O prefeito de São Cristóvão, Alex Rocha, foi condenado pelo Ministério Público do Estado de Sergipe (MPE) por improbidade administrativa. A sentença foi divulgada nesta quarta-feira (16), mas a decisão ainda cabe recurso.
Processo nº : 201183001309
Autor : Ministério Público do Estado de Sergipe
Réu: Alexsander Oliveira de Andrade
“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem caráter, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”
Confira abaixo a decisão.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por seu Promotor de Justiça, propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de ALEXSANDER OLIVEIRA DE ANDRADE, conhecido e qualificado na exordial, por acusação de prática de Ato Administrativo considerado como de Improbidade, aduzindo que, a partir de “denúncia” encaminhada pelo Sindicato dos Servidores Públicos de São Cristóvão, informando a contratação irregular de servidores públicos temporários para exercerem a função de Vigilante, em descompasso com a legislação vigorante. Durante o Inquérito Civil, solicitou os referidos contratos temporários dos vigilantes, tendo então constatado a contratação de diversas pessoas sem a realização de concurso público, para exercerem atuarem como Vigilantes, contrariando a disposição constitucional. Asseverou que, a função de Vigilante não pode subsistir como contratação temporária pelo Poder Público, por ser de caráter permanente, e por inexistir excepcional interesse. Assim, requereu a condenação do Réu nas penas previstas no inciso III, Art. 12, da Lei 8.429/92. Juntou documentos, fls. 08/312.
Às fls. 313, foi determinada a notificação do Réu.
Notificado, fls. 315-v, o Réu apresentou defesa prévia, fls. 316/328, alegando que, ao assumir a administração do Município, teve que realizar a contratação de servidores como Vigilantes, sob pena dos prédios públicos ficarem sem segurança patrimonial. Até mesmo as seguranças das instalações dos Fóruns Prof. Gonçalo Rollemberg Leite e Gilson Góes Soares, são feitas por servidores contratados temporariamente. Ressaltou que a contração temporária teve o condão de possibilitar a manutenção das atividades básicas, até o preenchimento definitivo por concurso público, que se encontraria em andamento. Quanto ao ato, alegou, em suma, inexistência de improbidade administrativa, ante ausência de elemento subjetivo “dolo”, má-fé e de dano ao erário. Requereu a rejeição da Ação.
Às fls. 330/333, o MPE refutou os argumentos da defesa prévia, afirmando que, para o recebimento do libelo, basta a demonstração de indícios razoáveis da conduta violadora. Pugnou pelo recebimento da petição inicial e citação do Réu.
Às fls. 334, foi recebida a inicial e determinada a citação do Réu.
Citado, fls. 336, o Réu apresentou contestação, fls. 338/350, alegando que, ao assumir a administração do Município, teve que realizar a contratação de servidores como Vigilantes, sob pena dos prédios públicos ficarem sem segurança patrimonial. Asseverou que, até mesmo as seguranças dos Fórum Prof. Gonçalo Rollemberg Leite e Gilson Góes Soares, são feitas por servidores municipais contratados temporariamente. A contração temporária teve o condão de possibilitar a manutenção das atividades básicas, até o preenchimento definitivo por concurso público, que se encontra em andamento. Quanto ao ato, alegou, em suma, inexistência de ato de improbidade administrativa, ante ausência de elemento subjetivo “dolo”, má-fé e de dano ao erário.
Às fls. 352, o MPE requereu o julgamento antecipado.
Eis o breve relato. DECIDO.
O caso em testilha trata de Ação Civil Pública tendo por objeto a apuração de atos considerados como de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo MPE, visando a condenação do Réu Alexsander Oliveira de Andrade, por acusação de ter contratado servidores sem concurso, para ocupar o cargo de Vigilante, em desconformidade com a Constituição Federal e a Lei 8.429/92, ofendendo aos Princípios da Administração Pública.
Evidenciada a legitimidade do parquet estadual para a propositura desta demanda, no exercício de suas nobilíssimas atividades, já que o art. 129, III, da Constituição Federal disciplina, como uma das funções institucionais do Ministério Público, promover a Ação Civil Pública, visando a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, e de outros interesses difusos e coletivos.
Vislumbro a desnecessidade de instrução do feito, visto que a matéria agitada é de fácil apreciação, embora composta por elementos de fato e de direito. Os aspectos fáticos iniciam-se pelo exame da documentação acostada em sua fase regular, não havendo necessidade de produção de prova oral em audiência, ensejando a possibilidade de julgamento antecipado da lide, encaixando o pedido autoral no inciso I do art. 330 do Diploma Processual Civil.
