O Juiz Manoel Costa Neto, da 1ª Vara Cível de São Cristóvão, julgou procedente o pedido do Ministério Público de Sergipe para que o Município regularize o fornecimento de merenda escolar na rede pública de ensino. A denúncia foi feita ao Ministério Público, no ano passado, por duas merendeiras. Em caso de descumprimento da decisão judicial, a multa diária será de R$ 10 mil, direta e pessoalmente à Prefeita Municipal, sem prejuízo do enquadramento no crime de desobediência da mesma.
No processo, o Ministério Público Estadual informou que o Município havia celebrado diversos contratos emergenciais com empresas para fins da prestação do fornecimento da merenda escolar, entretanto os contratos eram temporários, vez que não passaram por processo licitatório, mediante sua urgência. Por isso, informou que a merenda não foi regularizada em sua plenitude e, assim, requereu o julgamento antecipado da causa, ante a ausência da necessidade de produção de outras provas.
“No tocante à alegação de ausência de interesse de agir, saliento o seguinte. Trata-se de ação que visa obrigação de trato sucessivo para fornecimento regular e permanente da alimentação aos infantes, cuja falta foi flagrada pelo MPE e confessada pelo réu, havendo surgido a necessidade de contrato emergencial, ante a manifestação judicial de caráter decisório”, ressaltou o Juiz em um trecho de sua sentença. Em outro, o magistrado destacou que o caso é extremamente grave: “consoante os documentos nos autos, trata-se de falta de fornecimento de merenda escolar, que é a grande incentivadora da assiduidade dos alunos carentes”.
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Confira a a sentença:
Vistos , etc.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por seu representante legal, veio, perante este Juízo, propor Ação Civil Pública em face doMUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO, pessoa jurídica de direito público interno, alegando chegou a seu conhecimento, através de duas merendeiras da rede pública de ensino, que, apesar de ter 30 dias de aula, não há fornecimento da merenda para os alunos. Oficiado o Município extrajudicialmente, disse que até o dia 29 de maio daquele ano o fornecimento da alimentação escolar já ocorreria regularmente. Entretanto, ao requerer informações junto àquelas merendeiras, o MPE, no dia 30 de maio de 2014 tomou conhecimento que nada havia sido regularizado, continuando sem fornecimento da merenda. Quanto a isso, o Município informou que a licitação já teria sido requerida, com previsão de finalização de 09 de junho. Por esta razão, requereu concessão de liminar para determinar que o Município fornecesse a merenda escolar regularmente, no prazo de 05 dias. Juntou documentos 10/15.
Às fls. 18/38, antes mesmo de ser citado para contestar, o Município se manifestouinformando que já fora realizada contratação emergencial para o fornecimento da merenda, por isso não necessitada de decisão interlocutória antecipando a tutela.
O MPE, às fls. 44, requereu que este juízo apenas deferisse a liminar após o efetivo contraditório com a juntada da peça de defesa devida pela parte Ré.
Como o próprio Autor requereu a postergação do deferimento da liminar, foi determinado a citação do Município, conforme fls. 47/53.
Devidamente citado, às fls. 46/63, o Município alegou, em contestação, a ausência de interesse de agir e ausência da obrigação de fazer, por a obrigação já vir sendo cumprida regularmente, além da desnecessidade de deferimento de liminar.
Às fls.66-v, Ministério Público Estadual, ao se manifestar sobre a contestação,disse que o Município colacionou diversos contratos emergenciais celebrados com empresas pra fins da prestação do aludido fornecimento da merenda escolar, entretanto estes contratos são temporários, vez que não passaram por processo licitatório, mediante sua urgência. Por isso, informou que a merenda não fora regularizada em sua plenitude e requereu o julgamento antecipado da causa, ante a ausência da necessidade de produção de outras provas.
É o breve relato. Decido.
Trata-se de Ação Civil Pública com intuito de compelir o Município a proceder com o fornecimento da merenda escolar na rede pública de ensino.
