*Manuela Rached Pereira
Partidos de esquerda lançaram ao menos 560 agentes de segurança como candidatos a vereador. O UOL conversou com quatro deles, que buscam se distanciar do estereótipo punitivista das chamadas “bancadas da bala”.
O que aconteceu.
Há ao menos 5.082 agentes de segurança concorrendo a vereador em 2024, 11% deles de partidos de esquerda. A grande maioria faz parte de partidos de direita e centro, sendo o PL a sigla com mais candidatos policiais ou militares (763). O levantamento do UOL considerou policiais militares e civis, bombeiro militar e militar reformado. Outras profissões de segurança pública, como guardas civis e policiais federais, não são especificadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Policiais candidatos por PT e PSOL ouvidos pelo UOL são contra a “guerra às drogas” e a favor da desmilitarização das policias. “A gente vê parlamentares da área da segurança pública surfarem em uma onda punitivista, na lógica do ‘bandido bom é bandido morto’, e queremos nos contrapor a esse senso comum”, diz Mário Leony, delegado de polícia civil há 23 anos e candidato do PSOL a vereador de Aracaju (SE).
“Nem herói, nem vilão. Trabalhador”, diz slogan político de candidatos de esquerda sobre a figura do policial. “Muitos policiais não se entendem como classe trabalhadora e, nessa condição, apoiam posicionamentos políticos que os desfavorecem e prejudicam a sociedade como um todo”, defende a delegada Maria Nysia, que disputa um cargo de vereadora em Pontal do Paraná (PR) pelo PT.
O “policial herói” não precisa de direito trabalhista, não precisa ter direito à hora extra, a férias (…). Ele está ali atuando para matar e para morrer, sem se dar conta de que, quando morre, não passa de uma peça de substituição nesse sistema perverso.”
-Mário Leony (PSOL), delegado da polícia civil e candidato a vereador de Aracaju.
Desmilitarização das polícias.
Formação militar é pensada para “guerra” contra juventude negra e periférica, avaliam candidatos. “Não há formação para a prevenção e mediação de conflitos, mas para a neutralização do que chamam de inimigo, que nada mais é que os jovens pobres e pretos da periferia”, diz Fabrício Rosa, policial rodoviário federal licenciado, vereador e candidato à reeleição em Goiânia (GO) pelo PT.
“Reivindicamos um serviço mais humano e eficiente para os policiais e a sociedade”, diz ex-PM. Para Thomas Vieira, ex-cabo da Polícia Militar de Minas Gerais e candidato a vereador de Cataguases (MG), “a militarização impõe que o policial seja super-herói o tempo todo, como se não sentisse dor, não tivesse sentimentos ou emoções”. Por isso, defende “uma ótica mais ampla e humanizada da segurança pública, para além da repressão e do aumento da população carcerária”.
“Militarismo obriga policiais a esconderem sua subjetividade”, diz candidato. Fabrício Rosa, que trabalhou como tenente da Polícia Militar antes de entrar na PRF, é gay e relata que escondeu sua orientação sexual dentro da corporação militar para “não sofrer punições” de colegas e comandantes.
Polícias “adoecidas”.
Candidatos também defendem reformas estruturais para proteger a saúde dos agentes de segurança. “Nossas polícias estão adoecidas e estamos muito preocupados com nossos policiais, com as jornadas exaustivas de trabalho com má remuneração e com o adoecimento mental. Isso é algo que, muitas vezes, nossos gestores e as regras das corporações policiais gostam de colocar para debaixo do tapete”, afirma o delegado Leony.
Em 2023, foram registrados 118 suicídios entre policiais civis e militares. Em 2022, foram 99. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024.
“Quando passei pela Corregedoria de Polícia, pude ver de perto o quanto os policiais estavam adoecidos, entregues a alcoolismo, drogadição, depressão, ansiedade crônica. Estamos submetidos a uma atuação profissional extremamente estressante, num país marcado por desigualdades e violência, e a uma obediência cega dentro das corporações.”
– Mário Leony (PSOL), delegado da polícia civil e candidato a vereador de Aracaju.
“Bandido bom é bandido…”
Candidatos também discordam da visão “bandido bom é bandido morto”. A expressão é difundida em debates de segurança pública dentro e fora da política.
Para os agentes de segurança de esquerda, “bandido bom é bandido recuperado”. Os candidatos realçam que o Brasil não prevê pena de morte. Para a delegada Maria Nysia, a frase “engana quem sofre com a violência, deseja justiça e teme a criminalidade”, pois não ajuda a resolver os problemas de segurança pública.
“Bandido bom é bandido ressocializado, reintegrado à sociedade. (…) Essa frase representa um ódio aos pobres porque esse bandido, na leitura de quem defende a ideia, geralmente é um jovem preto da periferia, e certamente não é um político ou empresário que rouba milhões do orçamento.”
– Fabricio Rosa (PT), policial rodoviário federal licenciado, vereador e candidato à reeleição em Goiânia.
“É uma frase muito ruim. O crime mais bárbaro do Código Penal é matar alguém. E os policiais também são guardiões do Código Penal. E aí estamos pedindo que uma pessoa seja morta? Eu acho que bandido bom é um bandido recuperado.”
– Thomas Vieira, ex-cabo da PM-MG e candidato de Cataguases (MG).
“A Constituição proíbe a pena de morte. Mas a gente vê essas execuções acontecerem e serem celebradas por uma parte considerável da sociedade brasileira. É a naturalização da barbárie, isso é terrível.”
– Mário Leony, delegado e candidato de Aracaju.
“Policiais “antifascistas”
O movimento “Policiais Antifascismo” lançou onze candidatos a vereador e um a prefeito neste ano. Seus membros defendem propostas que incluem a descriminalização da maconha e políticas sociais de prevenção à criminalidade.
Filiados ao grupo se posicionam contra a militarização da polícia, o armamento da população e o aumento do proibicionismo das drogas. “Estamos escrevendo um plano de segurança pública com propostas focadas na prevenção [de crimes] e na não militarização”, afirma Fabrício Rosa, um dos fundadores do movimento.
“Entendemos que a opção pela guerra às drogas leva à morte, ao encarceramento em massa, à intensificação da violência entre a juventude brasileira, ao enriquecimento de facções e alguns políticos e empresários. Essa escolha política é um dos principais fatores que tiram a vida da juventude pobre, preta e periférica — e também dos policiais.”
Por Manuela Rached Pereira, Do UOL, em São Paulo
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