Fraudes, desfalques, sonegação de impostos, desvios de recursos públicos… Crimes que não envolvem violência, mas causam revolta e afetam o contribuinte sergipano com o que deixa de ser investido em saúde, educação e outros serviços, passaram a ser combatidos com mais força pela Polícia Civil, com a criação do Departamento de Crimes contra a Ordem Tributária e Administração Pública (Deotap). Ele surgiu em junho de 2009, a partir da fusão da antiga Delegacia de Crimes contra a Ordem Tributária (Deot) com o Núcleo de Combate a Crimes contra a Administração Pública (Nuccap) – então ligado ao Centro de Operações Policiais Especiais (Cope).
Desde então, ele se dedica a um trabalho de investigação que, além da prisão de sonegadores, permitiu a recuperação de aproximadamente R$ 200 milhões em impostos sonegados ou desviados dos cofres públicos. Entre 2009 e 2013, foram realizadas 14 operações e centenas de inquéritos policiais para apurar crimes financeiros – 49 envolvidos em tais crimes foram presos. Algumas operações ganharam grande repercussão midiática, como a “João de Barro”, em agosto de 2009, que resultou na prisão de contadores e empresários envolvidos em um esquema de sonegação criado para beneficiar firmas de construção civil, as quais repassavam as dívidas de impostos para empresas ‘fantasmas’ e causavam um prejuízo milionário.
O impacto positivo foi imediato, a começar pelos débitos das empresas que foram pagos. “As construtoras pagaram, foram arrecadados cerca de R$ 50 milhões na época. Eles discutiam juridicamente e diziam que não eram responsáveis. E depois que a gente prendeu, descobriu tudo, todos pagaram o que deviam”, explica a delegada Danielle Garcia Soares, diretora do Deotap. O valor recuperado é quase igual aos R$ 48 milhões investidos na época pelo Governo de Sergipe na recuperação de mais de 110 quilômetros de rodovias que cruzam a região norte do Estado.
Ela acrescenta que, como resultado, o departamento passou a ser procurado por órgãos como a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), o Ministério Público Estadual (MPE), a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Controladoria Geral do Estado (CGE). “A demanda começou a crescer demais, e de forma muito rápida, porque os Ministérios Públicos começaram a mandar coisa pra gente, processos de crimes contra a administração pública, problemas em prefeituras, fraudes em licitações… e essa parte começou a ganhar corpo”, afirma a delegada.
Desses contatos, surgiram parcerias importantes para fortalecer o combate aos crimes financeiros. Um dos principais é o “Programa de Defesa da Ordem Tributária”, firmado em junho de 2012 por meio de uma parceria firmada entre SSP, Sefaz, MPE, CGE e PGE. O programa aperfeiçoa o apoio técnico, a troca de informações e a articulação entre os órgãos responsáveis pela fiscalização tributária estadual, consultoria, representação judicial, funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais. Para o governador Marcelo Déda, que assinou o termo, o pacto resultou em uma soma de forças para a proteção do Erário e o combate aos crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas. “Para que, com isso, possamos melhorar a receita do Estado, contribuindo para superar as dificuldades que temos encontrado ao longo das duas crises financeiras. Pois o contribuinte que paga impostos precisa ser prestigiado e aquele que tenta evadir ou driblar a Lei para não pagar impostos, tem agora uma estrutura montada para que se cumpra a Constituição, para que a cidadania seja respeitada”, explicou Déda, na ocasião.
A Deotap também estabeleceu, individualmente, outros acordos e parcerias de atuação com estes órgãos de controle e fiscalização, incluindo também os tribunais de Contas da União (TCU) e do Estado (TCE). Isto permite que auditores e promotores forneçam informações importantes para os inquéritos e, inclusive, que processos de cobrança de impostos devidos considerados como “créditos perdidos” sejam remetidos ao Deotap pela Sefaz e pela PGE, como uma espécie de último recurso para recuperar o crédito, ou mesmo para apurar alguma suspeita de que a situação esconda um crime contra o Erário, entre os quais, a formação de “empresas fantasmas” para esconder os débitos.
A delegada Nadja Flausino Vitolo, integrante do Deotap desde sua criação, dá um exemplo disso e acredita que, muitas vezes, a simples possibilidade de prisão ou investigação policial faz com que muitos grandes devedores se apressem a acertar as contas com o Fisco estadual. O caso citado ocorreu em abril de 2013, quando sua equipe foi acionada pela PGE para investigar uma grande empresa farmacêutica que recebeu incentivos fiscais do Programa Sergipano de Desenvolvimento Industrial (PSDI), mas não construiu nenhuma fábrica, rendendo um prejuízo de quase R$ 100 milhões aos cofres públicos.