Após a fase postulatória, o Juiz deve observar detidamente a questão. Sentindo-se suficientemente convencido dos fatos expostos pelas partes e observando não carecerem de produção de provas, deverá antecipar o julgamento da demanda. Da mesma forma agirá quando as provas documentais anexadas aos autos pelo autor o levarem ao exaurimento da cognição acerca dos fatos expostos.
A Jurisprudência é assente:
“(…)1. O julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC), não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória. (Precedentes). 2. O art. 131, do CPC consagra o princípio da persuasão racional, valendo-se o magistrado do seu livre convencimento, que utiliza-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto, rejeitando diligências que delongam o julgamento desnecessariamente. Trata-se de remédio processual que conspira a favor do princípio da celeridade do processo.(…)”(AgRg no REsp 417830 / DF; AGREsp 2002/0019750-3 Ministro LUIZ FUX T1 – PRIMEIRA TURMA DJ 17.02.2003 p. 228)
Apenas para impedir eventuais motivações recursais quanto à prescindibilidade de audiência instrutória, esclareço que a prova em juízo deve se prender a fatos Pertinentes, Necessários e Relevantes à formação da convicção do Juiz. A análise daquilo que seja “ponto controvertido” a ser demonstrado quando da audiência de instrução e julgamento passa pela existência de “fato” que seja “dependente de prova oral”. Não se pode conceber que haja fato controverso quando este faz dissipar dúvida por prova documental ou pericial. A audiência instrutória, apesar de ser corolário do Principio do Contraditório e da Ampla Defesa, não deve ser utilizada como instrumento de postergação de feitos ou satisfação pessoal da parte de ser ouvido pelo Juiz. Tal ato deve ser utilizado apenas para a colheita de prova oral imprescindível ao julgamento.
Os pontos dependentes de prova oral também não podem advir de avaliações subjetivas. O Testemunho compromissado ou descompromissado se prende a FATOS, e não a roupagem jurídica do fato.
Consoante dispõe o art. 400 do CPC: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso”.
O Direito à Prova é componente inafastável dos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, portanto ressalta-se que o problema não pode ser tratado apenas pelo ângulo infraconstitucional, como mero Ônus da Prova, segundo o Art. 333 do CPC. É necessário proceder à exame minucioso do ponto de vista das garantias constitucionais ao instrumento efetivo e adequado à solução das controvérsias, dotando de efetividade suficiente assegurada ao titular do interesse juridicamente tutelado em sede material e processual.
A regra é da possibilidade da parte se valer de qualquer fonte ou meio de prova, desde que legal e moralmente legítimo, segundo rege o Art. 332 do CPC. Estes são os Limites da Prova. O meio e a produção da prova, portanto, como espécies da garantia constitucional do Direito à Prova da qual é gênero, inserida no setor constitucional de forma efetiva, dá-lhe segurança jurídica e é considerado válido pelo Juiz.
A moderna compreensão do instituto jurídico da Prova apenas pela categoria do Ônus probatório, é eminentemente negativa, porque atribui a cada uma das partes a possibilidade de agir em juízo, que é acompanhada dos riscos inerentes às incertezas ocasionadas quando os fatos não forem satisfatória e integralmente demonstrados.
Percebe-se a necessidade da reformulação do ônus da prova processual, a fim de que o Processo seja concebido como um instrumento mais eficiente para a atuação do direito material, e para conseguir pacificar, com justiça, os conflitos de interesses.
O cerceamento de defesa se caracteriza, também, quando a parte vier a sofrer um prejuízo manifesto ou um gravame decorrente da indevida transgressão do seu lídimo direito constitucional à Prova, bastando que determinado meio de prova se mostre pertinente, relevante, admissível e útil para a decisão.
O preceptivo constitucional é revelador do DIREITO À PROVA, como elemento constitutivo do Direito Subjetivo do cidadão, resguardado pela Lei fundamental, como Garantia Individual.
Hodiernamente, quando se fala genericamente em Prova Testemunhal se refere a Testemunhas Compromissadas e Não Compromissadas.
A Prova Oral se faz por inquirição de pessoas em juízo, submetidas sempre ao Princípio do Contraditório, que é a que se produz ou se forma pelo depoimento ou declaração das testemunhas, em sentido genérico. Consiste na exposição fática de fatos conhecidos de viso ou de oitiva, pelas pessoas indicadas pelas partes ou pelo juízo, e que vêm ao processo para atestar a existência ou inexistência de eventos para o julgamento da controvérsia.
