O Ministério Público de Sergipe ajuizou, no dia 28 de fevereiro, uma Ação Civil Pública por improbidade administrativa contra o ex-prefeito do município de São Cristóvão (a 25 Km de Aracaju), Alexsander Oliveira de Andrade (Alex Rocha).
Confira abaixo a íntegra da decisão.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por intermédio de seu representante que oficia junto à Promotoria de Justiça Especial de São Cristóvão/SE, no uso de suas atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 37, § 4º e 129, inciso III da Constituição Federal, no artigo 118, inciso III da Constituição do Estado de Sergipe, nas Leis Federais 8.429, de 02 de junho de 1992, 7.347, de 24 de julho de 1985, 8.625 de 12 de fevereiro de 1993, art. 25, incisos IV alíneas “a” e “b” e VIII, da Lei Complementar Estadual N.º 02, de 12 de novembro de 1990, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em em face de ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, brasileiro, casado, maior, exprefeito municipal, CPF 591.177.965-04, residente e domiciliado na Rua Messias Prado, 79, São Cristóvão/SE, pelos fáticos e jurídicos a seguir delineados:
I – DOS FATOS
Após inúmeros servidores municipais procurarem esta Promotoria de Justiça relatando o atraso no pagamento de seus salários, foi instaurado o Inquérito Civil
MINISTÉRIO PÚBLICO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE
Promotoria de Justiça Especial de São Cristóvão
n.º 24.13.01.0001 com o desiderato de se apurar a conduta de Alexsander Oliveira de Andrade, gestor municipal de São Cristóvão até 31 de dezembro passado, ora demandado. Com efeito, mesmo após se comprometer durante audiência (ACP 201283001470) a regularizar o pagamento dos salários atrasados dos servidores, acordo homologado através de sentença, Alexsander Oliveira de Andrade, sem apresentar qualquer justificativa para tanto, quedou-se inerte, não pagando os salários dos servidores municipais do mês de dezembro de 2012 bem como o 13º salário, instando o Parquet a buscar a execução do aludido acordo.
De outra banda, a srª Rivanda Farias de Oliveira, novel gestora, empossada em 1º de janeiro do corrente, apresentou a esta Promotoria de Justiça relatório, anexo, dando conta de que, em que pese tenha o Município recebido regularmente verbas no mês de dezembro, o pagamento dos salários não foi realizado porquanto o demandado não empenhou tais salários, não representando dívida municipal, em ato desrespeitoso aos servidores.
Ademais, verifica-se que o Sr. ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, ora requerido, no exercício da função pública de Prefeito Municipal de São Cristóvão, era responsável pela gestão da folha de pagamento e, de forma injustificável, atrasou e/ou reteve verbas remuneratórias de servidores públicos, revelando grave ineficiência funcional e desídia no trato da coisa pública.
Assim, a condução irresponsável da Administração Pública causadora de perniciosas consequências aos administrados não pode ser vista como “mera desorganização” ou “falta de habilidade” do gestor público, configurando verdadeira prática de improbidade administrativa, emergindo sempre que o administrador, através de atos ou omissões ilegais, realize gestão pública com grave ineficiência e deslealdade institucional, dentre outras possíveis inobservâncias aos deveres subjacentes à legalidade e demais princípios que regem a Administração.
II – DO DIREITO
Inicialmente, cumpre ressaltar que o ato de improbidade administrativa para acarretar a aplicação das sanções previstas no art. 37, § 4º, da Lex Maxima e art. 12 da Lei 8.429/92 exige a presença dos seguintes requisitos: a) sujeito ativo; b) sujeito passivo; c) ato danoso consistente em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou atentado contra os princípios da administração pública; e e) dolo ou culpa do sujeito ativo. É comum confundir ato de improbidade administrativa com ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, pressuposto básico da ação popular. O conceito de improbidade é bem mais amplo. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, mau caráter, falta de probidade.
Assim, conceitua-se o ato de improbidade administrativa como sendo aquele praticado por agente público, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercêlas, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, ou seja, aquele ato que indica falta de honradez e de retidão de conduta no modo de proceder perante a administração pública direta ou indireta, nas três esferas políticas, independentemente de dano patrimonial ao erário público.
Aliás, o ilustre Alexandre de Moraes, in Direito Constitucional Administrativo, 1ª edição, Ed. Atlas, 2002, pág. 320, conceitua atos de improbidade administrativa como sendo, in verbis:
“…aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem
direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública,
independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo
material ao erário público”.
