o ato e seus motivos, tal e qual declarados na motivação.
A atuação jurisdicional de investigação do ato administrativo está mais que respaldada.
O Autor requereu a condenação dos Réus na obrigação de fazer consistente em implantar, implementar e manter programas, ações e unidades de atenção exclusiva e específica a criança e adolescentes, como observância dos direitos fundamentais.
A polêmica em torno do papel do Judiciário na efetivação das políticas públicas exige do juiz novas funções. Não basta decidir, o juiz tem que gerir o processo e fiscalizar o cumprimento de suas decisões, podendo se servir de técnicos para isso.
Para a Professora Ada Pelegrini Grinover, o Poder Judiciário deve agir no sentido de implementar ou modificar uma política pública dentro dos limites da razoabilidade, da reserva do possível e oferecer o mínimo existencial, posição jurisprudencial firmada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Disse Ada que o Judiciário deve atuar no sentido de mandar incluir no orçamento previsão para determinada política pública com o controle necessário.
Caso o Legislativo não faça lei nesse sentido, ou o Executivo não dê efetividade à política pública, há uma série de sanções previstas em lei, sobretudo ao Executivo, como a aplicação de multas. Também há possibilidade de responsabilização por ato de improbidade administrativa e possível intervenção por descumprimento judicial.
Vivemos em um momento em que se avolumam decisões, sobretudo por ações civis para implementar políticas públicas sérias. Ada também afirmou que considera cedo estabelecer leis para dizer quais os limites da intervenção do Judiciário nas políticas e como operacionalizar soluções para esse tipo de problema. Criar leis nesse sentido, pode engessar ideias que ainda estão amadurecendo. Ela entende que os critérios devem continuar a ser definidos pelo Judiciário. Os tribunais estão no caminho certo.
A renomada Professora considera que, para a intervenção do Judiciário em política pública, ou para uma resposta imediata ao jurisdicionado sem que haja uma lei ou ato naquele sentido, é indispensável que se trate do mínimo existencial. Ela disse que a maioria das ações civis públicas decorre da inércia da administração, descomprometidas com políticas públicas que visem o benefício da população.
In casu, pode-se vislumbrar que a necessidade urgente de implementação do programa de proteção para as crianças e adolescentes, conforme se depreende da documentação acostada aos autos, que dá conta de que crianças e adolescentes estão se prostituindo e praticando diversos crimes para alimentar o vício das drogas.
Hodiernamente, o desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante omissão. A situação pode derivar de um comportamento ativo ou passivo do Poder Público, que se comporta em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados.
Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ounon praestare, resultará a omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
“A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Consoante já proclamou a Suprema Corte, o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Patente omissão do Poder Público Municipal de assegurar os meios de atuação do CMDCA, gerando o efetivo perigo de que, até decisão final, os direitos das crianças e dos adolescentes desta Cidade continuem sendo vilipendiados por insuficiência de recursos financeiros ao custeio de programas de atendimento, cuja obrigação de repasse está prevista na lei.
É dever do Município, consoante previsão legal, o repasse mensal de 0,5% da cota do FPM em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente como forma de aplicar em programas de proteção de combate às mais diversas situações de risco verificadas. Ocorre que, apesar de criado o Fundo e com conta bancária aberta, o Município não efetuou regularmente os repasses dos duodécimos, não ofertando os meios mínimos para o seu funcionamento.
São diversos projetos apresentados ao Conselho Municipal e que ficam inviabilizados pela insuficiência de receita.
O saudoso doutrinador Humberto Theodoro Jr., no seu livro Curso de Direito Processual Civil, ed II, pág. 558, nos ensina:“Para qualquer hipótese de tutela antecipada, o art. 273, caput, do CPC, impõe a observância de dois pressupostos genéricos: prova inequívoca e verossimilhança da alegação, por se tratar de medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, a lei condicionada a certas precauções de ordem probatória. Mais do que a simples aparência do direito (fumus boni jus) reclamada para as medidas cautelares exige lei que a antecipação de tutela esteja sempre fundada em prova inequívoca. E além dos pressupostos genéricos de natureza probatória, que o art. 273 do CPC condiciona o deferimento da tutela antecipada a dois outros requisitos, ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou então o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.
Em face da urgência da medida satisfativa, evidentemente não é possível ao Julgador o exame pleno do direito material invocado pelo interessado, até porque tal questão será analisada quando do julgamento do mérito da lide, restando a este, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma provável existência de um direito. No entanto, há de se presenciar a efetiva existência do bom direito invocado pelo Autor, posto que a decisão do Juiz não pode e não deve ser baseada nas frágeis argumentações.
Tutela Antecipada, como fruto de um conhecimento perfunctório, uma valoração provisória da pertinência da causa, exige um Juízo de Probabilidade Máxima para o seu deferimento.