São chamadas as pessoas conhecedoras de fatos relevantes para o julgamento da ação.
Testemunhar (do latim testari) significa afirmar, mostrar atestado. Testemunhar, em juízo, é atestar a existência de um fato relevante para o julgamento da lide.
Testemunha – na palavra de João Monteiro – é a pessoa, capaz e estranha ao feito, chamada a juízo para depor o que sabe sobre o fato litigioso.
Deste conceito, Moacyr Amaral Santos extraiu os elementos característicos da testemunha: a) é uma pessoa física; b) é uma pessoa estranha ao feito; c) é uma pessoa que deve saber do fato litigioso; d) a pessoa deve ser chamada a depor em juízo; e) a pessoa deve ser capaz de depor. (Teoria do Processo Civil, 1956, Editor Borsoi, Rio, Tomo II, p. 487. 190 Ob. e vol. cits., p. 396. Da Prova Testemunhal)
O relato feito pela testemunha chama-se depoimento, e nele não pode ela dar opinião sobre questão de direito ou interpretar texto legal. O objeto da prova testemunhal é, pois, o fato da causa.
A pessoa a depor, embora convidada pelas partes, na verdade o é pelo juízo. Se a demonstração dos fatos em juízo é uma Garantia conferida pela Magna Carta ao cidadão, isto também interessa à Jurisdição, já que a pronunciação do Magistrado somente se faz Legítima quando exauridas as argumentações e provas de ambas as partes.
O certo é que a prova oral, para alguns casos, é o único meio de se apurar a verdade.
Embora não haja hierarquia entre os meios de prova, sendo válidos para demonstrar o alegado, todos os meios, o CPC informa, com excepcionalidade, que, QUANDO O FATO JÁ ESTIVER PROVADO POR DOCUMENTO OU POR CONFISSÃO, não se admitirá a prova Oral.
Realmente, se o documento é autêntico e não houve impugnação quanto à sua veracidade, haverá dispensa da prova oral, pois ele é suficiente para fornecer os dados esclarecedores do litígio. Apenas quando houver discussão em torno da autenticidade ou do combate veemente à veracidade do documento, é que a prova oral pode ser admitida como complementar, em caráter subsidiário.
Não há o que se falar em cerceamento defesa, caso se tenha certeza da prescindibilidade da audiência instrutória, estando o Magistrado suficientemente convencido para prolatar sentença, espalhando seu juízo de certeza. Sobretudo, pelo estado de confissão.
Neste sentido o Tribunal de Justiça de Sergipe, sendo Relator do Des. José Alves Neto, já se pronunciou a respeito, em semelhantes casos julgados por este Juízo:
“Insubsistente se faz este argumento, pois, de acordo com o art. 130 do CPC, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização (Theotônio Negrão, CPC e Legislação processual em vigor, nota 1 ao art. 130, 27ª edição, 1996).
Reza o art. 330, I, do CPC, que O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.
‘In casu’, o douto magistrado singular ressaltou que estamos diante de uma questão de fato e de direito, mas que não precisa de instrução ou maiores provas, posto que, o que foi angariado nos autos, ou seja, os documentos anexados, permitem ao Juiz decidir a lide.
Nesse sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ANÁLISE DA LEGALIDADE DAS CONTAS PÚBLICAS PELO JUDICIÁRIO – POSSIBILIDADE – LEGITIMIDADE “AD CAUSAM” DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CERCEAMENTO DE DEFESA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – INOCORRÊNCIA – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – RECURSO DESPROVIDO. 1. O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública por improbidade administrativa. 2. Não há cerceamento de defesa em julgamento antecipado da lide quando no processo encontram-se presentes todas as provas necessárias ao convencimento do magistrado. 3. (…). 4. Os atos de improbidade administrativa são puníveis com o ressarcimento ao Erário Público, nos termos da Lei nº 8.429/92 e do art. 37, § 4º, da CF/88. 5. Recurso Desprovido. (TJMG, AC nº 000.315.618-9/00, Comarca de São João Nepomuceno, Relator: Pedro Henriques, Julg. Em: 28/04/2003).
PROCESSO CIVIL – DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS – INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – Cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, decisão essa que não viola o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, se a questão de mérito é unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de provas, tendo em vista os documentos já carreados para os autos.” (TJMG – Agravo nº 000.166.042- 2/00 – Comarca de Belo Horizonte Relator Des. José Antonino Baía Borges – Pub. 07/04/2000).
Desta feita, afasta-se a argüição de cerceamento de defesa.
