Atendendo pedido do Ministério Público do Estado, a juíza Ana Lígia de Freitas Soares Alexandrino determinou o bloqueio das contas da Prefeitura de Ilha das Flores até que o salário dos servidores municipais seja regularizado.
A liminar determina que seja realizado o bloqueio dos valores depositados a título de Fundo de Participação dos Municípios (FPM), para que estes sejam direcionados apenas ao pagamento dos servidores públicos do Município de Ilha das Flores, inclusive o correspondente ao mês de dezembro/2012 e do 13º salário/2012, devendo ainda ser respeitada a dedução da saúde e dedução – FUNDEB.
A liminar observa ainda que não poderão ser descontados quaisquer outros valores, entre eles, o repasse realizado com contratos de qualquer outra natureza e demais parcelamentos de débitos, até que a folha de pagamento esteja plenamente regularizada, sob pena de multa de R$ 20 mil a ser paga pelo prefeito Cristiano Beltrão.
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Confira abaixo a íntegra da decisão judicial:
Decisão – Processo nº: 201278200301
O Ministério Público do Estado de Sergipe ingressou com pedido de antecipação de tutela da presente Ação Civil Pública, voltado ao bloqueio de todos os recursos repassados ao Município de Ilha das Flores e destinados ao custeio de pessoal, como medida de proteção aos interesses dos servidores municipais.
Informa que, apesar das diversas audiências informais na Promotoria de Justiça a fim tentar dirimir o problema, em nenhum momento o Município de ilha das Flores, por meio do Prefeito Municipal, realizou qualquer proposta razoável para pagamento dos salários em atraso (dezembro e 13º salário). Devido a tal comportamento, os servidores ingressaram com centenas de ações de cobranças contra o Município de Ilha das Flores, chegando a quase triplicar o número de ações em andamento naquele Distrito, tirando os que ainda vão ser protocolizados.
Na última audiência, o Prefeito Municipal apresentou proposta de acordo com os advogados consistente em abrir uma conta judicial e depositar o ínfimo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) mensais. Ocorre que o débito do Município já é de, aproximadamente, R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) e com tal proposta de pagamento a divida só iria ser saldada em 10 anos sem contar com os juros e atualização monetária do montante.
No entanto, verifica-se que no Portal da Transparência do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, o Prefeito Municipal de Ilha das Flores gastou com festas o montante de R$ 527.500,00 (quinhentos e vinte sete mil e quinhentos reais).
Salientou que em razão da ausência de pagamentos os servidores públicos municipais vêm sofrendo com a falta de dinheiro até para a sua subsistência, não dispondo de recursos para a compra de alimentos, medicamentos e demais despesas que se fazem necessárias para manutenção dos lares. Sem contar que isso gera graves efeitos suportados pela população de Ilha das Flores, com escassa circulação de divisas no comércio local, já que boa parte do dinheiro que circula na aludida localidade é oriunda dos salários dos servidores, além das repercussões sociais e políticas oriundas da conduta omissiva estatal.
Como dito, por fim, ressalta o Parquet que tentou, por algumas vezes, obter uma solução consensual e efetiva para o deslinde da questão em comento, porém as autoridades municipais não apresentaram proposta concreta/plausível que oferecesse total segurança à percepção dos vencimentos dos servidores municipais.
Ex positis, requereu o Órgão Ministerial a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, requerendo o bloqueio judicial de todas as receitas do Município destinadas ao custeio de pessoal, em especial, do FPM e do FUNDEB necessárias à cobertura dos proventos vencidos do funcionalismo público, ante o inquestionável caráter alimentar, até o final julgamento; seja o Município obrigado a entregar, até o dia 30 (trinta) de cada mês, a este Juízo, a folha de pagamento de todos os agentes públicos, notadamente efetivos, temporários, celetistas e comissionados, sob pena do Prefeito Municipal de Ilha das Flores incorrer em multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); ao final, que seja o Município de Ilha das Flores, dentro de cada mês, impedido de saldar qualquer crédito que não tenha natureza alimentícia, inclusive gastos com festas natalinas e contratação de quaisquer bandas, enquanto não quitados os salários de todos os agentes públicos, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por pagamento realizado.
