Em Sergipe, o concurso de provimento e remoção de notários e registradores foi suspenso. Na terça-feira (3/7), o Conselho Nacional de Justiça entendeu, de forma cautelar, que esse tipo de prova não pode ter como único critério a prova de títulos e que a opção viola resolução que determina que esse tipo de seleção deve levar em conta, além dos títulos, a aprovação em prova.
O caso foi relatado pelo conselheiro José Guilherme Vasi Werner. Segundo a Resolução 81, de 2009, do CNJ, “o ingresso, por provimento ou remoção, na titularidade dos serviços notariais e de registros declarados vagos, se dará por meio de concurso de provas e títulos realizado pelo Poder Judiciário”.
Em julgamento de outro procedimento de controle administrativo sobre caso semelhante, em Minas Gerais, o conselheiro Paulo Tamburini entendeu que “todos os concursos públicos para preenchimento e remoção da atividade notarial e de registro devem ser regidos pela Resolução 81/2009 do Conselho Nacional de Justiça”.
O concurso nos moldes afastados pelo CNJ foi autorizado em abril pelo presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, desembargador José Arísio Lopes da Costa. Como a decisão é cautelar, o caso volta a ser analisado. Participaram do julgamento os conselheiros Ayres Britto, Eliana Calmon, Carlos Alberto, Neves Amorim, Tourinho Neto, Ney Freitas, Vasi Werner, José Lucio Munhoz, Wellington Cabral Saraiva, Gilberto Martins, Jefferson Kravchychyn, Jorge Hélio e Emmanoel Campelo.
Leia a decisão abaixo:
PCA: 82.2012.2.00.0000
Requerente: Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
Requerido: Conselho Nacional de Justiça
DECISÃO
Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo instaurado em razão do Ofício n. 173/2012-GP/TJSE, de 30 de abril de 2012, encaminhado pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe.
No referido ofício, o Presidente do TJSE informa que, por deliberação do seu Órgão Pleno, aquela Corte autorizou a realização do concurso de provimento e remoção para notários, sendo que o de remoção será efetuado mediante prova exclusiva de títulos, nos moldes do art. 16 da Lei Federal n. 8.935/1994 e do art. 19 da Lei Complementar Estadual n. 212/2011, a despeito do que determina o art. 1º da Resolução n. 81/2009 deste Conselho.
Distribuído à Corregedoria Nacional de Justiça, a eminente Ministra Eliana Calmon proferiu decisão determinando a conversão do ofício em Procedimento de Controle Administrativo, com a imediata distribuição a um dos Conselheiros e propondo a revogação imediata da deliberação tomada pelo TJSE por configurar descumprimento da Resolução n. 81/2009 (DESP2).
É o breve relatório.
Decido.
A decisão do TJSE afronta a Resolução CNJ n. 81 que em seus artigos 1º e 3º determinam que o concurso para a atividade notarial, mesmo no caso de remoção, será feito através de provas e títulos, verbis:
Art. 1º. O ingresso, por provimento ou remoção, na titularidade dos serviços notariais e de registros declarados vagos, se dará por meio de concurso de provas e títulos realizado pelo Poder Judiciário, nos termos do § 3º do artigo 236 da Constituição Federal.
Art. 3º. O preenchimento de 2/3 (dois terços) das delegações vagas far-se-á por concurso público, de provas e títulos, destinado à admissão dos candidatos que preencherem os requisitos legais previstos no artigo 14 da Lei Federal nº 8.935/94; e o preenchimento de 1/3 (um terço) das delegações vagas far-se-á por concurso de provas e títulos de remoção, com a participação exclusiva daqueles que já estiverem exercendo a titularidade de outra delegação, de notas ou de registro, em qualquer localidade da unidade da federação que realizará o concurso, por mais de dois anos, na forma do artigo 17 da Lei Federal nº 8.935/94, na data da publicação do primeiro edital de abertura do concurso.
Há precedente neste Conselho, estabelecido pela decisão proferida no julgamento da Consulta 0003016-40.2010.2.00.0000, Relator o Conselheiro Paulo Tamburini, do qual destaco os seguintes trechos:
Desta maneira, tendo a Resolução Nº 81, deste Conselho Nacional de Justiça, obedecido estritamente os parâmetros constitucionais, deve ser esta aplicada em todo seu teor aos concursos públicos para o preenchimento das vagas de preenchimento e remoção da atividade notarial e de registro.
Assim, passa-se às respostas à presente consulta:
1) “Os próximos concursos públicos de ingresso e os concursos de remoção para delegação dos serviços de tabelionato a serem realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais poderão ser regidos pela Lei Estadual nº 12.919, de 1998, ou deverão observar a Resolução nº 81, de 2009?”
– Todos os concursos públicos para preenchimento e remoção da atividade notarial e de registro devem ser regidos pela Resolução no. 81/2009 do Conselho Nacional de Justiça
2) “Os próximos concursos de remoção para delegação dos serviços de tabelionato a serem realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais deverão ser de provas e títulos, ou apenas de títulos?”
– Prejudicada pela resposta do item 1 da Consulta, que já a responde (aplicação “in totum” da Resolução n 81/09/CNJ, no caso especialmente seu artigo 3º).
Por seu turno, o art. 16 da Lei n. 8.935/1994, com a redação dada pela Lei n. 10.506/2002, dispõe que:
Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses. (Redação dada pela Lei nº 10.506, de 9.7.2002)
Registro que a nova redação deste dispositivo, que excluiu do texto anterior a exigência de realização de provas para os concursos de remoção, é objeto da ADC 14-2, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal, na qual ainda não foi proferida nenhuma decisão.