(Apelação nº 7872/2009. De. Rel . José Alves Neto)
Os ensinamentos do doutrinador processualista civil, Misael Montenegro Filho, em curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2009, pág. 204, são:
“Entendemos que o julgamento antecipado da lide é medida que se impõe quando for a hipótese, em atenção aos primados da celeridade, da economia processual e da razoável duração do processo, evitando a prática de atos procrastinatórios, que afastam a parte da prestação jurisdicional desejada. Deferir a prestação jurisdicional não é apenas garantir a prolação da sentença de mérito, mas, em complemento, que esse pronunciamento seja apresentado no momento devido, sem alongamentos descabidos.”
O Magistrado não precisa anunciar o Julgamento Antecipado da Lide pois quem já faz isto de forma clara é a própria Lei Processual, sendo uma das opções possíveis ao final da Fase Postulatória do Processo de Conhecimento. Não haverá surpresa para qualquer das partes. Tampouco se constitui em Cerceamento de Defesa para o Réu somente porque protestou por prova pericial. Segundo o preceito constitucional, ninguém é obrigado a fazer (ou deixar de fazer) senão em virtude da lei”. Isto é a Regra de Clausura ou Fechamento hermético do Direito: “tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido.” É o “DIREITO DE NÃO TER DEVER”.
Assim, resta claro que, sendo o Juiz o destinatário da prova, é ele quem deve aferir a necessidade da audiência, evitando as diligenciais inúteis e protelatórias.
O fato imputado pelo MPE consiste na contratação de servidores públicos sem a realização de concurso público para ocuparem o cargo de Vigilante, Trouxe, como indicativo, a prova contida no Inquérito Civil. O Réu confessou o fato, justificando sua atitude administrativa.
Avulta evidente a prescindibilidade da prova oral na medida em que esta é eminentemente documental, composta pelos atos administrativos de nomeação e contratação. Mais ainda, quando o Réu confessa na contestação que assumiu a administração, percebeu que somente possuía duas alternativas: ou contratava os servidores de forma excepcional, ou todos os prédios do Município ficariam sem segurança.
É de se perguntar qual a necessidade de oitiva de testemunha sobre a demonstração, através de documentos, da contratação temporária?!. Os atos administrativos lastreadores do libelo não foram impugnados sendo, portanto, válidos.
Ponto de natureza formal a ser enfrentado é quanto à afirmação da parte Ré da necessidade de realização de Perícia. Tal meio de prova somente deverá ser utilizado se, para o seu conhecimento houver a dependência do emprego de regra técnica especializada. Sobre o que incidiria a Perícia? A própria submissão do Réu torna desnecessária a realização de perícia, que somente redundaria em postergação do feito.
O protesto genérico, lacônico e vago de que deseja Perícia, não tem o condão de obrigar o Magistrado a protelar a manifestação judicial final.
Torna-se prescindível a prova pericial protestada para aferir contratação confessa pelo Réu de servidor. Deseja o Réu contrapor os atos administrativos subscritos por ele mesmo?! Seria no mínimo esdrúxulo e anacrônico.
Ademais, quando se trata de invocar peita sobre documentos juntos aos autos, o CPC prevê um INCIDENTE próprio, que é instrumentalizado por petição própria, que é o INCIDENTE DE FALSIDADE DOCUMENTAL. Nada, neste sentido, foi requerido.
Estando demonstrada a situação fática, resta saber se houve a prática de atos tidos como de improbidade administrativa.
O Réu confessou o fato de ter contratado excepcionalmente servidores para desempenhar a função de Vigilante, mas alegou a necessidade excepcional e inexistência de ato de improbidade administrativa, ante ausência de elemento subjetivo “dolo”, má-fé e de dano ao erário.
Ditas arguições meritórias acoberta questão processual, mesmo que, confundidas com o mérito, deve ser posta em relevo: Ausência de Causa de Pedir, por faltar fundamento jurídico ao pedido – dolo.
É antiga a máxima de origem romana do: dê-me os fatos que te darei o Direito. Isto é a base do Princípio da Substanciação, empregado de forma mitigada no sistema processual vigorante. Concorre também aqui a aplicação do Princípio Jurisdicional do jura novit curia. Diante dos fatos narrados de forma clara e objetiva, o Magistrado, conhecendo previamente o direito, os admite como deflagrador da atividade jurisdicional.
O ato formal que deflagra a jurisdição civil, libelo, deve conter os elementos fáticos e jurídicos que subsidiam a causa de pedir, já o pedido consiste no perceptivo de direito processual – tipo de sentença, e material, através do alcance da pretensão resistida. Da mesma maneira ocorre na esfera criminal, onde crime é fato tipico e antijurídico, ou seja: descrição do fato a ser resistido, e causador de lesão a ordem jurídica.