A Constituição Federal inseriu disposições para prevenir e reprimir os atos de improbidade. A propósito, prescreve o art. 37 da Constituição Federal, verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: …”.
No § 4º, o legislador constituinte predefiniu as penalidades cabíveis ao dispor.
“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Segundo a Lei 8.429/92, improbidade administrativa comporta claramente três modalidades. Os artigos 9º, 10 e 11 definem respectivamente os atos de improbidade administrativa que importam no enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário e que atentam contra os princípios da administração pública.
Por sua vez, para ocorrer o ato de improbidade administrativa é necessária a ocorrência de um dos atos danosos previstos nos arts. 9º, 10 e 11, quais sejam, atos de improbidade administrativa que importam no enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário, e que atentam contra os princípios da administração pública, independentemente de dano patrimonial ao erário público. Assim, deve haver ao menos um prejuízo moral à Administração Pública.
Ao demandado, investido na função de Prefeito de São Cristóvão, incumbia a gestão do patrimônio público e o respeito pelos servidores, devendo evitar condutas omissivas que contrariassem as normas constitucionais que regulamentam a Administração Pública, o que não ocorreu no presente caso.
MINISTÉRIO PÚBLICO
Em consequência, o demandado, sendo agente público, atentou contra os Princípios da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal, notadamente os da LEGALIDADE, MORALIDADE, MOTIVAÇÃO e PROBIDADE ADMINISTRATIVA, ao atrasar, sem qualquer justificativa plausível, o salário dos servidores da Prefeitura Municipal de São Cristóvão. Sobre o não-pagamento de salários como forma de atentado aos princípios da Administração, ora transcrevo texto de Martha Figueiredo (FIGUEIREDO, Martha Carvalho Dias de. Violação ao princípio da legalidade e aos deveres de lealdade institucional e ineficiência funcional. Configuração de ato de improbidade administrativa.
Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2434, 1 mar. 2010 . Disponível em:
. Acesso em: 21 fev. 2013.):
Realidade comum em grande parte dos municípios brasileiros é o contínuo e injustificado atraso ou retenção de pagamento da remuneração dos funcionários públicos, mesmo havendo regular execução da receita orçamentária, o que viola aos princípios da legalidade e dos deveres de lealdade institucional e eficiência administrativa. De fato, o não pagamento regular da remuneração dos servidores municipais ou a retenção de verbas salariais, mesmo quando o ente público recebe, pontualmente, os repasses federais e estaduais de verbas públicas e recolhe regularmente as receitas próprias, sem apresentação de anormalidades imprevisíveis nas circunstâncias fáticas subjacentes, é conduta que visivelmente viola os princípios regentes da atividade administrativa. Esse comportamento consubstancia grave ineficiência funcional que em muito supera a mera “desorganização” ou “falta de habilidade” para gerir a comuna, uma vez que, assim agindo, o gestor público estará tomando decisões no âmbito administrativo – a exemplo do pagamento de outros credores em detrimento do pagamento da remuneracão do funcionalismo público, na melhor das hipóteses cogitáveis – que importam sua responsabilização pelas conseqüências a serem suportadas pelos administrados. Pagar outras despesas em detrimento do salário – verba alimentar – dos servidores ou dar fim diverso aos recursos públicos destinados a tal finalidade primária é ato de decisão do administrador público que não autoriza simplesmente atribuir os atrasos ou retenções praticadas ao “fortuito”, “força maior”, “ausência de recursos” ou “mera desorganização”. Diga-se, ademais, não ser possível ao gestor optar – de forma reiterada e por meses consecutivos – por realizar despesas outras sempre precedentes em ordem de preferência ao pagamento da remuneração dos servidores, pois que tais verbas possuem indubitável natureza alimentar que não enseja campo para o exercício da discricionariedade administrativa. A contraprestação da mão de obra ofertada por funcionários públicos está no patamar primário de importância das despesas realizadas pelo ente público, ao lado dos gastos despendidos para manutenção da saúde pública, e tal prescinde de disposição expressa de lei: além de decorrer do princípio constitucional basilar do ordenamento jurídico brasileiro – dignidade da pessoa humana – trata-se de conclusão a que chega, instintivamente, qualquer ser humano, ou seja, primeiro a necessidade de sobreviver, e daí a imprescindibilidade e primazia de satisfazer às carências alimentares e de saúde física e psíquica em detrimento das demais. Tal conduta – quanto mais quando perpetrada de forma reiterada,contumaz e injustificada – caracteriza, sim, ato de improbidade administrativa que fere, mortalmente, a legalidade e os deveres de lealdade institucional e eficiência funcional, pois que, a um só tempo, desrespeita o gestor público as normas legais, o devido zelo na administração da coisa pública e o dever de boa administração, ou seja, de proporcionar o funcionamento regular, organizado, produtivo e eficaz do ente público.
