Terminou na segunda-feira (23) o prazo de validade da medida provisória que regulamenta pontos da nova lei trabalhista, em vigor desde novembro do ano passado.
Medidas provisórias têm força de lei ao serem editadas pelo governo, mas deixam de vigorar se não forem votadas pelo Congresso dentro do prazo de validade. Como o Congresso não votou, as alterações que a MP introduziu não terão mais efeito.
Veja abaixo o ponto a ponto do que muda sem a medida provisória.
A medida provisória foi editada pelo Palácio do Planalto em novembro do ano passado, após negociações para que o texto da reforma trabalhista fosse aprovado com rapidez no Senado.
Um acordo articulado pelo líder do governo, senador Romero Jucá (MDB-RR), previu a edição pelo governo da MP, contendo as mudanças defendidas pelos senadores na reforma trabalhista.
Em troca, os senadores aprovaram o texto da reforma sem modificações, que, se fossem feitas naquele momento, exigiriam o retorno da proposta à Câmara para nova apreciação pelos deputados e atrasariam a entrada em vigor da nova lei.
Entre especialistas, há quem defenda que o Congresso aprove um decreto legislativo para determinar o que acontecerá com os contratos de trabalho firmados durante a vigência da MP.
O que deixa de valer
Entre as regras previstas na MP que deixam de valer, estão pontos relacionados ao trabalho intermitente, de gestantes e lactantes em locais insalubres, de autônomos, além de regras para jornada de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso.
Veja a seguir as regras que perdem validade e o que os especialistas dizem sobre cada uma:
Contratos anteriores à nova lei
Texto original da reforma – A reforma trabalhista não estabelecia que as novas regras valeriam para contratos firmados anteriores à entrada em vigor da lei.
Alteração feita pela MP – A medida provisória previa que a nova lei se aplicaria integralmente para contratos que já estavam vigentes. Esse trecho perde a validade.
Para Estêvão Mallet, a queda da MP não impede que algumas regras da nova lei trabalhista se apliquem aos contratos vigentes, desde que direitos adquiridos sejam respeitados.
“Podem até valer, mas ressalvados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, explicou.
O advogado Maximiliano Garcez, presidente da Associação Brasileira de Advogados e Advogadas Sindicais, diz que a retroatividade é “inconstitucional” e fere a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para o procurador do Ministério Público do Trabalho Paulo Joarês, sem a MP, o argumento de que as novas regras não valem para os contratos anteriores à lei “restará reforçado”.
“Se foi necessário editar uma MP dizendo que se aplicava aos contratos antigos, é porque, pela lei, não se aplicaria. Sem a MP haverá muita insegurança quanto a esse ponto, que realmente é polêmico e somente será definido quando os tribunais superiores firmarem uma posição”, afirmou.
“Se precisou de uma MP dizendo que se aplicava aos contratos antigos, é porque, pela lei, não deve se aplicar. Será preciso esperar os tribunais superiores adotarem uma posição”, afirmou.
Jornada de 12 por 36 horas
Texto original da reforma – A reforma trabalhista criou a possibilidade de jornadas de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso serem negociadas diretamente entre empregador e empregado por acordo individual escrito.
Alteração feita pela MP – A MP restringia essa possibilidade a empresas e trabalhadores do setor de saúde. Para as demais categorias, a medida exigia que a negociação fosse feita por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Segundo o advogado trabalhista Carlos Eduardo Cardoso, com a perda da validade da proposta, passa a valer a regra inicial.
“O que vale é o que está na reforma trabalhista – acordo individual e para qualquer setor. Agora, existe aí uma discussão jurídica sobre o cabimento da aplicação dessa regra geral porque contraria alguns argumentos relacionados à segurança do trabalho. Acredito que essa matéria ainda vai ser alvo de bastante discussão”, afirmou Cardoso.
Grávidas e lactantes
Texto original da reforma – A nova legislação também alterou regras para o trabalho de gestantes e lactantes em locais insalubres. A reforma determinou que, no caso de gestantes, o afastamento do local de trabalho só será obrigatório em casos de atividades com grau máximo de insalubridade. Em locais de insalubridade média e mínima, a lei permitiu o trabalho de grávidas, a não ser que sejam apresentados atestados médicos. Lactantes serão afastadas de atividades insalubres em qualquer grau se apresentarem atestado médico recomendando o afastamento no período.
Alteração feita pela MP – A MP estabelecia o afastamento da grávida de qualquer atividade insalubre enquanto durar a gestação – o padrão deixaria de ser a permissão para o trabalho e passaria a ser o afastamento. Mas o texto da medida provisória abria a possibilidade de a gestante trabalhar em locais de graus médio ou mínimo de insalubridade, desde que, voluntariamente, apresentasse atestado médico que autorizasse a atividade.