O CPC, informa:
Art. 295. A petição inicial será indeferida:
I – quando for inepta;
(…)
Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
III – o pedido for juridicamente impossível;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.
A causa de pedir ou causa petendi são os fatos que fundamentam a pretensão manifestada pelo demandante. Adotando o Princípio da Substanciação, a causa de pedir remota é um conjunto de fatos, ou seja, é o suporte fático da pretensão manifestada em juízo, que encontra encaixamento na ordem jurídica vigorante – causa de pedir próxima, adquirindo a necessária tipicidade. Observe-se que o fundamento jurídico não se confunde com a roupagem jurídico-legal, muito menos com o dispositivo legal conferida pelo Autor: “Não integra a causae petendi a qualificação jurídica que o confere ao fato em que baseia sua pretensão. Assim, se o autor promove uma ação visando à anulação de uma escritura, alegando erro e não obtêm êxito, não pode, posteriormente, propor a mesma ação com base nos mesmos fatos, sob a invocação de que o que houve foi dolo”[1]. Não é outro o entendimento, justamente pelo fato de que, a ausência de fundamento jurídico, desnatura a existência do fato constitutivo.
Conceitualmente a ação é um direito público, subjetivo, autônomo e principalmente abstrato, porque deve guarda superficial relação com o direito material invocado pela parte, que só será auferido ao final, julgando procedente ou improcedente o pedido.
No presente caso, o MPE, através de roupagem jurídica, imputou ao Réu a prática de atos praticados em dissonância com a lei de improbidade administrativa. Segundo o libelo, o Réu contratou servidores sem licitação para desempenharem a função de vigilante. Há causa de pedir fática e jurídica explícitas e claras, sendo a Demanda Apta Formal, preenchido, assim, o Pressuposto Processual de Validade.
Embora o Réu tenha informado que contratou os servidores sem licitação para desempenharem a função de vigilante, alegou a excepcionalidade consistente na necessidade imperiosa de contratação.
O ato tido como de improbidade diz respeito à contratação de servidor sem a realização de concurso público, resta saber, se o tipo de contratação empregada pelo Réu é albergada pela legislação.
Da documentação acostada aos autos, fls. 92/311, verificam-se cópias de contratos temporários celebrados entre os anos de 2010 e 2011.
A Constituição Federal de 1988, no Art. 37, inciso II, informa:
“II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para o cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
E mais, o Art. 37, § 2º, também da CF, repetida pela Constituição do Estado de Sergipe no Art. 25, § 8º :
“A não observância do dispositivo nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei”.
Complementa:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas
(…)
II – os requisitos para a investidura;
A Lei 8.745/93, indica, na esfera federal, quais as possibilidades de contratação temporária, dentre elas, as de assistência a situações de calamidade pública, combate a surtos endêmicos, realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística, admissão de professor substituto e professor visitante, atividade de identificação e demarcação desenvolvidas pela FUNAI entre outros, sempre buscando atender necessidades temporárias, e possuindo indispensável comprovação de excepcional interesse público.
Ora, a lei permite e prevê a contratação de temporários, quando fundamentada a necessidade. Para a contratação daqueles o ato administrativo deve ser vinculado à necessidade temporária, passageira do cargo. Não se origina de Ato Discricionário, mas Vinculado. Di-lo vinculado porque se faz imprescindível da fundamentação (motivação). Do mesmo modo, a relação não pode se perpetuar no tempo, transformando em definitivo.
Os cargos de Vigilantes, consoante determinação legal, deveriam ser providos através de concurso público, conforme o art. 37, inciso II, da CFRB. A alegação de necessidade premente de contratação não elide a obrigatoriedade de cumprimento da lei.
Resta vedada a contratação temporária quando as atividades a serem realizadas constituírem serviços ordinários da Administração Pública, que devem ser afetadas a um cargo público, ou quando a necessidade passar a ser permanente ou habitual. Ademais, o ajuste deve vigorar por período determinado, coerente com a transitoriedade da demanda que justificou sua formação.
À legislação de cada esfera da federação cabe disciplinar a questão explicitando as situações que podem ser consideradas como de excepcional interesse público e estipulando o prazo máximo do contrato, resguardando seu caráter temporário.
Se as atividades tiveram continuidade, passarão a ter cunho de habitualidade, devendo ser organizadas em atribuições afetadas a determinado cargo ou emprego público que, por sua vez, deverão ser providos por meio de concurso público, como impõe o art. 37, II, da Constituição Federal.