A questão, com todas as vênias, não é simples.
Os precedentes citados na bem lançada manifestação da Corregedoria Nacional de Justiça referem-se a casos em que a Resolução deste Conselho foi confrontada com legislações estaduais e, mais, no caso do PCA 4545-60, a um caso de violação inequívoca da Constituição por uma previsão que desconsiderava as competências privativas do Poder Judiciário.
No presente caso, porém, o confronto que se nos apresenta é entre a Resolução CNJ n. 81 e a Lei Federal n. 8935/1994, na redação dada pela Lei n. 10.506/2002, que prevê expressamente que o concurso de remoção se dará por prova de títulos, sendo certo que é o próprio art. 236 da Constituição que remete a questão a lei federal.
Trata-se, aqui, contudo, de uma decisão liminar de natureza cautelar e, portanto, de caráter provisório, amparada nos elementos que, neste momento estão disponíveis para um conhecimento sumário e não exauriente da questão.
Nessa linha, penso que nossa corte suprema parece estar se encaminhando para prestigiar o entendimento de que toda forma de outorga de delegação de serviço notarial e registral, mesmo na modalidade de remoção, deve se dar por meio de concurso público de provas e títulos, nos termos do que dispõe o art. 236, § 3º, da Constituição Federal. Nesse sentido confira-se trecho do voto do Relator, Ministro Gilmar Mendes, na ADI n. 3.016:
Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser imprescindível concurso público prévio de provas e títulos para que se possibilite a investidura na titularidade de serventias notariais e de registro, nos termos do § 3a do art. 23 6 da Constituição.
São expressivos os precedentes invocados pela Advocacia-Geral da União, cujas ementas possuem o seguinte teor:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 33 E 34 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. DIREITO À ESTATIZAÇÃO. TITULARIDADE ASSEGURADA AOS ATUAIS SUBSTITUTOS, DESDE QUE CONTEM CINCO ANOS DE EXERCÍCIO NESSA CONDIÇÃO E NA MESMA SERVENTIA, NA DATA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VULNERAÇÃO DO DISPOSTO NO ART 236, ‘ CAPUT’ , § 3£, DA CF, E NO ART. 32 DO ADCT-CF/88. 1. Ofende o preceito do § 3- do art. 236 da Constituição Federal o disposto no art. 33 da Constituição do Estado do Espírito Santo, que assegura aos substitutos o direito de ascender à titularidade dos serviços notariais e de registro, independentemente de concurso público de provas e títulos, desde que contem cinco anos de exercício nessa condição e na mesma serventia, na data da promulgação da Carta Federal. 2. Art. 34 da Constituição do Estado do Espírito Santo. Estatização dos Cartórios de Notas e Registro Civil. Faculdade conferida aos atuais titulares. Contrariedade ao art. 236, ‘caput’, da Carta Federal que prescreve serem os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.” (ADIN n. 417/ES – Rel. Min. Maurício Corrêa).
EMENTA: – Direito Constitucional. Serventias notariais e de registro. Concurso público de provas e títulos (art. 236, § 3-, da Constituição Federal) . 1. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, nos termos do § 3º do art. 236 da Constituição Federal. 2. Ofende esse princípio constitucional o disposto no § 3º do art. 16 do A.D.C.T. da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que, sem prévio concurso de provas e títulos, torna efetivo, em caso de vacância, o direito à titularidade dos serviços notariais e de registro, em favor do substituto, desde que, legalmente investido, tenha ingressado na atividade, há mais de cinco anos, até a data da promulgação da CF. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade (de tal dispositivo estadual) julgada procedente pelo S.T.F. (ADIN n. 552/RJ – Rei. Min. Sydney Sanches)
EMENTA: Notariado e registros públicos: razoabilidade da alegação da reserva à competência legislativa da União para dispor a respeito (CF, arts. 22, XXV, e 236, par. 1º); privatização de serventias anteriormente oficializadas: difícil conciliação com o art. 32 ADCT (ADln 126, Gallotti, Lex 169/48); caráter público dos serviços notariais e de registro, persistente sob o art. 236 CF (RE 141.347, Pertence, Lex 168/344); investidura de interinos na titularidade de serventias, independentemente de concurso público: inconstitucionalidade já declarada de normas similares (ADln 126, Gallotti, Lex 169/48): plausibilidade, por tudo isso, da argüição de inconstitucionalidade do art. 30 ADCT de Alagoas: suspensão cautelar deferida. (ADIn n. 1047, MC/AL – Rel. Min. Sepúlveda da Pertence).”
Ainda que assim não seja, os próprios precedentes deste Conselho, ambos julgados em plenário, indicam ser adequado aplicar o princípio da cautela para permitir, ao mesmo tempo em que se evita o prosseguimento de um concurso de juridicidade discutível, que se aprecie essa juridicidade de forma plena e exauriente da decisão final, sem prejuízos para a sociedade ou para a Administração. Por todo exposto, suspendo os efeitos da deliberação tomada pelo TJSE de realizar concurso de remoção nos serviços notariais e registrais mediante prova exclusiva de títulos, determinando que se abstenha de qualquer ato tendente a dar efetividade à referida decisão, até julgamento final do presente procedimento.
Comunique-se com urgência.
Intime-se o TJSE para, querendo, manifestar-se no prazo regimental.
JOSÉ GUILHERME VASI WERNER
Conselheiro