Luciane Kohlmann, da RBS TV, em Estrela
Em Estrela, no Vale do Taquari, a 115 km de Porto Alegre, fica uma concessionária que encerrou suas atividades há cerca de 10 anos. Aos olhos menos atentos, porém, o local parece estar em funcionamento. Pintura recente, plantas bem cuidadas, monitoramento por câmeras e quatro carros 0 km. São três Fuscas e um Santana nunca usados, raridades em meio a veículos rodados. É como se fosse uma viagem ao passado.
Ao chegar perto da vitrine da Comercial Gaúcha, um detalhe chama a atenção: os carros expostos não são mais fabricados. Conhecida como “concessionária fantasma”, a loja pertence a Otmar Walter Essig, 79 anos. Discreto, não gosta de aparecer nem de dar entrevistas, mas abriu as portas de seu escritório para contar a história que muitos duvidam na cidade. É lá que seu Otmar ainda cumpre expediente diário, mesmo que não venda um carro há anos (veja mais na reportagem do Teledomingo).
Em frente à porta da revenda, está estacionado um Santana GLS 2000, ano 1996, que é um dos veículos que ele dirige ultimamente. No escritório, dezenas de arquivos e documentos sobre peças, materiais e funcionários ainda estão alinhados em prateleiras. Uma coleção de chaveiros deixa um tom mais informal.
“Essa coleção era da Susi. Trouxe para cá para ficar mais perto de mim”, conta ao G1 seu Otmar, referindo-se à mulher, que morreu há seis anos. Em uma caixa dos Correios em cima de um balcão, guarda fotos antigas da mulher e também de antigos carros da família, como o Karmann-Ghia. Religioso , montou uma pequena capela em um cantinho da sala e deixa a Bíblia sobre a mesa de trabalho, onde também descansa uma cuia de chimarrão.
“Chego aqui todo dia às 6h15, 6h30, e tomo o meu chimarrão. Às vezes, alguns amigos madrugadores vêm aqui também”, explica. Otmar conta que a concessionária existe desde 1969. Na época, era um dos sócios, até assumir completamente a operação em 1974. Segundo ele, era uma revenda conceituada na região.
O problema começou no início dos anos 2000, quando a Volkwagen elevou a meta de vendas. Ele comercializava 25 carros por mês e teria de passar para 60, número “quase impossível”, segundo ele. Foi quanto decidiu parar. Demitiu e indenizou todos os 33 funcionários e fez o desligamento com a montadora em 2004. Alguns dizem que foi no final da década de 90. O que é certo é que desde lá, nada mudou de lugar.
Orgulhoso com o que acabou se transformando em seu museu particular, Otmar mostra os carros que são de uso pessoal: um Fusca branco 86 totalmente original, uma Kombi pickup de 1994 e o esportivo SP2, ano 1975, que é o seu xodó. Os três automóveis estão em uma antiga garagem onde eram realizadas as revisões e os reparos. As ferramentas seguem organizadas na parede. A máquina do cartão-ponto parece à espera dos funcionários. Em um mezanino, é possível ver carcaças de carros antigos que, aos poucos, são consumidas pela ferrugem.
A concessionária ainda preserva carros 0 km que não são mais fabricados. No salão de exposições, um Fusca azul metálico, ano 86, motor 1.6, exibe a placa “última série”. O veículo nunca deixou o local, mas segue com a pintura brilhando. O modelo, que traz novos freios a disco para a época na dianteira e barra estabilizadora traseira redesenhada para uma melhor performance aerodinâmica, mantém o cheirinho de novo, mesmo passados 27 anos. Ao lado dele, está um Santana Quantum, ano 96, que preserva até os plásticos vindos de fábrica nos bancos e no piso.
Em uma sala fechada, longe de qualquer curioso, estão guardadas outras duas relíquias 0 km: dois fuscas cor prata, ano 96. São duas unidades da chamada “Série Ouro”, último lote de 1,5 mil veículos fabricados no Brasil. Neste modelo, a fábrica superequipou a versão, com estofamentos diferenciados, desembaçador traseiro, faróis de milha, painel com fundo branco, vidros verdes.
A prova de que as raridades nunca rodaram em um asfalto é a camada grossa de poeira que esconde a maior parte dos detalhes de luxo. Para completar, o descendente de alemães ainda preserva mais de 200 mil peças, a maioria de veículos das décadas de 80 e 90.
No lado de fora, o clima é mesmo de concessionária abandonada. Há o espaço onde eram realizadas as lavagens e um pátio gigante sem qualquer vestígio de sujeira onde eram feitas chapeação e pintura. O terreno possui quase 5 mil metros quadrados.
Bem em frente está a oficina mecânica do Enio Schwingel, instalado no local há 23 anos. No passado, a Comercial Gaúcha era a sua principal fornecedora. Atualmente, precisa ir até outros municípios atrás de peças de reposição. O homem diz que ninguém entende por que o dono da revenda mantém há tanto tempo a rotina se a loja não funciona mais.
“Chego aqui às 7h e ele sempre já está na revenda com seu chimarrãozinho. A gente se pergunta por que um homem com uma idade já avançada mantém este patrimônio. Na verdade, a gente acha que é um hobby”, especula Enio.
Quando questionado sobre o motivo de continuar repetindo a rotina há mais de 30 anos, Otmar Essig apenas diz que é o seu prazer, seu passatempo. “Tenho dinheiro suficiente para viver”, conta. E assim, por volta das 16h, ele encerra o expediente particular e volta pra casa.
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