ISABEL BRAGA E ANDRÉ DE SOUZA/O GLOBO
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprovou nesta quarta-feira a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que submete algumas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao poder Legislativo. A proposta, do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), prevê que o Congresso Nacional referende as súmulas vinculantes, as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e as ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) emitidas pelo Supremo. Caso o Congresso se posicione contra a decisão do STF, a questão deverá ir para consulta popular.
Na comissão, a votação foi simbólica. Os deputados petistas José Genoino (SP) e João Paulo Cunha (SP), condenados no julgamento do mensalão, estavam presentes. Genoino fez questão de dizer que já tinha se manifestado a favor da proposta. Dois deputados apresentaram votos contrários, em separado, alegando que a proposta é inconstitucional porque se trata de interferência entre os poderes.
A PEC altera a quantidade mínima de votos de membros do tribunal para declaração de inconstitucionalidade de uma lei, passando de seis para nove. No caso da súmula vinculante será necessária a aprovação de nove dos 11 ministros (4/5 do total) do Supremo para a publicação.
Segundo a PEC, o efeito vinculante deve ser aprovado, por maioria absoluta, em sessão conjunta no Congresso Nacional. Atualmente, a decisão é tomada por, no mínimo, oito ministros (2/3 do total) e tem efeito vinculante a partir da data da publicação. Caso o Congresso não tome nenhuma decisão no prazo de 90 dias, a súmula terá efeitos vinculantes.
“A proposta consiste em submeter ao Congresso Nacional a decisão do STF, de imediato, efeito vinculante e eficácia contra todos (“erga omnes”): somente após a apreciação do Congresso Nacional reconhecendo a inconstitucionalidade defendida pelo Supremo, é que operaria o efeito vinculante e a eficácia da decisão judicial”, diz o texto da PEC.
— Essa PEC é importante porque o Judiciário vem interferindo em decisões do Legislativo. Hoje há uma invasão dos poderes. Tem sentido uma PEC aprovada no Congresso ser questionada no Supremo? Isso não acontece nos Estados Unidos, mas no Brasil virou rotina. Estão questionando a PEC dos precatórios, dos royalties, e a verticalização das eleições. Isso tem que depender do juiz? — defendeu o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), autor da emenda.
Para dar continuidade ao trâmite da PEC, a Presidência da Câmara terá que criar uma comissão especial para o debater de mérito. Depois a matéria será votada em dois turnos pelo plenário da Câmara.
Nesta quarta-feira, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram duramente a PEC aprovada pela CCJ. Para Gilmar Mendes, a emenda lembra situação vivida no país em 1937 (no Estado Novo), quando Getulio Vargas podia revogar decisões do STF. O presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, está em viagem aos Estados Unidos, onde foi receber homenagem da revista americana “Time” e ainda não comentou a aprovação da PEC.
Para Gurgel, proposta causa perplexidade
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou hoje que, à primeira vista, causa perplexidade a proposta de emenda constitucional (PEC). É o caso do efeito vinculante de súmulas e das decisões sobre a inconstitucionalidade de emendas à Constituição.
No fim do ano passado, o Parlamento o e STF entraram em rota de colisão por dois motivos. Um deles foi a discussão de quem seria a palavra final sobre a cassação de mandatos dos parlamentares condenados no processo do mensalão: se do Congresso ou do Supremo.
O segundo foi a decisão tomada pelo ministro do STF Luiz Fux de impedir o Congresso de analisar os vetos presidenciais à redistribuição dos royalties do petróleo antes de apreciar os vetos anteriores. Essa decisão foi derrubada em fevereiro pelo plenário do STF.
Questionado se está havendo uma revanche dos parlamentares contra o Supremo, Gurgel respondeu:— Não sei. É algo que precisamos analisar. À primeira vista, nós temos que verificar se há aí ofensa à separação dos poderes. À primeira vista, causa perplexidade.
Foto: Ailton de Freitas O Globo