O caso chegou à secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República que emitiu nota em que afirma que as práticas estão protegidas pela constituição
Amanhã, 14, às 10h, no Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de São Cristóvão, no Fórum José Gonçalo Rollemberg Leite( Campus UFS) será julgada a Ação Penal contra o professor Rivaldino Santos, pai de santo, pertencente à religiosidade de Matriz Africana (candomblé). O vizinho do pai de santo fez a denúncia sob a alegação de maus tratos a animais e perturbação do sossego público. Ao tomar conhecimento do processo, Rivaldino procurou a Ouvidoria Estadual dos Direitos Humanos e da Cidadania solicitando, por meio do Ouvidor Elito Vasconcelos, apoio na defesa da liberdade religiosa e pleno exercício do culto afrodescendente. O pai de Santo garante que está sendo vítima de Intolerância Religiosa.
Siga o SE Notícias no Twitter e curta no Facebook
O caso chegou à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da presidência da República, que por sua vez emitiu nota sobre o caso. Terreiros de candomblé realizarão amanhã, às 9h em frente ao Fórum da UFS um ato de protesto em defesa ao culto das religiões de matrizes africanas.
De acordo com Rivaldino, há uma articulação para a criação de uma igreja católica na comunidade, e as testemunhas do denunciante, que também são policiais estariam à frente da mobilização para essa construção. “É muito claro que este é um caso de Intolerância Religiosa por vários motivos. Primeiro, o denunciante afirma que perturbo o sossego alheio, mas ele mesmo coloca o som do carro muito alto, o que prova a postura contraditória dele; Depois fala de maus tratos aos animais, acontece que tenho oito cachorros que crio com cuidado e amor, ele se refere à prática denominada imolação, um dia antes do ritual, compro o animal, ele não convive comigo. O toque do tambor e a imolação são os pilares, a base da prática religiosa. É totalmente contraditório e claro que estou sendo vítima de intolerância religiosa”, argumenta o pai de santo.
Para o Ouvidor Estadual dos Direitos Humanos, Elito Vasconcelos é preciso compreender a prática religiosa, que tem uma legislação específica e é protegida constitucionalmente. “É preciso haver uma maior compreensão e conscientização cultural dos membros dos vários segmentos da sociedade (Executivo, Judiciário, Ministério Público, etc), para que saibam conduzir esses processos sabendo diferenciar o que é a perturbação do sossego e maus tratos aos animais da prática do ritual religioso. Os rituais do candomblé, da umbanda e outras práticas da religiosidade de matriz africana são amparados pela Carta Magna e legislações ordinárias. Não podemos permitir que em pleno século XXI a prática de Intolerância Religiosa pela sociedade que se camuflam em justificativas como a do senhor autor do processo”, explica o Ouvidor.
A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, através da Ouvidoria dos Direitos Humanos e da Cidadania vem acompanhando vários casos desta natureza, inclusive, com fechamento de terreiros de umbanda e candomblé pela Justiça. Confira a nota emitida pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da presidência da República sobre o caso:
NOTA DA SECRETARIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL/ SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA COMUNIDADES TRADICIONAIS
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, SEPPIR/PR, ciente do processo nº 201383500735, em curso perante o Juizado Especial Cível e Criminal de São Cristóvão-SE, no qual é réu o senhor Rivaldino Santos, denunciado com base no art. 42, I e III da Lei das Contravenções Penais (Lei 3.688/1941); e no art. 32, caput, da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605/1998), apresenta o quanto segue:
VEDAÇÃO DE EMBARAÇO ÀS PRÁTICAS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA – As práticas tradicionais de matriz africana, como expressão de religiosidade e manifestação cultural de povos e comunidades tradicionais, encontram-se protegidas pelas seguintes normas:
a) Constituição Federal, cujo art. 5º, VI, estabelece a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e à sua liturgia. No mesmo sentido, o art. 19, I veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança.
b) Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada em 1989, instrumento internacional vinculante e supralegal, do qual o Brasil é signatário, que trata especificamente dos direitos dos povos tradicionais, cujo art. 5º estatui o dever de reconhecimento, na aplicação da Convenção, dos valores e práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais dos povos e comunidades tradicionais.
c) Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 2005, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 485, de 20 de dezembro de 2006.
AUSÊNCIA DE MAUS-TRATOS A ANIMAIS – A sacralização de animais é parte essencial das práticas tradicionais de matriz africana, de modo que se encontra protegida pelo conjunto normativo anteriormente exposto, constituindo a sua criminalização um constrangimento à renúncia de crença, em clara transgressão aos direitos fundamentais. Ao se exigir a supressão total de um direito fundamental em detrimento de outro, afronta-se o princípio hermenêutico da concordância prática ou da harmonização, que impõe a coordenação dos bens jurídicos em conflito, de maneira a evitar a anulação total de um em função do outro. A melhor interpretação, portanto, exclui a sacralização do tipo do art. 32 da lei nº. 9.605/1998: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Ao analisar mais detidamente a norma, é possível distinguir quais ações foram objetivadas pelo legislador. “Abuso” se trata, literalmente, da prática que ultrapassa o uso regular, referindo-se, portanto, à utilização econômica do animal, ausente no caso em questão por sua natureza ritual. Tampouco há que se falar em “maus-tratos”, uma vez que os ritos pertinentes ao abate de animais de pequeno porte em práticas tradicionais de matriz africana exigem que a sacralização ocorra sem violência ou crueldade contra o animal, o que exclui a prática enunciada no tipo. Por fim, ressalte-se que a legislação tem o cuidado de não incluir a ação de “matar animal” entre ações típicas enunciadas pela norma.
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – Raciocínio idêntico é aplicável quanto à utilização da voz e de sinais sonoros, aspecto que está longe de ser exclusivo das práticas tradicionais de matriz africana, encontrando-se presente na generalidade das manifestações deste tipo nas diversas culturas. O enquadramento da manifestação sonora no tipo do art. 42 da Lei das Contravenções Penais significaria, de fato, a inviabilidade da prática tradicional, não cabendo, portanto, entre as hipóteses do tipo.
CONCLUSÃO. Conclui-se, portanto, que os fatos discutidos no processo em comento não configuram ilícito penal, uma vez que se encontram protegidos explicitamente por normas constitucionais e pela aplicação dos princípios consagrados de hermenêutica constitucional.
Silvany Euclênio Silva
Secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais
SECOMT/SEPPIR/PR