Vislumbro a desnecessidade de instrução do feito, visto que a matéria agitada é de fácil apreciação, embora composta por elementos de fato e de direito. Os aspectos fáticos iniciam-se pelo exame da documentação acostada em sua fase regular, não havendo necessidade de produção de prova oral em audiência, ensejando a possibilidade de julgamento antecipado da lide, encaixando o pedido autoral no inciso I do art. 330 do Diploma Processual Civil.
Após a fase postulatória, o Juiz deve observar detidamente a questão. Sentindo-se suficientemente convencido dos fatos expostos pelas partes e observando não carecerem de produção de provas, deverá antecipar o julgamento da demanda. Da mesma forma agirá quando as provas documentais anexadas aos autos pelo autor o levarem ao exaurimento da cognição acerca dos fatos expostos.
Não há que se falar em cerceamento de defesa, caso se tenha certeza da prescindibilidade da audiência instrutória, estando o Magistrado suficientemente convencido para prolatar sentença, espalhando seu juízo de certeza.
No caso em tela, estamos diante de uma questão de fato e de direito, mas que não precisa de instrução ou maiores provas, posto que o que foi angariado nos autos, ou seja, os documentos anexados permitem ao Juiz decidir a lide.
É certo que o Magistrado ao apreciar a possibilidade ou não de julgar antecipadamente a lide, em especial, deve se ater a presença de seus pressupostos e requisitos, sendo que, após configurados, não é lícito ao Juiz deixar de julgar antecipadamente.
Para corroborar estas alegações, recorro ao jurista Sálvio de Figueiredo Teixeira, citado por Joel Dias Figueira Jr.: “(…) quando adequado, o julgamento antecipado não é faculdade, mas dever que a lei impõe ao julgador.” E mais: “Desde que a hipótese em concreto se enquadre nos moldes dos incisos I e II do art. 330, o julgamento se faz mister sem que se verifique qualquer tipo de cerceamento. Trata-se, portanto, de dever do juiz e não de faculdade ou simples liberalidade.”
De acordo com o art. 130 do CPC, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. “Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização” (Theotônio Negrão, CPC e Legislação processual em vigor, nota 1 ao art. 130, 27ª edição, 1996).
O Município arguiu a ausência de interesse de agir, tendo em vista a contratação voluntária da empresa para o fornecimento imediato da merenda; bem como a ausência de obrigação de fazer, pois a obrigação já vem sendo cumprida por ele; além da desnecessidade da concessão do pleito liminar.
Tomar conhecimento dos termos da demanda e cumprir a obrigação reclamada, mesmo sem o deferimento de liminar, não se cuida de perda de objeto. Houve a desobediência consumada de uma obrigação, sendo o fato gerador da pretensão.
Pois bem, no tocante a alegação de ausência de interesse de agir, saliento o seguinte. Trata-se de Ação que visa obrigação de trato sucessivo para fornecimento regular e permanente da alimentação aos infantes, cuja falta foi flagrada pelo MPE e confessada pelo Réu, havendo surgido a necessidade de contrato emergencial, ante a manifestação judicial de caráter decisório.
Não há que se falar em perda do objeto da demanda por causa do cumprimento da obrigação fixada em lei e impingida por provocação judicial, vez que, por se tratar de obrigação contínua, a sentença deve determinar a manutenção da prestação. Se o magistrado por ora julgasse sem mérito, extinguindo a Ação, ensejaria em liberalidade do Município em cessar com o fornecimento da merenda, o que não é o intento da presente, até porque ao tempo que fora ajuizada, perfaziam todas as condições, inclusive a de interesse de agir, pois visava o cumprimento da obrigação por parte do Município-Réu. Obrigação esta que somente fora comprovada a sua prestação APÓS a apresentação da pleito exordial em juízo, sendo assim, não falta interesse de agir na demanda.
Sendo assim, rejeito a preliminar suscitada de falta de interesse de agir.
A alegação do Município acerca da ausência de obrigação de fazer é um tanto contraditória. É fato a ausência da obrigação, mas diz que ela já vem sendo cumprida por força de adquisição emergencial. Ora, se não existe a obrigação, então por que o ente público se digna a cumprir? É válido salientar que a ação tem o condão de fornecer merenda escolar aos alunos da rede pública de ensino. Pois bem, analiso a responsabilidade do Município neste sentido e o DEVER de cumprir com esta obrigação, determinado pela nossa Lei Magna.
