Odirley Batista Moreira*
A lagosta é um crustáceo marinho muito apreciado na nossa culinária, uma especiaria como dizem. Mas a vida da Lagosta é marcada por um eterno dilema: enquanto seu corpo cresce sua casca permanece do mesmo tamanho. Então dentro de um intervalo determinado pela espécie ela precisa trocar seu invólucro para continuar seu ciclo de vida. Esse simples evento natural nos serve de metáfora para muitas situações de nossa vida. Um filho que fica adulto e precisa buscar seu destino. Uma empresa que cresce e precisa buscar um novo galpão. E serve também para o que lhes apresentarei nas próximas linhas.
A cidade acompanha atenta a um debate que vem atravessando os anos e se tornando cada dia mais evidente. Talvez por estar chegando a uma encruzilhada, exigindo que os atores que vivem a cidade (poder público, sociedade civil) decidam que direção tomar. Estou me referindo à famosa prévia carnavalesca da nossa capital: O Pré-Caju. Para despejar luz e iluminar o caminho que pretendo construir através deste texto precisamos fazer uma breve reflexão sobre o evento, a cidade e os direitos civis.
Há um claro descompasso entre a festa e a cidade. A ASBT trata o evento como se estivéssemos na década de 90 do século passado, ignorando os quase 200 mil habitantes a mais que Aracaju ganhou nos últimos vinte anos. Desconsidera que a frota de veículo hoje é imensamente maior do que há 20 anos. E que o local do evento é para Aracaju hoje o que a artéria aorta é para o nosso corpo. Interditar a Beira-mar a partir das 16 h em dois dias comerciais é, portanto, estrangular a cidade. É condenar cidadãos que precisam voltar para casa a uma torturante odisséia de até três horas dentro de um coletivo como em alguns relatos.
Sem contar os demais transtornos que são verdadeiras quebras dos direitos civis como é o caso da total imobilização dos moradores do bairro 13 de Julho que ficam enclausurados em suas casas e apartamentos. Alguém já pensou o que deve fazer um idoso ou uma criança que passa mal à meia noite durante a passagem dos arrastões? Ou vamos adotar o famoso “os incomodados que se mudem”, frase de tão baixo nível, mas infelizmente muito utilizada por uns poucos jornalistas defensores do evento no formato atual.
E o que faz o cidadão que perde, por dois meses, o seu calçadão. A sua ciclovia. Pois o processo de montagem e desmontagem da estrutura do evento interdita parcial ou totalmente o calçadão da Beira Mar e da 13 de Julho por quase dois meses. Em uma cidade tão carente em equipamentos públicos de lazer e atividades físicas isso não deveria ser visto como absurdo pelo poder público? Não está na hora de repensar o Pré-Caju para que a festa continue gerando a alegria dos foliões, mas respeitando a cidade que se intitula de todos? São perguntas que precisam urgentemente ser respondidas.
Mas o fato é que a lagosta cresceu e não cabe mais em sua casca atual, precisa trocá-la com urgência para continuar bela e saudável, precisa trocar para seguir em frente mais confortável e tranqüila. Acho que um simples ser dos nossos mares que vive embaixo do manto verde do mar poderia dar boas dicas à ASBT. Dá um pulinho lá na beira da praia e quem sabe não encontra uma lagostinha que te ajude a entender como se faz.
*Geógrafo e professor das redes municipal e estadual da educação.