Durante a semana passada, foi exibida, no Jornal do Estado, TV Atalaia, a reportagem “Caos no Cárcere”, feita pelo jornalista Aélio Argolo. Na manhã da última segunda-feira (23), durante o Sergipe Notícias, apresentado na emissora pelo jornalista André Barros, a série de reportagens foi veiculada mais uma vez, mostrando aos ouvintes e telespectadores as reais condições das penitenciárias no estado.
As imagens revelam sofrimento, descuido, falta de gestão. De acordo com o repórter Aélio Argolo, o Sindicato dos Agentes Penitenciários denunciou a situação através de um relatório entregue às autoridades. Fotos mostram a falta de estrutura dentro da unidade. Após a chuva, até a câmera do circuito interno ficou molhada. No teto, as infiltrações. As portas das celas estão corroídas pela ação da ferrugem. Na porta da sala para encontros íntimos, a dobradiça está quebrada. Com a alimentação, o descuido não é diferente. Os sucos servidos aos detentos ficam em baldes e, no isopor sujo, pão e bolo se misturam. Os detentos reclamam. Na enfermaria, a geladeira guarda remédios junto aos alimentos.
Um dos grandes problemas é a superlotação carcerária. Um presídio que deveria abrigar 800 presos, “amontoa” cerca de 2000 detentos. Para patrulhar a área externa, apenas quatro policias militares que trabalham em regime de plantão fazem a segurança em cada penitenciária. Eles só entram em ação se forem solicitados. A burocracia do Complexo Penitenciário Dr. Manoel Carvalho Neto (Copencam) revela concessões estranhas, como a autorização da entrada de uma torta para um detento. Em outro caso, a direção do presídio informa ao juiz que o preso vai à audiência em traje civil por falta de fardamento.
No presídio Juiz Manoel Barbosa de Souza, na cidade de Tobias Barreto, não há nem lugar para sentar. O quadro de funcionários é pequeno para vigiar os 261 presos, mais que o dobro da capacidade normal (111). O presídio foi construído em 1987 e passou 24 anos sem ser reformado. Por falta de manutenção, a estrutura física do prédio em alguns pontos ameaça desabar. A equipe da TV Atalaia percorreu 151 quilômetros até o município de Nossa Senhora da Glória, alto sertão sergipano, e encontrou uma situação semelhante. O estado do presídio Senador Leite Neto é precário. Na unidade, o drama dos agentes penitenciários é o mesmo de outros locais do sistema. 331 presos, onde deveriam estar 177 e, mais uma vez, foram encontrados agentes nas guaritas, que ficam três horas seguidas sem mínimas condições de trabalho, situação que eles não estão autorizados a falar.
No Centro Estadual de Reintegração Social, em Areia Branca, o regime é semiaberto e também há superlotação. À noite, a iluminação é insuficiente, condição que facilita as fugas que, em 2011, foram 18 e, nos primeiros dias desse ano, uma fuga foi registrada. A terceirização de alguns presídios é algo que também incomoda a muitos. No Presídio Jacinto Filho, Bairro Santa Maria, serviços como lavanderia, guarita, uniformes e informática são terceirizados. Um detento de outra unidade prisional custa ao estado cerca de R$ 1500,00/mês. No Jacinto Filho, o valor é de R$ 2400,00. Essa unidade é considerada um modelo para o país, pois nunca nenhum preso conseguiu escapar do local. No entanto, o tipo de gestão, com parte terceirizada, é avaliado como inconstitucional por juristas. Segundo a Constituição Federal, cabe ao estado gerenciar os presídios.
Na cidade de Nossa Senhora do Socorro, existem dois presídios administrados pelo estado. Todos estão lotados. No Cadeião, são 160 presos para a capacidade de 132. Diferente de outras unidades, lá são oferecidos material de limpeza, higiene pessoal e alimentação, impedindo que produtos ilícitos cheguem aos internos. Apesar de a unidade estar com guaritas desativadas, não foi registrada fuga de presos no ano passado. No presídio feminino, instalado no antigo Hospital Psiquiátrico Garcia Moreno, há uma detenta a mais que a capacidade máxima, de 195 vagas. É um dos menos problemáticos do sistema, mas agentes prisionais relatam que há um déficit de armamentos e munições. A falta de controle em dias de visita facilita a entrada de materiais ilícitos. Apesar disso, não há registro de rebelião ou fugas no cárcere.
Na manhã dessa terça-feira (24), em entrevista ao jornalista André Barros no Sergipe Notícias, Manoel Lúcio, diretor do Desipe (Departamento do Sistema Penitenciário em Sergipe), tentou esclarecer os fatos mostrados na reportagem. Segundo ele, o sistema penitenciário, nos últimos anos, passou por grande evolução. “Acredito que as imagens mostradas na TV Atalaia foram feitas há muito tempo. Em Areia Branca, por exemplo, foi mostrado um isolamento que já não é assim. Há também outros equívocos que eu gostaria de esclarecer. Foi dito que, no Cadeião de Socorro, são 132 vagas quando, na verdade, temos 160 e hoje existem 157 presos. Ou seja, há vagas para mais três”, explica.
Em relação aos serviços terceirizados, o diretor confirma a medida. “Antes, quem preparava a alimentação dos presos eram os próprios agentes. Hoje, cada unidade tem uma licitação e nós oferecemos quatro refeições diárias, todas de excelente qualidade. Estive no Copencam na sexta-feira e vi a qualidade dos alimentos”, ressalta. De acordo com Manoel Lúcio, o presídio foi construído para abrigar 800 presos. Atualmente, são 1918 detentos, número muito acima da capacidade. “Foram feitas algumas adaptações e conseguimos abrigar até 1000, cada um em sua cama. Lá existem algumas oficinas, que não estavam em funcionamento, e agora são ocupadas por internos”, revela.
Questionado sobre a ressocialização, Manoel explica que “67% dos presos sergipanos são provisórios (ainda não receberam sentença). Mesmo assim, existem aproximadamente 1000 detentos que trabalham e recebem até três ou quatro salários mínimos”. Em relação à segurança, as guaritas, hoje, não são mais ativadas por Policiais Militares e a guarda se restringe aos agentes penitenciários.
Desafio no ar
Ao final da entrevista, o jornalista André Barros lançou um desafio ao diretor do Desipe, solicitando que a equipe acompanhasse, in loco, as condições das penitenciárias sergipanas, já que o diretor alegou que as imagens mostradas na TV Atalaia são antigas. O desafio foi aceito.
É necessário que as autoridades do judiciário e do estado tomem atitudes em relação a esses casos. A prisão, por si só, já é uma forma de os presos pagarem pelos seus erros. Mantê-los em condições sub-humanas, maltratando-os, vai de encontro aos Direitos Humanos que, por mais crimes que tenham cometido, ainda é um direito que lhes pertence. Sim, a justiça deve ser feita, mas, antes de qualquer coisa, deve existir, como bem disse José Saramago, “o respeito pelo direito a ser o que a cada ser humano assiste”. O tempo de repressão já passou.
*Por Lays Millena, com informações do repórter Aélio Argolo