POR EDUARDO MILITÃO E RODOLFO TORRES/CONGRESSO EM FOCO
Em ofício assinado pela presidenta Dilma Rousseff, AGU considera o perdão bilionário a filantrópicas feito pelo governo como legal. Ministério Público contesta “legalidade temporária” da MP rejeitada pelo Congresso.
Para tentar reverter a isenção generalizada de impostos para 7,4 mil entidades filantrópicas beneficiadas pelo curto tempo de existência da Medida Provisória 446, o Ministério Público Federal foi ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro relator, Ricardo Lewandowski, pediu esclarecimentos à presidenta Dilma Rousseff, que os enviou no mês passado. Neles, os servidores da Advocacia Geral da União (AGU) sustentam que são válidos os certificados de isenção de imposto concedidos enquanto a MP esteve em vigor. A afirmação está em documentos obtidos pelo Congresso em Foco e que compõem a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 265.
Em novembro de 2008, a MP foi publicada pelo governo Lula. Como mostrou este site, ela acabou por perdoar R$ 2,145 bilhões em impostos de entidades que não comprovaram prestar serviços sociais compatíveis com o benefício fiscal, como atendimentos gratuitos. A norma foi rejeitada pelo Congresso em fevereiro de 2009 por não ser considerada urgente e relevante.
Ainda assim, 7,4 mil instituições renovaram seu Cebas, o passaporte para isenção de tributos, sob o argumento de que poderiam se valer da MP enquanto ela ainda estava em vigor. Tiveram uma ajuda da Advocacia Geral da União, que baixou uma portaria em 2009 com essa mesma interpretação. O governo Dilma ainda acredita que isso é correto até. Na resposta enviada a Lewandowski, Dilma e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reafirmaram essa possibilidade de as instituições aproveitarem a breve existência da medida provisória.
Depois da reportagem do Congresso em Foco, em dezembro de 2008, o Ministério Público foi à Justiça pedir o cancelamento dos Cebas renovados automaticamente. Em liminar, o juiz da 13ª Vara Federal de Brasília, Paulo César Lopes, determinou que Receita Federal cobrasse todos os impostos das entidades que estavam com os certificados sob suspeita até a publicação da Medida Provisória 446. Os procuradores da República deveriam apresentar lista com as instituições filantrópicas. Mas em maio do no ano passado, o Ministério Público desistiu da ação e o processo foi extinto.
Anistia a fraudadores
Na mesma data, porém, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, e a subprocuradora-geral Débora Duprat ingressaram no STF com a ADPF 265. Eles pediam que a espécie de “legalidade temporária” da medida provisória rejeitada e da portaria da AGU fossem consideradas nulas. Assim, entendem que os impostos poderiam voltar a ser cobrados pela Receita.
Gurgel e Duprat disseram que as instituições eram suspeitas de fraude e, mesmo assim, foram beneficiadas. “Parece fora de discussão a reprovação moral que cai sobre anistia concedida a entidades suspeitas de fraude”, disseram na ação.
Lewandowski pediu informações a Dilma. Em resposta, a presidenta encaminhou no mês passado uma nota do advogado da União João Gustavo Seixas. Ele afirma que “a MP 446/2008 (…) persistia regulando as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados ao longo do tempo em que vigeu”.
Seixas disse que, apesar das críticas do Ministério Público e de técnicos da Receita Federal, a posse dos certificados de assistência social não garante “imposto zero” às entidades. Segundo o advogado da AGU, há outras exigências, como a ausência de remuneração de diretores e distribuição de lucros. A medida provisória não teria impedido a Receita de fiscalizar essas exigências e cobrar impostos em casos de fraudes. “É incorreto afirmar que os artigos (…) da MP 446 /2008 implicaram a concessão de imunidade tributária de forma indiscriminada”, disse Seixas.
O argumento dele é questionado por auditores da Receita ouvidos pelo site. De acordo com eles, a exigências de não remunerar diretores são as mesmas para se obter o Cebas. E, com a renovação dos certificados, o Leão ficou amordaçado em exigir qualquer imposto das filantrópicas anistiadas.