Instruiu o pedido com os documentos de fls. 2408/2421.
É o relatório. Passo a decidir.
Passo à análise dos requisitos autorizadores do pleito liminar.
As liminares, em sede de Ação Civil Pública, encontram seu fundamento no art. 12 da Lei 7.347/85.
Em vários Municípios do Estado de Sergipe as prefeituras, contrariando o disposto na Constituição Federal, na Lei de Responsabilidade Fiscal e nos princípios gerais do Direito Administrativo e boa gestão do erário, têm atrasado o pagamento dos seus servidores, acarretando sérios prejuízos não só para estes indivíduos e suas famílias, como também para a sociedade como um todo, uma vez que na maior parte destas municipalidades a economia gravita basicamente em torno dos dividendos percebidos pelo funcionalismo, já que as oportunidades em outros setores da economia são escassas.
In casu, como no que se retratou acima, não houve qualquer comprovação de que o Prefeito estivesse cumprindo o que determina a lei e destinando a totalidade dos recursos vinculados ao pagamento de servidores, fato que torna perfeitamente possível a adoção de medidas que visem garantir o recebimento dos créditos alimentares por parte do funcionalismo, sendo inclusive estas medidas de cunho social e moralizador da administração.
Pelo contrário, depois da última audiência extrajudicial promovida pelo Promotor de Justiça, na qual o Prefeito Municipal apresentou proposta de pagar as verbas atrasadas em 10 anos em razão da baixa capacidade econômica do Município de Ilha das Flores, foi descoberto pelo Portal da Transparência que o mesmo gastou com festas o montante de R$ 527.500,00 (quinhentos e vinte e sete mil e quinhentos reais), o que demonstra total desrespeito com a população do seu município.
Nesse toar, vejamos o ensinamento de Dirley da Cunha Júnior (1):
“(…), não podemos concordar com aqueles que sustentam, com base na doutrina estrangeira, encontrar-se a eficácia dos direitos fundamentais dependente do limite fático da reserva do possível, porque sempre haverá um meio de remanejar os recursos disponíveis, retirando-os de outras áreas (transporte, fomento econômico, serviço da dívida, etc.), onde sua aplicação não está tão intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem, como a vida, a integridade física, a saúde e a educação, por exemplo. (2). (…)
Assim, dúvidas não existem de que o pagamento pontual dos salários dos servidores municipais se reveste de um caráter de essencialidade inafastável, não podendo bens jurídicos essenciais como estes ceder frente a realização de festas ou outras despesas com menos importância, razão pela qual tenho consubstanciado o periculum in mora.
A municipalidade deve priorizar a aplicação de sua receita na efetivação das políticas públicas essenciais salvaguardadas pela Constituição Federal, devendo-se preterir bens jurídicos outros que, em que pese serem relevantes, devem ceder por um impositivo de ordem ético-jurídica frente à preservação da dignidade da pessoa humana, na qual o pagamento dos salários, verba de caráter alimentar, é um de seus desdobramentos, e prepondera sobre todos os demais compromissos da Municipalidade.
Observo que houve pedido para que houvesse bloqueio das verbas do FPM e do FUNDEB, a fim de serem satisfeitas as dívidas salariais. Entretanto, registro que as verbas do FUNDEB são vinculadas respectivamente à Educação Básica, sendo impossível sua destinação a quaisquer outros pagamentos do município. A Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade e, portanto, somente pode fazer o que a lei determina, nos termos do art. 37, da Constituição Federal. A Lei nº 11.494/07 regula o FUNDEB, e prevê que a verba seja destinada aos profissionais do magistério da educação, docentes profissionais que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência: direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica. Logo, a única verba que pode ser destinada ao mister desta ação é o Fundo de Participação dos Municípios.
O município demandado, antes de qualquer ilação acerca da impossibilidade de recursos financeiros, deverá demonstrar, nos presentes autos, os pagamentos acima citados, especialmente porque a própria Constituição Federal procurou garantir a autonomia e o cumprimento das decisões judiciais, a teor do que preceituam os artigos 19, §1°, inciso IV, e §2°, da LC n° 101/2000.
