Há dez dias, a ministra Cármen Lúcia tomou um susto. Acabara de participar de uma das sessões de julgamento do mensalão, no STF. Ao chegar no seu gabinete na presidência do TSE, deu de cara com um relatório espinhoso. Tratava de um episódio envolvendo o PP, Partido Progressista, uma das legendas que estão na berlinda do Supremo.
O texto submetido à análise de Cármen Lúcia informava que o Tribunal Superior Eleitoral aprovara sem ressalvas prestações de contas do PP que estavam apinhadas de irregularidades. Auditoria feita posteriormente pela Receita Federal revelara que as fraudes eram grosseiras. Resultaram em desvios de R$ 20,1 milhões. Dinheiro público do fundo partidário.
Por ordem de Cármen Lúcia, abriu-se no TSE uma comissão de sindicância. “Em face da grave conclusão do relatório”, a ministra quer saber se os técnicos do tribunal que recomendaram a aprovação das contas micadas do PP encobriram as fraudes dolosamente. Deve-se o relato do episódio ao repórter Andrei Meireles. Em notícia veiculada neste final de semana, ele esmiuçou o caso.
O buraco nas contas do PP foi aberto entre os anos de 2000 e 2005. Nessa época, a legenda era presidida pelo então deputado federal pernambucano Pedro Corrêa (na foto). Por mal dos pecados, é o mesmo personagem que o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, acaba de condenar em seu voto por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
Na sessão da última quinta (20), também o revisor Ricardo Lewandowski votou pela condenação de Pedro Corrêa por corrupção passiva. Absolveu-o da imputação de ‘lavagem’. Ainda não se pronunciou sobre o crime de ‘quadrilha’. No mensalão, o ex-presidente do PP é acusado de receber R$ 4,1 milhões em verbas sujas do esquema operado por Marcos Valério e Delúbio Soares. Quer dizer: os R$ 20,1 milhões desviados do fundo partidário representam cifra cinco vezes maior.
Os malfeitos foram farejados pela Receita Federal em 2007. Em auditoria feita por amostragem, o fisco varejou as contas de seis partidos. Fisgou na escrituração do PP documentos falsos e notas fiscais frias. Algumas delas emitidas por empresas fantasmas.
A coisa era tão grosseira que as notas de 28 empresas distintas apresentavam a caligrafia de uma mesma pessoa. Outras 34 notas emitidas por pseudoforneceres diferentes haviam sido preenchidas numa única máquina. Diante de indícios tão veementes, a Receita abriu, em novembro de 2007, uma representação fiscal contra Pedro Corrêa e dois ex-deputados que cuidaram da tesouraria do PP na época dos desvios: Benedito Domingos e Romel Anízio.
De resto, o fisco enviou seus achados à Polícia Federal, que requisitou informações ao TSE. Ali, auditores da Justiça Eleitoral puseram-se a reexaminar algo como 58 mil documentos anexados pelo PP às suas prestações de contas.
Afora a constatação de que o TSE aprovara contas malcheirosas, chegou-se a uma conclusão desalentadora: já não há como saber onde foi parar o grosso da verba desviada pelo PP. Como no caso do mensalão, boa parte da verba foi sacada na boca do caixa por sacadores não identificados.
Com a autoridade de presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia enviou o relatório da auditoria do tribunal à Polícia Federal, que havia solicitado as informações. Remeteu o relatório também ao Tribunal de Contas da União. Tenta-se agora impor sanções aos responsáveis pelo descalabro.
Assim como no escândalo do mensalão, bezuntado com verbas desviadas de contratos firmados com entes do Estado, o dinheiro do fundo partidário é público. Sai do bolso do contribuinte e vai à caixa dos partidos para custear despesas correntes -do aluguel de escritórios ao salário dos funcionários. Neste ano de 2012, o fundo vai custar ao Tesouro R$ 324 milhões.
Os defensores do financiamento público das campanhas eleitorais costumam dizer que só a proibição das doações privadas terá o condão de tornar as eleições brasileiras imunes a fraudes. A julgar pela cegueira do TSE e pelo modo como vem sendo gerido o dinheiro destinado a financiar o funcionamento dos partidos, a tese é mais uma dessas balelas pendentes de comprovação.