No caso da contratação temporária, por força de sua excepcionalidade e do princípio da legalidade, que deve nortear os atos praticados pela Administração, é necessária a observância estrita dos requisitos exigidos para a sua realização, previstos no inciso IX, do Art. 37, do texto constitucional.
Decorrem desse dispositivo que a contratação sem concurso deve se dar por tempo determinado, objetivando sempre atender necessidade temporária de excepcional interesse público e, necessariamente, estar prevista em lei, de iniciativa do ente público que irá realizá-la.
O Réu afirma que havia a necessidade excepcional de contratação de servidores para desempenharem a função de Vigilantes, para proteção do patrimônio e que já estaria em andamento um concurso público para provimento das vagas. Ocorre que, além de não haver legislação municipal informando quais os possíveis cargos podem ser preenchidos através de contratação temporária, alguns desses contratos foram celebrados em 2010, um ano após o Réu tomar posse como Prefeito, e há mais de 2 anos, prazo mais do que suficiente para a realização de concurso público, que sequer se tem noticia, ao contrário do que afirma o Réu.
A norma contida na Constituição não é de conteúdo meramente programático, mas é cogente, de cumprimento obrigatório, inarredável.
O MPE, destinado a provar as irregularidades, trouxe vasta documentação, inclusive os atos administrativos de contratação e pareceres da procuradoria do Município, subscritos pelo Réu, que, por sua vez, não negou os fatos, muito pelo contrário, confessou-os, porém atribuiu-lhes natureza diversa, tais como, ausência de dolo e má-fé.
Está plenamente evidenciado, seja pelos documentos apresentados, seja pela confissão, que o Réu praticou o ato imputado e relatado pelo MPE.
O Réu praticou o ato ilegal de forma ciente e consciente da ilicitude. Por mais inepto, incompetente e inábil que seja o Gestor Público, é impossível invocar a infantil alegação de que desconhece a via concursal como imprescindível para o preenchimento de cargos públicos.
Quanto à alegação formal de inexistência de ato improbo, já foi dito aqui inúmeras vezes que os Princípios alicerçadores da ciência jurídica, base de toda a construção do Direito, já foram tidos como meros instrumentos de interpretação e integração das regras legais. Era a estreiteza da visão positivista que atribuía ao direito posto caráter preponderante em nossa ciência.
Hoje, contudo, vivemos um período pós-positivista, sendo certo que os Princípios deixaram de ser vistos como mero complemento da regras e passaram a ser também considerados normas cogentes (fazendo-se mister a distinção entre normas princípios e normas disposições), impondo-se, sem dúvida, sua estrita observância. Ouso dizer que a tão difundida Norma Hipotética Fundamental de Kelsen, não é a Constituição, mas sim aquilo que deve ser tido como Ordenamento Constitucional que é composto pelos Princípios. “Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo (dever ser). Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será inválido, conseqüência esta que representa a sanção pra inobservância de um padrão normativo cuja relevância é obrigatória.” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 2ª ed. 2004, Lumem Juris, p.43).
Muitos são os interesses públicos hábeis a legitimar a atuação administrativa que se pode extrair da Constituição, observando-se da lição de Leonardo José Carneiro da Cunha que “o interesse público identifica-se com a idéia de bem comum e reveste-se de aspectos axiológicos, na medida em que se preocupa com a dignidade do ser humano”.
Não se pode, entretanto, opor completamente a ideia do bem individual à do bem comum sob pena de se comprometer a finalidade deste, conforme destaca Miguel Reale: “Se, como diz Scheler, o bem consiste em servir a um valor positivo sem prejuízo de um valor mais alto, o bem social ideal consistirá em servir ao todo coletivo respeitandose a personalidade de cada um, visto como evidentemente ao todo não se serviria com perfeição se qualquer de seus componentes não fosse servido”
O conceito de interesse público encontra guarida nos valores máximos da Constituição. Por tal motivo, não se opõe ao Estado. Porém com ele não se confunde. O fato é que o Estado se constitui num vetor do interesse público, cujo compromisso maior é voltado à sua realização, enquanto mecanismo necessário para tal. Um verdadeiro interesse público exige a presença de um bem social indisponível transcendental, isto é, acima dos interesses individualizados das partes. Por outro lado, o interesse público não se confunde com interesses meramente privados.
