CHICO DE GOIS/O GLOBO.com
Se fosse possível resumir em uma mesma denominação todas as siglas partidárias em atividade atualmente no país, talvez um bom nome fosse Partido da Família S/A. De Norte a Sul do país, os partidos políticos brasileiros de todos os tamanhos são dominados por grupos familiares que, em muitos casos, são bem remunerados para comandar essas legendas e fazer todo tipo de negociação — da política a arranjos financeiros. Levantamento realizado pelo GLOBO nos 30 partidos registrados oficialmente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encontrou pelo menos 150 parentes em cargos de direção nas legendas. São cônjuges, irmãos, pais, tios, primos que ocupam os principais postos de comando, como presidentes, vice-presidentes, secretários-gerais e tesoureiros. E muitos deles fazem dos partidos sua principal fonte de sustento, tornando-se políticos profissionais. Nos partidos menores, com pagamento em dinheiro público do Fundo Partidário, clãs familiares tornam-se os verdadeiros donos das siglas, dominando-as por mais de 20 anos.
Às vezes, os pagamentos aos parentes ocorre de forma indireta: dirigentes que recebem como consultores da própria agremiação que dirigem; diretores que alugam os próprios imóveis como sede partidária; e carros de luxo comprados para dirigentes. As despesas dos partidos, inclusive os salários de familiares e amigos, são pagas com o dinheiro de um cofre que distribuirá neste ano mais de R$ 300 milhões: o Fundo Partidário. Isso sem contar as multas, que acrescem importante valor a essa cifra.
Para cientistas políticos que estudam a história partidária brasileira, o cenário atual apenas consolida o comportamento de políticos em outros períodos. Desde a Colônia, a política é dominada por famílias, que veem nessa atividade uma forma de ascender ao poder, mantê-lo e enriquecer.
— Essa é uma característica que já chamava a atenção dos viajantes que por aqui estiveram no período colonial, no Império e na República. É o patrimonialismo praticado de forma deslavada — analisa o professor Paulo Roberto da Costa Kramer, cientista social da Universidade de Brasília (UnB).
CINCO DIRIGENTES COM O MESMO SOBRENOME
O Partido Trabalhista Cristão (PTC) — que já foi Partido da Juventude (PJ) e Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e serviu de palanque para Fernando Collor disputar a Presidência em 1989 —, por exemplo, tem como presidente, desde 1985, Daniel Sampaio Tourinho. Mensalmente, segundo a prestação de contas da legenda de 2010 enviada ao TSE e à qual o GLOBO teve acesso, ele recebe R$ 4.486 como verba de representação, além de mais R$ 12 mil mensais, a título de “serviço técnico profissional”.
Tourinho vive no Rio de Janeiro e seu filho, Daniel de Almeida, que é o presidente do diretório do Rio, aluga um imóvel de sua propriedade, na avenida Nilo Peçanha, para servir como sede regional da legenda. Em 2010, recebia um aluguel declarado de R$ 1.854, incluindo o valor do condomínio. A Executiva da sigla é dominada por sua família: dos 14 membros, cinco têm o sobrenome Tourinho.
Um dos eternos dirigentes dessas agremiações que envolve toda a família é José Levy Fidelix da Cruz, do PRTB. É aquele homem calvo, com bigode tingido de um preto tão retinto que teve a fisionomia associada às consecutivas eleições da qual participou, apresentando sempre a mesma proposta: a criação do Aerotrem. Está no Horário Eleitoral Gratuito de todas eleições, mas nunca venceu nas urnas.
O PRTB foi fundado em 29 de março de 1995, depois que Fidelix deixou o então PL, e, desde então, é ele o representante máximo da legenda. Mas Fidelix é um homem dedicado à família. Na direção nacional do seu partido, dos 12 integrantes, cinco são parentes, entre mulher e filhos. Como a atual Executiva foi eleita em 2012 e tem duração de oito anos, todos estão com funções garantidas até 2020.
