Por Cássia Santana*
Apesar da Secretaria de Estado da Segurança Público (SSP) classificar como crime de latrocínio [roubo seguido de morte] ainda se questiona a motivação do assassinato do delegado de polícia civil Ademir Melo, morto a tiro no início da noite do dia 18 de julho do ano passado no bairro Luzia, em Aracaju. O promotor de justiça Rogério Ferreira, que atua no processo em tramitação na 5ª Vara Criminal, considera incompleto o inquérito policial concluído pela Secretaria de Estado da Segurança Pública e cobra, entre outras diligências, a íntegra das imagens da cena do crime capturadas por câmeras de segurança instaladas nos dois condomínios existentes nas proximidades onde o crime ocorreu. A informação é da jornalista Cássia Santana do portal Infonet.
O promotor não tem dúvida que as câmeras capturaram imagens precisas, e de frente, da cena do crime. Mas estas imagens não foram incluídas no inquérito policial. Segundo o promotor, estas imagens já foram solicitadas pelo Poder Judiciário e até o momento a Secretaria de Segurança Pública não atendeu ao pedido do magistrado e também do próprio MPE. “Eu estou citando apenas um item, mas não é somente este item de prova que está faltando”, comenta.
Nas oportunidades que atendeu às determinações judiciais, segundo o promotor, a SSP apenas enviou as mesmas imagens que já estão anexadas ao processo. “O crime foi gravado integralmente por câmeras de segurança de condomínios circunvizinhos e o Ministério Público não tem estas imagens porque a polícia não encaminhou”, disse o promotor. “Não é verdade que a polícia encaminhou, se a Secretaria da Segurança tivesse encaminhado não havia vários ofícios pedindo estas imagens”, destacou.
Segundo o promotor, há filmagens com duas horas de duração, com imagens capturas momentos antes, durante e após a ação criminosa. Mas foram anexadas ao processo apenas 19 segundos de uma única filmagem que foca o crime, além de outras imagens, com até duas horas de duração, mas de outras câmeras. “Da cena do crime, só tem 19 segundos. O Ministério Público gostaria e quer ter acesso ao antes e ao depois dessa fração de tempo porque isso é relevante para demonstrar a dinâmica dos fatos”, comentou o promotor.
Há testemunha que revela, em depoimento prestado na primeira audiência da instrução penal realizada no Fórum, ter visualizado a própria presença dela nas imagens produzidas pelo condomínio em frente e que estas imagens teriam sido apresentadas a ela pela autoridade policial durante a fase da investigação e estas imagens, segundo o promotor, não foram anexadas pela SSP ao processo. “A polícia não pode dizer que não tem estas imagens porque estas imagens foram usadas na Delegacia para oitiva da testemunha”, reage o promotor. “Na audiência judicial, a testemunha diz ‘eu me vi nas imagens apresentadas pelo delegado de polícia’ e estas imagens não estão nos autos”, garante o promotor.
Além disso, o promotor revelou que o Ministério Público solicitou outras diligências, em requerimento enviado à Secretaria de Estado da Segurança Pública no mês de agosto do ano passado, e que até o momento não foram atendidas pela SSP. Ele prefere não detalhar os pedidos para não atrapalhar o andamento da instrução penal. Entre as solicitações formalizadas em agosto do ano passado, estão a requisição das imagens capturadas por câmeras de segurança privadas.
E estas imagens, capturadas apenas pelas câmeras de segurança do condomínio onde a vítima residia, só foram enviadas ao Judiciário em abril deste ano, apesar da solicitação ter ocorrido em agosto do ano passado, conforme o promotor. Está faltando anexar ao processo as imagens capturadas por outras câmeras, instaladas em outros dois condomínios localizados em frente ao local onde o delegado foi assassinado, conforme observações do promotor Rogério Ferreira. Para o promotor, estas filmagens focam momento do crime.
Estas pendências, segundo o promotor, podem atrasar o andamento do processo. “O processo tem tempo de maturação e nós não podemos ficar com o processo caminhando ad aeternum [expressão latina que significa eternamente]”, diz. “O acusado está preso desde o ano passado, não está contribuindo para atrasar a marcha processual, sequer indicou testemunha de defesa, não há pedido de habeas corpus, não há manifestação de revogação de prisão preventiva e nós precisamos concluir o processo. Como podemos fazer a audiência de instrução sem estes elementos da prova, que precisam ser confrontados com testemunhas? Como podemos ouvir o acusado, se vários itens da prova ainda estão em poder da polícia?”, questiona. “Esse atraso pode gerar excesso de prazo e excesso de prazo culmina com liberdade do réu”, observa. “O processo não anda, enquanto a Secretaria de Segurança Pública não encaminhar tudo que ele teve acesso”, avalia.
Latrocínio?
O promotor de justiça Rogério Ferreira explica que, no momento da denúncia, o Ministério Público não concordou com a tese da polícia civil, ao classificar como latrocínio, que é um crime de natureza patrimonial. Ele não tem convicção do que aconteceu, mas observa que as evidências e o próprio depoimento prestado pelo acusado, ao confessar a autoria do crime durante a fase de investigação, descartam esta probabilidade. “A vítima estava portando, na hora do crime, uma carteira de dinheiro, um relógio de pulso no braço direito, dois telefones celulares, uma arma de fogo, além de estar com o seu animal de estimação e nenhum destes itens foi subtraído da vítima”, destaca Rogério.
O promotor observa ainda que não há no inquérito policial indicação de testemunha que tenha presenciado ou ouvido algum diálogo entre o acusado e a vítima, de forma que se possa assegurar, com convicção, de que se tratava de uma abordagem. “Ou seja, ninguém comprova que ali foi iniciado um crime de roubo”, destaca o promotor. “O que há são testemunhas que presenciaram o fato de longe”, observa.
O promotor também destaca trecho do depoimento do acusado prestado durante a investigação, descartando esta possibilidade. “O próprio acusado disse que parou para atender a uma ligação telefônica e que. quando parou para atender a ligação telefônica, foi abordado pela vítima, de arma em punho, e que ele fez tão somente reagir à abordagem da vítima. Portanto, alega o acusado que agiu em legítima defesa. São situações que vão ser esclarecidas ao longo da instrução processual”, ressaltou.
Em nota enviada à redação do Portal Infonet, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública informa que as imagens, que a autoridade policial conduziu a investigação classificou como importantes na investigação, foram enviadas ao Ministério Público. “Na fase da ação penal, o Ministério Público pode discordar da decisão [a conclusão pela linha de crime de latrocínio – matar para roubar], mas as provas técnicas produzidas no inquérito foram devidamente encaminhadas ao Ministério Público”, diz a nota.
Mas o promotor rebate estas explicações. “Não é correto que a Secretaria de Segurança diga que encaminhou todas as imagens, não é verdadeira esta informação”, diz Rogério Ferreira. E também questiona o fato da SSP ter encaminhado apenas imagens que classificou como importante. Para o promotor, o delegado de polícia não tem a competência de “fazer juízo de conveniência” em torno das provas que surgem durante a investigação. “Quem vai valorar a prova, nesta fase, primeiro é o promotor de justiça, o advogado de defesa e o próprio magistrado que vai, ao final, sentenciar o feito”, explica. E para assegurar uma análise rigorosa para se chegar à convicção do que efetivamente ocorreu “tudo que foi produzido no inquérito policial tem que estar dentro do processo”.
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Matéria postada originalmente pela jornalista Cássia Santana, do portal Infonet