É importante reconhecer, no dizer de Marçal Justen Filho, que o interesse público alcança dimensão essencialmente “ética”, adequada ao pluralismo da sociedade contemporânea, e, simultânea subordinação das ações administrativas à satisfação da dignidade da pessoa humana. Sobressaindo-se dessa análise, a “personalização” do fenômeno jurídico em detrimento da sua “patrimonialização”, no sentido de impor o fiel respeito aos direitos fundamentais.
Nessa linha de raciocínio, cumpre ressaltar que a Constituição Federal, em seu Art. 37, caput, arrola como princípios explícitos que devem ser observados por todos os Poderes da Administração da União, dos Estados e dos Municípios, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Entre esses, por ser pertinente in casu, cabe tecer considerações sobre o postulado da legalidade, da impessoalidade e da moralidade.
Pelo Princípio da Legalidade a Administração deve observar estritamente as leis, não podendo agir senão quando e conforme permitido pela ordem jurídica.
Celso Antonio Bandeira de Melo afirma que:“Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. (Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed. Malheiros, 2004, p.92).
Por sua vez, o Princípio da Impessoalidade, conforme lecionam à unanimidade as obras de Direito Administrativo, deve ser entendido sob duas perspectivas: num primeiro sentido, a impessoalidade significa que o autor dos atos estatais é o Órgão ou Entidade e não a pessoa do agente (por isso, v.g., é vedada a publicidade da Administração que apresente imagens, nomes e símbolos que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou de servidores públicos). Na segunda acepção a impessoalidade exige que o administrador realize os atos de seu mister de acordo com a finalidade pública, e nunca agindo para beneficiar ou afetar determinadas pessoas, pela simples razão de serem essas mesmas pessoas amigas ou desafetas do administrador.
Estes são os lapidares ensinamentos da doutrina especializada:
“Sob outra ótica, torna cogente que a administração dispense igualdade de tratamento a todos aqueles que se encontram em posição similar, o que pressupõe que os atos praticados gerem os mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em idêntica situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente público. (…) Com isto preserva-se o princípio da isonomia entre os administrados e o princípio da finalidade, segundo o qual a atividade estatal deve ter sempre por objetivo a satisfação do interesse público, sendo vedada a atividade discriminatória que busque unicamente a implementação de um interesse particular.” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 2ª ed. 2004, Lumem Juris, p.55-56).
E mais:
“…o princípio (da impessoalidade) estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento…” (Sérgio Monteiro Medeiros, Lei de Improbidade Administrativa, 2003, Ed. Juarez de Oliveira, p.100).
Evidente que não deve haver a utilização dos poderes do cargo, com o fito de atingir interesses pessoais ou beneficiar particulares. Frustar o procedimento licitatório como forma de imprimir ganho de particular, escolhendo e conferindo a associados políticos o privilégio de aferição econômica, afronta o Princípio da Igualdade.
O último Princípio é o da Moralidade, exigida para a validade de qualquer ato da Administração. Na corrente lição de Hauriou, “a moral administrativa não equivale à moral comum, mas deve ser entendida como uma moral jurídica, equivalendo a um conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração. Elucidando o tema, o referido autor ensina que o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. Não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta, pelo que não basta distinguir entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, mas também entre o honesto e o desonesto…”
Neste passo, os atos ímprobos devem ser rechaçados, porque ofendem aos Princípios.
A Lei de Improbidade Administrativa prevê três modalidades de atos ímprobos: a) atos que importem em enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) atos que causem prejuízo ao erário (artigo 10); c) atos que atentem contra princípios da administração (artigo 11).
Segundo o art. 9º, a conduta de improbidade gera enriquecimento ilícito quando o autor aufere “qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º”, da lei. Exige-se, nessa hipótese, a percepção de vantagem patrimonial ilícita obtida pelo exercício da função pública em geral, sendo desnecessário o dano ao erário.
Reza o art. 10 que “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarateamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º” da mesma lei. Nesse caso, somente se caracterizará o ato de improbidade se houver dano ao erário. Dispensa-se, portanto, a ocorrência do enriquecimento ilícito.
Diz o art. 11 da Lei 8.429/92 que “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Nessa hipótese, exige-se somente a vulneração dos Princípios Administrativos, sendo dispensável o enriquecimento ilícito e o dano ao erário, ou seja, basta do agente a conduta violadora dos Princípios.”
Wallace Paiva Martins Júnior, Ilustre Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, comentando o dispositivo afirma que:
“O art. 11 é a grande novidade do sistema repressivo da improbidade administrativa, dirigido contra o comportamento omissivo ou comissivo violador dos princípios que regem a Administração Pública e dos deveres impostos aos agentes públicos em geral…”
E anota ainda que:
“A violação de princípio é o mais grave atentado cometido contra a Administração Pública, porque é a completa subversiva maneira frontal de ofender as bases orgânicas do complexo administrativo.” (Probidade Administrativa, 2ª ed., 2.002, Saraiva, p. 259/260) .
