A MRV Engenharia, uma das principais empreiteiras do país, está sendo obrigada a pagar R$ 6,72 milhões por infrações que incluem o flagrante de 63 trabalhadores em condições análogas às de escravo nas obras de um condomínio residencial em Americana, interior de São Paulo, em fevereiro de 2011. A construção, que estava sendo executada por uma empresa terceirizada, recebeu financiamento do programa federal “Minha Casa, Minha Vida”. A decisão, de primeira instância, é da juíza do Trabalho Natália Scassiotta Neves Antoniassi e, à ela, cabe recurso.
De acordo com a sentença, do valor total a que a MRV foi condenada, R$ 4 milhões são por danos morais resultantes do uso de mão de obra escrava. A empresa também terá que pagar R$ 100 mil por dificultar o andamento do processo e da fiscalização.
Além disso, outros R$ 2,62 milhões são decorrentes da multa pelo descumprimento de uma liminar deferida em janeiro de 2012. A decisão responsabilizou a MRV por diversas irregularidades com relação à segurança e saúde do trabalho, além de outras obrigações trabalhistas em duas obras em Americana. A empresa recebeu um prazo de 30 dias para regularizar a situação. Como não o fez, passou a pagar multa de R$ 10 mil por dia. Em novembro de 2012, uma perícia comprovou que a regularização dos problemas apontados pela liminar havia sido feita.
Em nota à imprensa, a MRV declarou que a terceirização de mão de obra é um tema “controverso” e que a empresa já obteve “ganho de causa em processos similares”. Ela informou ainda que está “negociando a assinatura de Acordo sobre Terceirização com o MPT [Ministério Público do Trabalho]” e que deve recorrer da decisão, ao mesmo tempo em que “dará continuidade às negociações com o MPT”.
Através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, os bancos públicos Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil financiam casas para famílias com renda mensal de até R$ 5 mil. Na sentença, a juíza considerou “no mínimo irônico imaginar que trabalhadores análogos a escravos financiam a moradia de casas populares e que o Estado efetua regiamente os pagamentos referentes a esses contratos”. Além disso, a juíza também autorizou que o Ministério Público do Trabalho envie ofício ao Ministério das Cidades e às Superintendências Regionais e Nacionais da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil para que se tome ciência da decisão. “O numerário público não pode, mesmo por via indireta, sustentar a manutenção de trabalho escravo”, argumentou.
Trabalho escravo – Além desse caso, a MRV foi flagrada em outras três ocasiões se beneficiando com trabalho escravo. Em 2011, três meses depois do flagrante em Americana, cinco trabalhadores foram libertados em obra da empresa Bauru, também no interior de São Paulo. No mesmo ano, uma fiscalização em Curitiba (PR) flagrou 11 empregados em condições análogas às de escravo. Em abril deste ano, a construtora foi denunciada mais uma vez por manter seis trabalhadores nessas condições em Contagem, zona metropolitana de Belo Horizonte (MG). No período, a empresa foi incluída por duas ocasiões na “lista suja” do trabalho escravo, mas conseguiu, através de liminar na Justiça, sua retirada.
Na decisão em que determinou o pagamento de R$ 6,7 milhões pela MRV Engenharia, a juíza do trabalho Natália Scassiotta Neves Antoniassi disse ser “frustrante saber que em pleno século XXI tramita pelo Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional visando a extinção do trabalho escravo – a PEC 438/2001”. “Há 12 anos essa PEC sequer foi votada por nossos representantes das casas legislativas, e o principal motivo são os empecilhos colocados pela bancada ruralista, categoria que, segundo relatório da OIT sobre trabalho escravo, é a que mais adota essa prática”, disse. A PEC prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas onde tenha sido flagrado trabalho escravo contemporâneo e o seu destino à reforma agrária ou ao uso social urbano.
Histórico – A MRV foi incluída na “lista suja” do trabalho escravo pela primeira vez em 31 de julho de 2012 por conta dos flagrantes nas obras dos condomínios Parque Borghesi, em Bauru, e Residencial Beach Park, em Americana. Às 10h18 do dia 01 de agosto, as ações da MRV chegaram a cair 6,18% na Bolsa de Valores de São Paulo. Depois recuperaram-se um pouco e fecharam em queda de 3,86%. Quando ela obteve decisão liminar favorável e deixou a relação, suas ações recuperaram-se.
Em dezembro, a empresa foi novamente inserida nesse cadastro de empregadores flagrados explorando pessoas em situação análoga a de escravos, mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O motivo foi o flagrante na construção do edifício Cosmopolitan, em Curitiba (PR).
A “lista suja” tem sido um dos principais instrumentos no combate a esse crime, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do nome do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista por determinação do Conselho Monetário Nacional. Quem é nela inserido também é submetido a restrições comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte dos cerca de 400 signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – que representam 30% do PIB brasileiro.
O avanço no setor de construção de habitação popular garantiu o crescimento e conquistas. A empresa terminou 2011 como a construtora com maior lucro das Américas, segundo a Economatica, e alcançou o posto de terceira maior construtora brasileira no ranking da ITC, ambas consultorias empresariais que fazem levantamentos sobre o setor. De olho em novos investimentos do governo federal em programas de moradia, o presidente e fundador da MRV, Rubens Menin Teixeira de Souza, defendeu a revisão de valores do programa Minha Casa Minha Vida. Rubens é um dos seis brasileiros incluídos, em 2012, na lista de bilionários organizado revista Forbes.
A ascensão da MRV, porém, tem sido marcada por percalços. Além dos flagrantes de escravidão, a empresa enfrenta questionamentos também relacionados ao que o Ministério Público do Trabalho classifica como exploração irregular sistemática de mão de obra nos canteiros. No primeiro semestre o MPT fez representação inédita acusando a empresa de “dumping social” à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) solicitando abertura de um procedimento administrativo para apuração do conjunto de infrações que envolvem a empresa no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A reportagem é de Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil, com informações do Blog de Sakamoto