Tal posicionamento já fora, inclusive, adotado pelo Egrégio STJ:
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE – EXPREFEITO – CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES MUNICIPAIS SOB O REGIME EXCEPCIONAL TEMPORÁRIO – INEXISTÊNCIA DE ATOS TENDENTES À REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO DURANTE TODO O MANDATO – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE.
(…)
2. Para a configuração do ato de improbidade não se exige que tenha havido dano ou prejuízo material, restando alcançados os danos imateriais. (…)
4. Diante das Leis de Improbidade e de Responsabilidade Fiscal, inexiste espaço para o administrador “desorganizado”e “despreparado”, não se podendo conceber que um Prefeito assuma a administração de um Município sem a observância das mais comezinhas regras de direito público(…)
5. Recurso especial conhecido em parte e, no mérito, improvido. (STJ – REsp 708170 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2004/0171187-2 – Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 19.12.2005 p. 355)
Ademais, a retenção ou atraso reiterados e injustificáveis da remuneração e demais verbas salariais dos servidores municipais configura retardo ou omissão indevidos da prática de ato de ofício, subsumindo-se não só ao caput do art. 11, da Lei 8.429/92, como também ao seu inciso II. Acerca da materialização do dispositivo citado leciona Fábio Medina Osório: “(…)
Na concretização do tipo legal em exame, basta que, sem qualquer justificação razoável, o agente retarde ou omita a prática de atos de ofício, segundo a lei, vulnerando dispositivos que incidem na espécie. Os deveres públicos relacionados com as funções não podem ser desprezados sem justificação, donde surge a razão de ser da norma repressora. A ausência de justificação, em realidade, é encarada como odioso capricho do administrador público, de tal forma que incide a respectiva censura ao seu comportamento, observadas as cautelas pertinentes no tocante ao ônus probatório e aos direitos defensivos.
(…)
Toda e qualquer omissão, em realidade, sem justificativa razoável, pode ensejar responsabilidades, mormente quando seus efeitos são deletérios no setor público e suas causas injustificáveis.
(…)
Está claro que, no marco do tipo sancionador examinado, a tese defensiva ficará centrada na ausência de dolo e na falta de previsão de ilícito culposo. Diga-se, no entanto, que o fardo probatório é do acusado, desde que, sendo provado que tinha o dever de atuar, e oportunamente alertado, ainda assim permaneceu omisso.”
Nesse diapasão, vislumbra-se que o atraso no pagamento dos salários dos servidores ofendeu os princípios da lealdade, da legalidade, da eficiência e da moralidade, enquadrando-se tal conduta no art. 11, da Lei 8.429/92, sobretudo em seu inciso II.
Ante a prática de tal conduta omissiva no mundo dos fatos, conforme se deu na forma acima narrada, nada mais natural que seja o demandado punido com a norma sancionatória contida no comando do art. 12, inciso III, da Lei 8.429/92.
III – DO PEDIDO
Isto posto, e ante aos argumentos expedidos, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE requer:
A notificação do requerido para, querendo e no prazo de Lei previsto no artigo 17, § 7º, da Lei N.º 8.429/92, oferecer manifestação prévia por escrito;
Seja a inicial recebida, com a citação do demandado dos termos da presente ação para, querendo e no prazo de lei, contestá-la, sob pena de revelia e confissão ficta (artigos 285, 297 e 319, do Código de Processo Civil);
Ao final, seja julgada a presente ação PROCEDENTE, ao efeito de condenar ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE nas sanções do art. 12, inciso III, da Lei 8.429/92, em decorrência da prática de ato de improbidade administrativa, conforme apurado nos autos do Procedimento de Inquérito Civil, que acompanha a presente;
Protesta e requer comprovar o alegado pela produção de todo gênero de provas admitidas em Direito.
Requer a condenação do réu aos ônus da sucumbência.
Dá-se á causa o valor de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais).
Nestes termos, Pede e espera deferimento.
São Cristóvão, 28 de fevereiro de 2012.
Antonio Forte de Souza Junior
Promotor de Justiça