O PRTB, aliás, parece não ver problema no fato de familiares dominarem sua legenda pelos estados. No Distrito Federal, quem começou a presidir o partido é Fernanda Meireles Estevão de Oliveira Resende. Em seu site, o partido reproduz um trecho de reportagem publicada pelo jornal Correio Braziliense que a apresenta como vinda de uma nova geração de “milionários, bem-nascidos, estudaram no exterior, têm o inglês como segundo idioma, cuidam dos negócios da família e cresceram vendo como espectadores privilegiados os sucessos e dissabores da vida pública.”
Fernanda é filha do senador cassado, o milionário Luiz Estevão (DF), que está com os direitos políticos suspensos depois de envolvido nos desvios milionários do fórum do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em São Paulo. O trecho da reportagem do Correio republicada no site do PRTB diz que Fernanda “foi alçada ao comando da legenda” mas, “na prática, Luiz Estevão é quem vai tomar conta de tudo”.
O domínio familiar não é restrito às pequenas legendas. No Pará, o PMDB tem como chefão o senador Jader Barbalho, que mantém na Executiva a ex-mulher dele, Elcione, e os dois filhos: Jader Filho e Helder. Também no Pará, o PR é comandado pelo ex-deputado Anivaldo Juvenil Vale, que já foi do PSDB, e que pôs o filho dele, deputado federal Lúcio Dutra Vale, como vice-presidente da legenda.
Recém-fundado, o Partido da Pátria Livre (PPL) também vai pelo mesmo caminho. No Paraná, o presidente é Mario José de Rauen Bacellar Filho, e a primeira vice-presidente é Alzimara Cabreira Fraga Bacellar, da mesma família.
No PSL, Luciano Caldas Bivar é o presidente desde 2007. Ele já se candidatou a presidente da República. O filho de Luciano, Cristiano Bivar, sócio da Mitra Participações, aluga salas num edifício em Recife para o partido. São três salas e quatro garagens. O outro filho, Sérgio, é delegado nacional da sigla.
Luciano Bivar mora em Recife, mas até pouco tempo seu partido tinha como endereço, segundo contas prestadas ao TSE em 2010, uma sala no anexo II da Câmara dos Deputados — ou seja, aluguel subsidiado. Naquele mesmo ano, o PSL comprou dois carros para seus dirigentes, sendo um deles uma Toyota Hilux, por R$ 73 mil. Num único mês, em 2010, os dois carros utilizaram 252 litros de diesel e mais 269 litros de gasolina. É combustível para percorrer 2.200 quilômetros na Hilux ou, no mínimo, 2.690 quilômetros com outro veículo.
O poder das famílias no domínio dos partidos não se limita a pagamentos de salários entre os seus. Afinal, são os chefes das legendas nos estados que decidem quem pode se lançar candidato e como será feita a distribuição das doações recebidas. Em 2010, por exemplo, Daniel Tourinho foi candidato a deputado federal pelo PTC do Rio e, como presidente do partido, destinou as maiores doações para sua campanha: R$ 427 mil.
O mesmo se deu com Luis Henrique de Oliveira Resende (MG), presidente nacional do PTdoB. Ele foi eleito deputado federal em 2010 e, para sua campanha, garantiu R$ 285 mil de R$ 1,370 milhão que o partido conseguiu de doações.
‘ALUGUEL É MAIS BARATO’
O presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que seu partido é o que menos gasta com sua estrutura administrativa. Ele afirmou que seu filho Sérgio Bivar exerce cargo na sigla porque foi eleito para isso. Bivar também declarou que aluga salas de propriedade de seu filho para o partido, “porque o aluguel é mais barato”. De acordo com Bivar, ele, enquanto presidente, não recebe nenhum pagamento do partido. O GLOBO procurou, por mais de uma vez, os presidentes do PTC, Daniel Tourinho, do PRTB, José Levy Fidelix, e do PTdoB, deputado Luis Henrique de Oliveira Resende, mas eles não retornaram as ligações.