É induvidoso que o caso proposto é extremamente grave, consoante os documentos nos autos, trata-se de falta de fornecimento de merenda escolar, que é a grande incentivadora da assiduidade dos alunos carentes. A sua regulamentação competirá ao Poder Público.
Ante a falta de compromisso político e social dos titulares do Poder Executivo, fez-se necessário alterar o sistema de controle judicial dos atos administrativos, deixando de ser a posteriori e tornando-se apriorístico, dada a premência dos sucessivos casos de afronta à ordem pública, bem como permitindo a revisão imediata dos atos discricionários.
O próprio Município confessou implicitamente a desídia no cumprimento da obrigação legal, entendeu perfeitamente sua responsabilidade e informou que contratou emergencialmente empresas para prestarem a obrigação de forma devida. Entretanto, o MPE aduziu que a prestação não vem sendo feita de forma regular e correta.
Toda a prova carreada com a exordial é inequívoca no sentido de que houve a postergação de uma obrigação grave, e que pode voltar a acontecer reiteradamente.
Nesta seara, o novo Código Civil de 2002 é natimorto, porque ainda apegado à provecta Tutela Ressarcitória. O Código de Defesa do Consumidorelegeu a Tutela Específica como regra, a despeito do que contém o Art. 84. O Art. 461 do CPC copiou literalmente aquele versículo, transmudando a antiga e estérilSentença Condenatória de Obrigação de Fazer em autêntica Sentença Executiva, passando o Poder Judiciário a ser responsável pelo cumprimento da decisão de mérito, municiando o Juiz com poderes no sentido de fazer cumprir a Tutela Definitiva deferida, sem que isto importe em arbítrio.
Dentro do invocado Art. 461 do CPC encontramos a estipulação de ofício pelo Magistrado de Preceito Cominatório, e a plena consagração do Poder Geral de Cautela, com medidas protetivas enumeradas enunciativamente.
A nova ordem Constitucional transmudou filosoficamente as características do Estado Contemporâneo Democrático, efetivando o: compromisso concreto com a Função Social; Caráter Intervencionista; e Ordem Jurídica Legítima com respeito à liberdade de participação.
Ocorreu o abandono conceitual do antigo ESTADO LIBERAL que era individualista, patrimonialista, ausente do controle das relações privadas; ausente no controle da família, valorizando a autonomia ampla da vontade e liberdade de contratar; respeitando irrestritamente a força obrigatória dos contratos; e fazendo sacrossanto o direito de propriedade privada.
A Transmudação para o ESTADO SOCIAL o fez pluralista; socialista; respeitador da dignidade da pessoa humana; passando a ter controle sobre as relações privadas; com limitação da autonomia da vontade; limitação da liberdade de contratar; observando a função social dos contratos; e a função social da propriedade privada.
O novo Estado Social-Intervencionista não reflete apenas na seara do direito material, mas provoca a mudança de postura do Poder Judiciário diante do Processo. Este deixa de ser apenas um mero instrumento de composição de litígios particulares e passa a ser um “instrumento de massas”.
Tal mudança de postura reflete na chamada jurisdição constitucional, quecompreende, o controle judiciário da constitucionalidade das leis – e dos atos da Administração, bem como a denominada jurisdiçãoconstitucional das liberdades, com o uso dos remédios constitucionais processuais – habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, ação civil pública e ação popular.
Invoco a lição do Mestre Pedro Lenza, ao examinar uma a uma as mudanças conceituais trazidas pela lei que regula a Ação Civil Pública. in Teoria Geral da Ação Civil Pública, pag. 377:
“Em relação à Justiça das decisões, imprescindível a mudança de postura da magistratura. Isso porque, conforme visto, todas essas transformações também influenciarão o juiz que, além de ter o exato conhecimento da realidade sócio-política-econômica do País onde judicia, deverá assumir um papel ativo na condução do processo, superando a figura indesejada do ‘Magistrado Estátua’.
