Decano da corte e autor de alguns dos mais ilustres votos contra mensaleiros condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello tem mencionado durante o julgamento um tema que permeia discussões reservadas entre os integrantes do tribunal: a validade de projetos aprovados pelo Congresso Nacional em votações que a Justiça ratificou terem sido feitas mediante pagamentos a parlamentares.
Para o ministro Celso de Mello, o caso deve ser enfrentado pelo Supremo na esteira do julgamento do mensalão. Ele compara a validade das reformas aprovadas, como a da Previdência Social, à legalidade de sentenças proferidas por juízes que tenham recebido propina. “É o mesmo que ocorre com um juiz corrupto, no qual suas sentenças podem ser anuladas mesmo que estejam em trânsito julgado”, disse.
A tese, embora praticamente impossível de ser aceita pelo tribunal, é de que não teriam validade as leis aprovadas por meio de fraude ou, no caso do mensalão, durante o período em que circularam recursos para a compra de parlamentares. Na linha de frente das leis estariam as reformas previdenciária e tributária. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) e o Psol, por exemplo, já se articulam para, no fim do julgamento do mensalão, ingressarem com ações diretas de inconstitucionalidade contra a reforma da Previdência Social, embora a chance de sucesso seja praticamente nula.
Embora considere a “gravidade” da situação em que leis foram aprovadas em um cenário de corrupção, o ministro Gilmar Mendes avalia que “as razões que levaram o legislador a elaborar determinado diploma, inclusive com a existência de fraude, suborno ou corrupção, constituem matérias completamente fora do controle do Judiciário”. Por isso, não caberia ao STF anular votações ocorridas há quase uma década.
Durante o julgamento do mensalão, também os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Rosa Weber já manifestaram entendimento de que não cabe discutir a validade de textos como o reforma da Previdência, mesmo com a legislação tendo sido aprovada com votos de deputados mensaleiros. “Esse risco de anulação o Brasil não vai sofrer”, resumiu Luiz Fux.
Inviável – Os advogados que atuam no julgamento do mensalão também não acreditam que votações ocorridas em meio à distribuição de propina no Congresso possam ser canceladas por decisão da suprema corte. “Politicamente é impossível anular a reforma da Previdência. Como vai se retroagir? É mais ou menos fazer a gema voltar para a casca”, diz o advogado Luiz Fernando Pacheco, responsável pela defesa do ex-presidente do PT, José Genoino.
“É muito difícil anular uma emenda constitucional por causa disso porque não se sabe exatamente quem votou a favor e quem votou contra. Não disseram que todo mundo que votou a favor estava com o voto maculado”, avalia o advogado Piepaolo Bottini.
“É absolutamente impossível de anular. Ainda que se tenha comprado um ou dois parlamentares, isso não configurou maioria. Essa reforma não foi decidida por dois votos, três votos”, afirma o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. “Uma ADI contra a reforma da Previdência é só para fazer barulho político. Não tem nenhum sentido”, completa.
Não é novo o questionamento sobre a validade de leis aprovadas em meio a fraudes. Na Constituição de 1988, por exemplo, foram inseridas emendas que não cumpriram todo o trâmite de votações no Congresso, situação que poderia atestar a ilegalidade desses dispositivos. Entre os trechos constitucionais que não tiveram votação completa está o direito de décimo-terceiro salário e de pagamento de férias a militares, por exemplo. Nem por isso, porém, a categoria é atualmente excluída desses benefícios.
Laryssa Borges – Veja