Além do caput do artigo 11 da Lei de combate à Improbidade Administrativa, que prevê de forma aberta a ilicitude de qualquer ato que atente contra os princípios da Administração, a referida Lei Federal, nos incisos dessa disposição legal, arrola as hipóteses mais comuns em que há essa violação.
Dentre essas hipóteses, reza o inciso I do artigo 11 daquele diploma, que configura improbidade administrativa:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência; (grifo colocado)
O supra transcrito texto legal abarca o chamado desvio de finalidade, no qual o agente público afasta-se da necessidade de observância da finalidade pública, indispensável na prática de todo ato administrativo, e busca realizá-lo para satisfazer interesse particular.
Na clássica doutrina de Hely Lopes Meirelles:
“O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. Tais desvios ocorrem, p. ex., quando a autoridade pública decreta uma desapropriação alegando utilidade pública, mas visando, na realidade, a satisfazer interesse pessoal próprio ou favorecer algum particular com a subseqüente transferência do bem expropriado… (…) O ato praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito ou imoral – ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público. Diante disto, há que ser surpreendido e identificado por indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. A propósito, já decidiu o STF que “Indícios vários e concordantes são prova.” (Direito Administrativo Brasileiro, 24ª ed., 1999, Malheiros, p.97)
Pela propriedade das palavras, impende a transcrição de mais um ensinamento doutrinário:
“A ilegalidade que aqui se apresenta é aquela que mira subverter o ato administrativo, distorcendo-o do gerenciamento de interesses públicos. Não é apenas o corriqueiro “a lei diz isto, o prefeito fez aquilo”, mas a utilização indevida do poder jurídico-político, da lei como seu instrumento eficiente, para desviar a atuação administrativa de sua rota predeterminada. É a substituição do social pelo pessoal, do público pelo privado, do coletivo pelo individual. É a não-administração.” (Waldo Fazzio Júnior, Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos, 3º ed. 2.003, Atlas, p.187)
Estão, portanto, completamente evidenciadas e comprovadas as informações trazidas pelo Ministério Público Estadual.
Consoante já proclamou a Suprema Corte, o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Neste sentido o primeiro aspecto a ser levado em consideração quanto à aplicabilidade é o da escala de gravidade, isso porque as sanções do art. 9º são mais severas que as do art. 10, e este, por sua vez, fixa sanções mais severas do que as do art. 11.
Pode ocorrer, que uma só conduta ofenda simultaneamente os arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade. Trata-se de ofensas simultâneas, nesse caso, o aplicador da lei deve se valer do Princípio da Subsunção, em que a conduta e a sanção mais grave absorvem as de menor gravidade. As sanções só deverão ser acumuladas se houver compatibilidade para tanto.
Tratando-se das sanções previstas para violação dos arts. 9, 10 e 11 temos que:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Assim, em face da expressa e clara disposição de lei, constatada a improbidade administrativa por flagrante violação de princípios que regem a Administração Pública, é de rigor a imposição das citadas sanções ao réu, resguardando-se legalidade, impessoalidade e moralidade administrativas e os interesses de toda sociedade.
A inobservância das regras de legalidade e moralidade dos atos do gestor da coisa pública, independente do valor nominal do patrimônio agredido ou dilapidado, pois faz gerar na sociedade prejuízo incalculável, por exercer um comando anárquico, criando a presunção do direito de que, qualquer cidadão poderá, também, apropriar-se da coisa comum, porque contribuinte e inspirado no modelo apresentado pelos Réus. Creio então que desejou o legislador com a Lei nº 8.429/92, alcançar o ato do gestor do bem público, independentemente do valor do prejuízo causado ao erário, dada a visão moralizadora desta.
Assim, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e reconheço que o Réu Alexsander Oliveira de Andrade praticou ato de improbidade administrativa, definidos como tal no art. 11, caput, e inciso V da Lei 8.429/92. Condeno-o, nas sanções previstas no art. 12, inciso III da referida lei a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos por 05(cinco) anos, multa civil de 100 vezes a remuneração recebida e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03(três) anos.
Condeno, ainda, o Réu no pagamento das custas processuais e honorários de 20% sobre o valor da causa.
P.R.I.
São Cristóvão/Se, 10 de maio de 2012.
[1] FUX Luiz, Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 158.
Por Orácio Oliveira / Redação SE Notícias