Ao Congresso em Foco, Márlon Reis, um dos criadores da lei, critica decisão do tribunal que exige configuração da vontade em prejudicar o erário para barrar candidatos com contas irregulares
Uma recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) põe em risco a aplicação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) para casos de reprovação de contas de políticos e gestores públicos. Na avaliação do coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o juiz eleitoral Márlon Reis, esse é o dispositivo de maior eficácia das novas regras de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa. E a decisão do TSE o coloca seriamente em risco.
Na quinta-feira (30), os ministros do TSE, por unanimidade, aceitaram recurso do candidato a vereador em Foz do Iguaçu (PR) Valdir de Souza (PMDB). Ele foi inicialmente barrado pela Justiça Eleitoral, já que teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) quando presidiu o Conselho Municipal de Esportes e Recreação da cidade.
Na visão dos ministros, ele não poderia ter sido barrado, pois o acórdão do TCE-PR não determinou devolução de recursos ao erário nem multa como punição. Também não fez menção a prejuízos à Administração Pública em decorrência dos empenhos sem dotação orçamentária. A candidatura do peemedebista foi contestada pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).
Com base na alínea G da Lei da Ficha Limpa, o registro dele foi impugnado e, depois, rejeitado. O trecho da norma diz que ficam inelegíveis por oito anos aqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configurem ato doloso de improbidade administrativa. Para o TSE, o caso de Valdir de Souza não se encaixava no disposto na lei, pelo fato de o TCE não ter lhe imposto punição. Para os ministros do TSE, isso demonstraria não ter havido uma intenção dolosa, de realmente prejudicar o erário.
Erro gravíssimo
Para o coordenador do MCCE, Márlon Reis, o TSE cometeu um “erro gravíssimo”. Na visão dele, que é juiz eleitoral no Maranhão, a corte superior está fazendo uma leitura equivocada do que é dolo em matéria eleitoral, confundindo com matéria penal. “Quando o administrador deixa de praticar uma licitação, ele não é negligente, ele pratica uma omissão dolosa. São lições absolutamente primárias de direito eleitoral que o TSE está ignorando”, analisou ao Congresso em Foco.
Para Márlon, a prevalecer a decisão do TSE, boa parte das candidaturas que seriam impugnadas sobreviverão, diminuindo enormemente a eficácia da lei. Por causa disso, o MCCE marcou uma reunião emergencial em Brasília para discutir o assunto para a próxima quarta-feira (5). O coletivo de entidades espera que a posição seja revertida por atitude do próprio TSE após “diálogo com a sociedade”. “O TSE teve muitas vezes que amadurecer esse entendimento, o que é normal nos tribunais. Nós esperamos que, a partir de um diálogo com a sociedade, que o próprio TSE reveja esse entendimento”, disse Reis.
No entanto, caso a corte não reveja o entendimento – o que neste momento parece improvável por ter sido uma decisão unânime – é preciso provocar os ministros judicialmente. Ou seja, o Ministério Público Eleitoral precisa apresentar um recurso contra a postura de quinta-feira. Para Márlon, existe a possibilidade de o caso até parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Função constitucional
Segundo Márlon, o erro do TSE está na origem. O ministro relator do caso, Arnaldo Versiani, afirmou que não era possível ter uma conclusão sobre a improbidade administrativa porque o acórdão não deixava claro se houve prejuízo ao erário nem se teve intenção. Também não determinou punições para o peemedebista, que tenta a reeleição para o quarto mandato como vereador.
O problema, para Márlon, é que, ao contrário do entendimento do TSE, não é exatamente função dos tribunais de contas definir penas desse tipo. Os tribunais de contas, apesar do nome, não são vinculados ao poder Judiciário, e sim ao Legislativo. Eles existem para fazer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das entidades da administração direta e indireta dos municípios, estados e União. Em resumo, acompanhar os gastos de dinheiro público pelos governantes e gestores.
Assim, no entender do coordenador do MCCE, eles não possuem a prerrogativa constitucional de tratar de dolo. São órgãos técnicos que em seus pareceres dirão se houve ou não desrespeito às leis. No caso em questão, Reis opinou que foi reconhecido que o secretário autorizou pagamento além da lei orçamentária em plena época da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“Como entender que não houve prejuízo só porque o TCE não usou essa frase especificamente? Houve desrespeito às leis orçamentárias”, afirmou o juiz eleitoral. Para ele, não se pode exigir das cortes de contas que se emita juízo sobre o dolo. E é preciso fazer uma distinção do que é intenção em direito eleitoral e o criminal. “Aqui falamos de direito político, não individual.”
Não houve desfalque
O presidente do Instituto de Direito Político, Eleitoral e Administrativo, Alberto Rollo, discorda. Para o advogado, se o político for condenado por uma corte de contas por não ter aplicado a LRF e deixou dívidas, não está configurada a improbidade administrativa de forma que a Lei da Ficha Limpa estabelece. “Ato doloso é aquele que provoca desfalque no erário”, disse ao site Consultor Jurídico.
Em um ponto, porém, Reis e Rollo concordam. A postura do TSE, sendo replicada pelas cortes eleitorais locais, representa uma grande mudança na jurisprudência eleitoral. Para o coordenador do MCCE, todos os que tiverem contas rejeitadas escaparão da inelegibilidade. O advogado eleitoral entende da mesma forma. “Em São Paulo, todo mundo que tem problema nas contas tem sido condenado à inelegibilidade. Com essa nova decisão do TSE, fica bem definido que ato doloso implica prejuízo”, afirmou.
Do Congresso em Foco.