Havendo fortes indícios de descumprimento do dever legal imposto na Constituição, também se faz presente o requisito da verossimilhança das alegações (fumus boni iuris), fato que também contribui para formação do juízo de cognição sumária deste magistrado.
Nesse toar, e pelas razões aqui defendidas, entendo cabalmente demonstrados o fumus boni juris e o periculum in mora autorizadores do deferimento da liminar pretendida pelo Parquet atuante nesta comarca.
A legalidade do deferimento da tutela de urgência em casos como este já resta pacificada no âmbito dos Tribunais Pátrios, a exemplo da ementa do julgado abaixo transcrita:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. É o Ministério Público ente legitimado a postular, via Ação Civil Pública, a proteção do Direito ao salário-mínimo dos servidores municipais, tendo em vista a sua relevância social, o número de pessoas que envolvem e a economia processual. Servidores municipais estáveis colocados em disponibilidade. Percepção de vencimentos. Liminar em face do Poder Público. Lide que envolve caráter alimentar. Exceção. Possibilidade, ante a presença do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora” (…) (TJMG-022782. Agravo nº 000.260.876-8/00, 6ª Câmara Cível do TJMG, Espinosa, Rel. Des. Pinheiro Lago, J. 30.10.2002, un.)
Ex positis, por livre convencimento fundamentado e com base em tudo o que foi aqui delineado (artigo 93, inciso IX da CF):
I – DEFIRO a liminar vindicada a fim de determinar que seja realizado o bloqueio dos valores depositados a título de FPM (Fundo de Participação dos Municípios), para que estes sejam direcionados apenas ao pagamento dos servidores públicos do Município de Ilha das Flores/SE, inclusive o correspondente ao mês de dezembro/2012 e do 13º salário/2012, devendo ainda ser respeitada a dedução saúde e dedução FUNDEB. Frise-se que não poderão ser descontados quaisquer outros valores o que inclui aqui o repasse realizado com contratos de qualquer outra natureza e demais parcelamentos de débitos, até que a folha de pagamento esteja plenamente regularizada, sob pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por pagamento em desconformidade com a presente decisão, que deverá ser pago pelo gestor público ordenador da despesa (prefeito de Ilha das Flores) e pelo gerente do BANESE, Banco do Brasil e Bradesco caso seja autorizado o débito de qualquer conta em desconformidade com essa determinação;
II – Oficie-se aos gerentes das agências do BANESE, Banco do Brasil e Bradesco, respectivamente de Neópolis e Pacatuba, das datas e valores das receitas do Município de Ilha das Flores, como permite o art. 8°, §2°, da Lei n° 7.347/85, e para o cumprimento do disposto no item 1 no prazo de 48 (quarenta e oito) horas;
III – Repise-se que o ordenador de despesas deve encaminhar a relação de agentes públicos diretamente ao BANESE, Banco do Brasil e Bradesco para dar prioridade ao pagamento da folha do mês de dezembro/2012 e do 13º salário/2012 dos servidores públicos do Município de Ilha das Flores/SE e após juntar os comprovantes de quitação no prazo de 10 (dez) dias.
IV – Intime-se o Município para entregar, até o dia 30 (trinta) de cada mês, a este Juízo, a folha de pagamento de todos os agentes públicos, notadamente efetivos, temporários, celetistas e comissionados, sob pena do Prefeito Municipal de Ilha das Flores incorrer em multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) limitada a R$100.000,00 (cem mil reais);
V – Fica o Município de Ilha das Flores, dentro de cada mês, impedido de saldar qualquer crédito que não tenha natureza alimentícia, inclusive gastos com festas natalinas e contratação de quaisquer bandas, enquanto não quitados os salários de todos os agentes públicos, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por cada pagamento realizado.
VI – Dê-se imediatamente vista ao Ministério Público para ciência;
VII – Lance-se movimento sigiloso para que não frustre as medidas aqui determinadas, até que se efetive o bloqueio das contas, após o que publique-se.
Atendidos, retornem conclusos para apreciação.
Ilha das Flores/SE, 05 de Dezembro de 2013.
Ana Lígia de Freitas Soares Alexandrino
Juíza de Direito