Jonas Oliveira, de Londres – Veja
Para os brasileiros, a capital britânica é exemplo ainda melhor que as mecas das duas rodas, como Amsterdã – afinal, a metrópole também teve de se adaptar a uma nova realidade, com uma presença maior de ciclistas nas vias
Nos restaurantes de Londres, não é raro ouvir a expressão “go Dutch” no momento em que a conta chega à mesa. A referência é ao habito holandês de sempre dividir as despesas por igual, independentemente de sexo. Recentemente, no entanto, o termo ganhou outra conotação na capital inglesa. “Go Dutch” é a expressão utilizada pela ONG London Cycling Campaign para descrever o tipo de políticas públicas que os ciclistas querem para a metrópole. Comparada às cidades holandesas, Londres está muito longe de ser uma cidade amigável para quem se desloca sobre duas rodas – e por isso mesmo pode servir de exemplo para as cidades brasileiras, onde alcançar o índice de uso da bicicleta em Amsterdã por ora não passa de utopia. “É claro que quando você compara Londres a algumas cidades europeias, não vamos bem. O número de pessoas que utiliza a bicicleta é bem menor, e a razão é porque elas têm medo. A diferença é que, em Londres, na maior parte do tempo você tem que dividir a rua com os carros, enquanto na maioria das cidades da Holanda ou Dinamarca você tem ciclovias”, diz Mike Cavennet, diretor de comunicação da London Cycling Campaign.
Pedalar em Londres pode ser uma aventura para um ciclista holandês, mas para um brasileiro parece um verdadeiro paraíso. Além de haver mais ciclovias e sinalização para os ciclistas, na maior parte da cidade carros e bicicletas dividem o mesmo espaço. A diferença fundamental está na maneira como os veículos, de maneira geral, tratam a bicicleta como parte do trânsito – e não como corpos estranhos, como no Brasil. Basta notar que na capital inglesa os ciclistas podem (e são encorajados a) utilizar a faixa exclusiva dos ônibus, como opção mais segura, enquanto nas cidades brasileiras não seria algo aconselhável. O sistema público de aluguel de bicicletas, lançado em 2010, tem se mostrado um verdadeiro sucesso. O relevo da cidade, plano em sua maior parte, também contribui.
Além de melhorar a infraestrutura das ruas para torná-las mais seguras aos ciclistas, é igualmente necessário investir em educação. O Código de Trânsito Brasileiro já contempla de maneira bem abrangente os ciclistas, deixando claro que eles têm direitos e deveres, mas o fato de que a lei raramente é aplicada inibe muitos ciclistas de utilizarem a bicicleta como transporte, e não apenas como lazer. “Eu diria que o mais urgente é a educação. A infraestrutura também é um problema, mas a educação seria a maneira mais rápida de dar uma resposta ao problema e dar início à mudança. De nada adianta você melhorar a infraestrutura se as pessoas não estiverem preparadas”, diz o advogado Rafael Monteiro de Oliveira, 32 anos, que há dois anos utiliza a bicicleta como meio de transporte em São Paulo. Desde 2011 ele é instrutor do grupo Bike Anjo, que oferece treinamento a ciclistas que querem aprender a pedalar de maneira segura em cidades de todo o país. “O primeiro passo é educar motoristas e ciclistas. O motorista deve entender que a bicicleta não é um brinquedo ou forma de lazer, e sim um meio de transporte, que deve ser respeitado como tal. E o ciclista precisa saber que também deve cumprir as leis do trânsito, respeitar a sinalização e dar prioridade ao pedestres”, diz.
Um estudo feito em 2010 pela Transport for London – órgão responsável pelo transporte na capital inglesa – mostrou que em cerca de um quarto dos acidentes envolvendo bicicletas e outros veículos naquele ano a responsabilidade podia ser atribuída aos ciclistas, por erros como falta de cuidado. Em apenas 5% dos casos os acidentes foram causados porque os ciclistas infringiram alguma lei de trânsito – como avançar um semáforo, por exemplo. Nas cidades brasileiras, a falta de vias adequadas e a agressividade do trânsito também faz com que muitos ciclistas deixem de cumprir o que a lei prevê – como utilizar a calçada somente quando esta for adaptada ao uso de bicicletas, por exemplo, para não colocar em risco os pedestres. Trafegar pela contramão ou falar ao celular enquanto se pedala, por exemplo, são atitudes tão perigosas para o ciclista quanto para quem o faz atrás de um volante.
Para Cavennet, uma cidade que quer se tornar mais amigável para os ciclistas precisa criar um ciclo virtuoso: é preciso segurança para que mais gente aceite trocar o carro pelo pedal, mas também é preciso mais ciclistas para que a cidade se torne mais segura para eles. “Quanto mais gente pedalando entre seus amigos e familiares, melhor. Quanto menos ciclistas você conhece ou vê nas ruas, mais ‘motorcêntrica’ tende a ser a cultura”, diz. Os motoristas brasileiros podem ainda não estar habituados, mas as bicicletas chegaram para ficar – e, se motoristas e ciclistas aprenderem a se respeitar, podem ser úteis para ajudar a forjar a cultura de um transito mais seguro. “Não se trata de ser uma cidade apenas amigável apenas para bicicletas, mas também para pedestres. Trata-se de sempre proteger quem é mais frágil”, diz Cavennet.
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