Atualmente existem três sistemas que buscam compelir quem não cumpre a suaobrigação legal de fazer/não fazer in natura:
a) A Primeira, a Tutela Ressarcitória, oriunda do Direito Francês, que faz converter a inexecução culposa de obrigação em Perdas e Danos, o que é muito pouco e estéril, ainda constante do Código Civil. Resta de tudo mero ressarcimento…
b) A Segunda, também derivada do Direito Francês, nominada como Tutela Específica, em superação àquela primeira, elegeu a astreinte como meio de coerção, buscando o cumprimento da obrigação consoante foi contratada. O problema desta via é que, diante do chamado “inadimplemento absoluto”, que não permite a satisfação após o termo, ou a ausência de patrimônio do Devedor, a multa processual é inócua, por que gera mera Vitória Pírrica.
c) A Terceira via, que vem sendo paralelamente desenvolvida pelo Direito Germânico e Inglês(common law), já busca alternativas de coerção mais eficazes, diante do ato de Indignidade da pessoa obrigada, como o Sequestro em contas públicas, quando a inadimplência for do Poder Público; a constrição de 30% do Salário (margem consignável) de contumazes devedores particulares, relativizando o Princípio da Intangibilidade Salarial; ou até com a Prisão Civil, a exemplo do que acontece com a prestação de alimentos.
O comtempt of court do comom law, afasta a prisão imediata como meio de coerção, mas ordena o enquadramento do inadimplente em flagrante delito por Crime de Desobediência ou Desacato. Este deve ser o nosso futuro, para conferir Eficiência a ordem judicial, porque a resistência que este sistema ainda encontra no nosso Direito é ante a falta de tipo jurídico-penal específico, o que não obsta o enquadramento em qualquer daqueles genéricos.
Nesta seara, o novo Código Civil de 2002 é natimorto, porque ainda apegado à provecta Tutela Ressarcitória. O Código de Defesa do Consumidor elegeu a Tutela Específica como regra, a despeito do que contém o Art. 84. O Art. 461 do CPC copiou literalmente aquele versículo, transmudando a antiga e estéril Sentença Condenatória de Obrigação de Fazer em autêntica Sentença Executiva, passando o Poder Judiciário a ser responsável pelo cumprimento da decisão de mérito, municiando o Juiz com poderes no sentido de fazer cumprir a Tutela Definitiva deferida, sem que isto importe em arbítrio.
Dentro do invocado Art. 461 do CPC encontramos a estipulação de ofício pelo Magistrado de Preceito Cominatório, e a plena consagração do Poder Geral de Cautela, com medidas protetivas enumeradas enunciativamente.
A respeito do requerimento formulado na inicial, dispõe o artigo 4º, da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (com a redação conferida pela Lei nº 10.257/01):“Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos e valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.
A nova ordem Constitucional transmudou filosoficamente as características do Estado Contemporâneo Democrático, efetivando o: compromisso concreto com a Função Social; Caráter Intervencionista; e Ordem Jurídica Legítima com respeito à liberdade de participação.
Ocorreu o abandono conceitual do antigo ESTADO LIBERAL que era individualista, patrimonialista, ausente do controle das relações privadas; ausente no controle da família, valorizando a autonomia ampla da vontade e liberdade de contratar; respeitando irrestritamente a força obrigatória dos contratos; e fazendo sacrossanto o direito de propriedade privada.
A Transmudação para o ESTADO SOCIAL o fez pluralista; socialista; respeitador da dignidade da pessoa humana; passando a ter controle sobre as relações privadas; com limitação da autonomia da vontade; limitação da liberdade de contratar; observando a função social dos contratos; e a função social da propriedade privada.
O novo Estado Social-Intervencionista não reflete apenas na seara do direito material, mas provoca a mudança de postura do Poder Judiciário diante do Processo. Este deixa de ser apenas um mero instrumento de composição de litígios particulares e passa a ser um “instrumento de massas”.
Tal mudança de postura reflete na chamada jurisdição constitucional, que compreende, o controle judiciário da constitucionalidade das leis – e dos atos da Administração, bem como a denominada jurisdição constitucional das liberdades, com o uso dos remédios constitucionais processuais – habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, ação civil pública e ação popular.
Ante tudo, defiro a liminar para que seja determinado ao Município a obrigação de efetuar mensalmente o repasse de 0,5% do FPM em favor da conta do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Caixa Econômica Federal, agência 2998, conta 111- 4), no prazo de 10 dias, sob a cominação de bloqueio do valor correspondente, sem prejuízo de multa diária de R$ 1.000,00 por dia de atraso a ser paga pessoalmente pela Senhora Prefeita Municipal e pelo Secretário Municipal da Fazenda, que são os ordenadores dessa despesas, sem prejuízo do enquadramento no Crime de Desobediência.
Citem-se e Intimem-se.
Matéria originalmente postada no Caju News