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A polícia descobriu que, na verdade, a firma enviava a matéria prima para Sergipe e, depois que as notas fiscais fossem carimbadas, ela era mandada de volta para a fábrica da empresa, em São Paulo. “Foi instaurado um inquérito por crime tributário contra essa empresa farmacêutica. Ela devia, e tinha crime configurado. Assim que o inquérito foi instaurado, começamos a ouvir as pessoas e a empresa foi notificada. Duas semanas depois, ela pagou o débito, que era um crédito perdido. A empresa já estava sendo cobrada pela Procuradoria do Estado e o caso estava em fase de recursos nos tribunais superiores”, lembrou ela, acrescentando que foi procurada imediatamente pelos advogados da empresa assim que o inquérito foi instaurado. Resultado: o acordo esperado e um pagamento de outros R$ 50 milhões em impostos.
O trabalho da polícia é reconhecido pelos órgãos de controle do Estado, que definem a parceria como estratégica. “O trabalho feito entre CGE e a SSP vem produzindo resultados significativos, pois vem protegendo a sociedade sergipana. Alguns inquéritos já estão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para fins de apreciação e julgamento. Outros trabalhos produzidos pela Deotap vêm alimentando as ações da CGE no tocante às orientações passadas aos gestores a respeito de ação em defesa ao patrimônio público do Estado de Sergipe”, diz o controlador-geral do Estado, Adinelson Alves.
Combate ao crime organizado
A atuação do Deotap não se restringe apenas aos chamados “crimes de colarinho branco”. Algumas investigações realizadas em parceria com outras unidades da Polícia Civil atingiram diretamente a movimentação financeira de atividades ligadas ao crime organizado. Entre elas, está a “Operação Safari”, realizada no mês de janeiro de 2010, em conjunto com a Delegacia Regional de Itabaiana. Juntas, elas apreenderam mais de R$ 1 milhão em dinheiro e bens, ao desbaratar um esquema de “jogo do bicho” que movimentava milhões de reais em todo o estado, envolvendo empresários e contraventores da região Agreste.
Outra operação neste sentido foi a “Imperatriz”, em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal, em Cristinápolis, que prendeu, em maio de 2010, 17 envolvidos em uma quadrilha de roubo de cargas que agia na BR-101, provocando acidentes com caminhões para tomar-lhes as mercadorias. Os envolvidos causavam um prejuízo estimado em R$ 1 milhão aos cofres públicos e, por isso, foram autuados pelos crimes de roubo, furto, receptação e formação de quadrilha. Em todas estas ações, os bens e valores ilegais foram colocados à disposição da Justiça.
Laboratório financeiro
O trabalho do Deotap continuará tendo o apoio da SSP e receberá mais um apoio importante em 2014: o Laboratório de Tecnologia Contra a Corrupção e a Lavagem de Dinheiro, que será doado ao Estado de Sergipe pelo Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Esta é uma das iniciativas do programa Brasil Mais Seguro, implantado em julho deste ano. A unidade será ligada à Divisão de Inteligência e Planejamento Policial (Dipol) e usada pelas polícias Civil e Federal para apurar crimes relacionados a crimes financeiros e atividades de grandes quadrilhas organizadas.
Este recurso permitirá a análise de documentos, cruzamento de informações e rastreamento de bens e de contas bancárias, a fim de detectar o uso do dinheiro ilegal em bens e negócios lícitos. “O laboratório terá um investimento em torno de R$ 2 milhões e consiste em um espaço físico dotado de um conjunto de hardwares e softwares habilitados a realizar o cruzamento de dados financeiros de um suspeito, com autorização da Justiça, a fim de verificar a origem daqueles recursos e sua efetiva aplicação na economia” explicou Danielle.
Também serão usados dados qualificados dos órgãos de controle, como a Receita Federal, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), o TCU e a Controladoria Geral da União (CGU), entre outros.“Este laboratório estará pronto para funcionar em março de 2014 e deixará Sergipe dotado de modernos equipamentos essenciais que serão utilizados no enfrentamento às organizações criminosas”, explicou Fagundes. “É isso que vai melhorar a segurança pública do país. Rio de Janeiro e São Paulo hoje enfrentam o crime organizado com mais força. Não basta prender os criminosos é preciso quebrar seu braço financeiro”, elogia o diretor da Coordenadoria Geral de Inteligência do Ministério da Justiça, André Fagundes Mendes.
Da SSP/SE