Antes da reforma trabalhista, as trabalhadoras grávidas eram obrigatoriamente afastadas de locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade.
No caso da lactante, tanto a reforma quanto a MP previam a necessidade do atestado para permitir o afastamento, sendo o trabalho da lactante autorizado inclusive no caso de atividades com insalubridade máxima.
Para o advogado trabalhista e professor da Fundação Getúlio Vargas Paulo Sérgio João, a MP era “desnecessária” nesse ponto, uma vez que, na avaliação dele, trata-se de uma questão de “bom senso” do empregador.
“Nenhum empregador em sã consciência vai permitir trabalho [de gestantes e lactantes] em local insalubre. Acho que a lei não forma cultura. Não é razoável, se a atividade é insalubre, que a empregada continue trabalhando. Isso vai se ajustar, as pessoas terão responsabilidade sobre seus atos”, opinou.
Para a advogada Ester Lemes, no entanto, a possibilidade de trabalho em local insalubre é “grave”.
“Sem a MP, as grávidas poderão ser dirigidas para qualquer local de trabalho, inclusive insalubres [de graus médio e mínimo]. Um ponto grave, porque, se ela se recusar, ela vai ser advertida? Vai ser suspensa? Vai ser demitida?”, questionou.
Maximiliano Garcez também criticou a mudança promovida pela lei, que chamou de “grotesca”.
“Essa questão das gestantes e lactantes é uma das questões mais grotescas, fere a dignidade da pessoa humana”, declarou.
Autônomo e exclusividade
Texto original da reforma – A reforma trabalhista criou a possibilidade de cláusula de exclusividade para a contratação de trabalhadores autônomos.
Alteração feita pela MP – A medida provisória proibiu a cláusula, mas, como vai perder a validade, a possibilidade de cláusula de exclusividade vai voltar a valer.
Na avaliação da advogada Ester Lemes, a exclusividade “cairá em desuso”. “É muito complicado, porque uma pessoa não pode ser exclusiva e não ter um vínculo. A partir do momento que é exclusivo, passa a ser subordinado à empresa”, opinou.
Para Estêvão Mallet, nesse ponto, a medida provisória era “desnecessária”. “Sem a MP, fica mais claro – pode haver exclusividade”, disse.
A nova lei trabalhista também prevê que o autônomo não tem a qualidade de empregado, mesmo que preste serviço a apenas uma empresa.
Dano extrapatrimonial
Texto original da reforma – A nova lei trabalhista estabeleceu critérios para reparos de danos morais, à honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e à integridade física. Pela texto aprovado da reforma, o pagamento de indenizações dessa natureza vai variar de 3 a 50 vezes o último salário recebido pelo trabalhador ofendido.
Alteração feita pela MP – A medida provisória mudava o padrão para o pagamento de indenizações. A proposta estabelecia que o valor poderia variar de 3 a 50 vezes o teto do benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – atualmente em R$ 5,6 mil. O valor, de acordo com a MP, variaria conforme a natureza da ofensa, de leve a gravíssima. Como a medida vai perder a vigência, a base de cálculo voltará a ser o último salário recebido pelo trabalhador ofendido.
Para a especialista Ester Lemes, o texto da MP era melhor nesse aspecto porque gerava menos distorções.
“Por exemplo: em uma empresa, temos um diretor que ganha R$ 10 mil e uma outra empregada que ganha R$ 2 mil. O diretor receberá uma indenização maior do que a empregada que recebeu o mesmo dano. Situações iguais com valores diferentes”, comparou.
Estevão Mallet concorda que o texto da MP era melhor, mas, para ele, o parâmetro deveria considerar uma série de fatores.
“Uma conjugação que levasse em conta o salário, a condição econômica, vários outros fatores, se há reincidência ou se não há reincidência, se é uma lesão que permite reparação ou não”, afirmou.
“Sem a MP, volta a regra antiga, que é ainda mais discriminatória, porque tarifa o dano moral apenas dos trabalhadores, além de vincular de maneira inaceitável o valor da indenização ao salário do trabalhador, impedindo a integral reparação àqueles que recebem salários baixos, o que é inconstitucional” , disse o procurador Paulo Joarês.
“É um absurdo. A MP realmente melhorava. Agora, quem ganha mais tem um valor de dignidade maior do que quem ganha menos”, criticou o advogado Paulo Sérgio João.