Imparcialidade não deve ser confundida com ‘neutralidade’, ou comodismo. O juiz deve ter uma participação mais efetiva, especialmente, quando o objeto da discussão envolver bens transindividuais.”
As reiteradas omissões executivas nas aplicações das políticas públicas introduzem uma nova caracterização para os conflitos sociais, à medida que transfere para o Judiciário a incumbência de resolver os inerentes ao poder constituído pela soberania popular.
Nesta esteira, a sociedade busca no Judiciário a satisfação de direitos e a aplicação das políticas instituídas por leis que não são aplicadas, ou pela falta de recursos, ou até mesmo pela inércia do Administrador Público. Em decorrência desta realidade, a real função dos juízes acaba se alterando, ao passo que se tornam responsáveis pelas políticas de outros poderes, passando a orientar suas atuações de forma a assegurar a integridade da Constituição e dos direitos, tanto individuais, como difusos dos cidadãos. Assim, para produzir a justiça esperada em uma situação específica, o juiz deve ter sensibilidade para julgar cada caso, encontrando a norma e adequando-a aos princípios constitucionais.
Considerando o disposto no art. 5º XXXV “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”, percebe-se que o Judiciário tem competência legal para obrigar o Poder Executivo a implementar políticas públicas sempre que este for omisso no campo dos chamados “direitos sociais”. Nesse sentido, a discricionariedade do Executivo, a quem cabe a responsabilidade de zelar pela saúde de todos não é absoluta, uma vez que o acesso aos direitos sociais não é decisão de conveniência ou oportunidade, mas sim determinação constitucional-legal, gerando o dever de agir por parte do Administrador Público.
É preciso esclarecer que o Gestor Público não está administrando sua vida privada, onde pode praticar atos aleatoriamente, como se a prestação do serviço ao público fosse fruto de generosidade.
É extremamente lamentável que procedimentos administrativos dessa natureza ainda coadunem com a realidade da Administração Pública brasileira. Carecer, para a prestação de um serviço essencial com dignidade, da intervenção do Poder Judiciário é algo inimaginável! Esse mesmo Administrador não está apenas postergando o descompromisso político e social, mas é verdadeira falta de compromisso HUMANO – Solidariedade, Caridade, etc.
A omissão importa em flagrante violação ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana.
O Poder Judiciário, no exercício de sua alta e importante missão constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo, de qualquer esfera, o cumprimento da disposição que garante o direito, sob pena de compactuar com a piora da qualidade de vida de toda sociedade.
O Judiciário não só pode como deve proferir decisões que, embora interfiram no mérito administrativo, tenham por fundamento obrigar o administrador a cumprir os Princípios da Administração Pública.
In casu, pode-se vislumbrar que as escolas da rede pública de ensino não vem recebendo com regularidade as merendas escolares, por vezes deixando os seus alunos com fome.
A hipótese lançada aos autos conduz à apreciação de um direito fundamental, corretamente tutelado na Carta Magna como superdireito (art. 196), razão pela qual se impõe a tutela, já que a sua denegação implicaria pôr em risco o direito à saúde e a vida, que se sobrepõe a qualquer outro.
Ademais, também é preceito de ordem constitucional e um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana(art.1°, III, da CF). E este é precisamente o caso em comento, haja vista que os alunos precisam da merenda diariamente e o Estado possui verba destinada a esta obrigação!
Pois bem, odispositivo da presente decisão deve solucionar o mérito, visando a proteção e segurança jurídica da ação, para formar coisa julgada material e determinar que o Município continue prestando o que lhe é devido.
Ex positis, Julgo Procedente a demanda, concedendo a liminar requerida para compelir o Município a continuar prestando o fornecimento regular da merenda escolar na rede pública. Em caso de descumprimento, incida astreintes no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais), direta e pessoalmente à Senhora Prefeita Municipal, sem prejuízo do enquadramento no Crime de Desobediência da Sra. Prefeita.
Ante o descumprimento da determinação judicial, gerador do crime de Desobediência, previsto no art. 330 do CPB, determino a extração e cópias destes autos e o encaminhamento à Procuradoria Geral de Justiça deste Estado.
P.R.I
Ascom/TJSE