Representação dos empregados
Texto original da reforma – Pela reforma trabalhista, no caso de empresa com mais de 200 empregados, pode ser eleita uma comissão para representar o conjunto de trabalhadores em negociações com empregadores.
Alteração feita pela MP – A medida provisória assegurava que a comissão não substituiria a função do sindicato de defender os direitos e os interesses da categoria, o que reiterava a participação dos sindicatos em negociações coletivas de trabalho.
Carlos Eduardo Cardoso disse que a inclusão que a MP pretendia fazer era para agradar sindicalistas em troca de apoio à reforma, mas que, na prática, não produziria efeitos.
Estêvão Mallet lembra que a representação dos trabalhadores é uma prerrogativa dos sindicatos que está na Constituição. “A nova lei trabalhista não pode transferir essa representação para a comissão”, avaliou.
Trabalho intermitente
Texto original da reforma – A reforma trabalhista incluiu, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a modalidade de jornada intermitente, em que o trabalho não é contínuo e a carga horária não é fixa. Pela proposta, o empregador deverá convocar o empregado com pelo menos três dias de antecedência. A remuneração será definida por hora trabalhada e o valor não poderá ser inferior ao valor da hora aplicada no salário mínimo. O empregado terá um dia útil para responder ao chamado. Depois de aceita a oferta, o empregador ou o empregado que descumprir o contrato sem motivos justos terá de pagar à outra parte 50% da remuneração que seria devida.
Alteração feita pela MP – A MP excluiu a multa de 50% da remuneração em caso de descumprimento contratual. E estabeleceu que empregador e trabalhador intermitente poderiam fixar em contrato o formato da reparação no caso de cancelamento de serviço previamente agendado. Como a MP vai perder a validade, a multa voltará a existir. A MP também estabelecia que, até 31 de dezembro de 2020, o empregado demitido que foi registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de 18 meses a partir da data da demissão do empregado. Com a queda da MP, essa quarentena deixará de existir.
Para Estêvão Mallet, a multa é um “exagero” da reforma trabalhista. “É uma sanção muito exagerada e muito desproporcional, que a medida provisória eliminava”, declarou.
Apesar disso, ele acredita que, na prática, serão raras as vezes em que a cobrança da multa vai acontecer.
“Acho difícil que um empresário contrate um advogado, acione a Justiça para receber um valor irrisório da multa, por exemplo, R$ 80. Acho que a intenção do legislador era gerar um efeito pedagógico. Mas, na prática, se um trabalhador não aparecer para trabalhar, o que vai acontecer é que ele não será mais convocado por aquela empresa”, projetou.
Segundo Ester Lemes, a MP trazia uma “segurança maior” para os empregados porque a empresa não poderia demiti-los e contratá-los imediatamente como intermitentes. “Com a MP, tinha uma carência para recontratar de 18 meses. Agora, poderão demiti-los e contratar diretamente como intermitentes”, explicou.
Para o procurador Paulo Joarês, a possibilidade de pagar ao intermitente salário inferior ao mínimo mensal é inconstitucional. “Esse aspecto ficou sem regulamentação. É provável que o governo edite um decreto para tratar desse tema, além de tentar amenizar a perda de arrecadação pela atribuição de natureza indenizatória de muitas parcelas para os contratos em geral. Mas, naturalmente, o decreto não pode modificar a lei, apenas regulamentar sua aplicação”, explicou.
Decreto
Na última sexta-feira (20), a Casa Civil informou que o governo federal avalia regulamentar pontos da reforma trabalhista por meio de decreto, já que a medida provisória perderá a validade.
Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o governo não pretende no momento publicar uma nova MP para ajustar a reforma. “Não está em nossas previsões”, disse ao G1.
Segundo o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, um dos pontos que devem ser regulamentados pelo decreto é a jornada intermitente.
Enquanto isso, parlamentares contrários à reforma trabalhista preparam projetos para “preencher as lacunas legislativas” geradas pela nova lei.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que apresentará nesta terça-feira (24) um projeto de lei sobre o trabalho da empregada gestante e lactante em ambientes insalubres.
O senador Paulo Paim (PT-RS) também prepara projetos para modificar a nova lei trabalhista. “A medida provisória foi para inglês ver. O governo não tinha nenhum interesse em melhorar a legislação. Derrota para o trabalhador”, afirmou.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), tem dito que o Palácio do Planalto cumpriu a palavra e editou a medida provisória. Ele disse ainda que, se o texto da MP não prosperou no Congresso, a “responsabilidade” não era do governo.
Acompanhe também o SE Notícias no Twitter, Facebook e no Instagram
Com informações do G1 Brasília