A Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe aprovou e o Governador do Estado sancionou a lei complementar estadual n° 213, que “reestrutura o quadro permanente dos profissionais do magistério público estadual de que trata a Lei Complementar n° 61, de 16 de julho de 2001, e dá outras providências”.
Na data de 26/12/2011, a Lei Complementar n° 213 foi publicada no Diário Oficial. Ela determina, em seu Art. 1°, a extinção do nível I do Quadro Permanente dos Profissionais do Magistério Público Estadual. Realoca os demais níveis da carreira do magistério, antes II, III, IV e V para I, II, III e IV (Art. 1°, § 1°). Determina, ainda, a criação de um quadro permanente do magistério estadual em extinção, composto pelos profissionais que até então integravam o antigo nível I (Art. 1º, § 2°).
Na última coluna publicada no ano de 2011 (“Inconstitucionalidades de fim de ano” -http://www.infonet.com.br/mauriciomonteiro/ler.asp?id=122054), apontei que uma das leis inconstitucionais (das diversas aprovadas pela Assembleia Legislativa pouco antes do início do recesso) era exatamente essa, pelos motivos explicitados adiante.
A estrutura legal da carreira do magistério público do Estado de Sergipe, nos termos da Lei Complementar n° 61/2001, previa que o nível inicial da carreira era o nível I, no qual a formação exigida era a formação em “nível médio, na modalidade normal”. Para os demais níveis, as formações exigidas eram habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena, pós-graduação “lato sensu”, mestrado e doutorado.
Nesses termos, a habilitação mínima para o exercício da profissão de professor, na rede pública estadual, era a formação em “nível médio, na modalidade normal”. Previsão legal que não se contrapunha ao que estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/96). Com efeito, dispõe muito claramente a LDB, em seu Art. 62: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal” (grifou-se).
Com a extinção do antigo nível I na carreira do magistério público estadual, professores com formação em nível médio, na modalidade normal, não mais poderão vir a integrar os quadros docentes da rede oficial de ensino do Estado de Sergipe. E é exatamente nesse ponto que reside a inconstitucionalidade formal da Lei Complementar Estadual n° 213.
É que, ao extinguir o nível médio, na modalidade normal, como formação mínima para o ingresso na carreira do magistério estadual, a Lei Complementar n° 213 invade competência legislativa constitucionalmente reservada à União. Isso porque compete privativamente à União legislar sobre “condições para o exercício de profissões” (Art. 22, inciso XVI) e sobre “diretrizes e bases da educação nacional” (Art. 22, inciso XXIV).
A competência legislativa dos estados, em tema de educação, nos termos da Constituição, é a de elaborar normas específicas. Com efeito, legislar sobre educação é matéria de competência concorrente de União, Estados e Distrito Federal (Art. 24, inciso IX); e, em tema de competências legislativas concorrentes, a União deve se limitar à elaboração de normas gerais (Art. 24, § 1°), cabendo aos Estados exercer a competência suplementar (Art. 24, § 2°), ou seja, elaborar as normas específicas.
Não cabe aos Estados, portanto, legislar sobre o requisito mínimo para o exercício da profissão de professor, mesmo da sua rede pública, pois isso é tarefa constitucionalmente reservada à União, que dela já se desincumbiu, elaborando a Lei n° 9.394/96 (LDB), acima citada.
Esse modo de ver as coisas não faz tábula rasa da autonomia dos Estados para dispor, por suas leis, sobre a organização da carreira de seus servidores públicos. Os Estados preservam essa autonomia, mas não podem impor condicionantes para o exercício profissional (tarefa reservada à União), nem disciplinar, por lei estadual, o requisito mínimo para o exercício de função docente na educação básica.
Há um precedente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que bem se aplica ao raciocínio que estamos aqui a desenvolver. É o julgamento da ADI n° 1.399-8, proposta pelo Governador do Estado de São Paulo em face de lei daquela unidade da federação que determinou que o ensino de educação artística, mesmo nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, fosse ministrado por professor especialista.
O STF julgou a ação procedente (em 03.03.2004). O Relator, Ministro Maurício Corrêa, frisou que essa previsão legal invadia competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional:
“Está claro, portanto, que a norma impugnada, ao prescrever que o ensino de educação artística nas escolas públicas estaduais de 1º e 2º graus ‘deverá ser ministrado por professor com formação específica’, extrapolou a competência do Estado-membro, não simplesmente porque foi além do disposto na lei federal, mas por ter regulamentado matéria reservada à União.
(…)
(…) ressai claro que os requisitos para o exercício do magistério está inserido no conceito de diretrizes e bases da educação nacional, tema reservado à legislação federal.” (grifou-se).
Substituam-se as referências à lei estadual paulista pela Lei Complementar n° 213 do Estado de Sergipe; substituam-se também as referências à exigência de que o ensino de educação artística seja ministrado por professor com formação específica pela exigência de que a habilitação mínima para exercício de função docente na educação básica, mesmo nos quatro primeiros anos do ensino fundamental, se dê em nível superior, inadmitida a formação em nível médio na modalidade normal; a conclusão será a mesma à qual chegou o STF no caso citado: inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 213/2011, do Estado de Sergipe, por invasão da competência constitucional da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.
É advogado militante no ramo do direito público, membro do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da mesma entidade. É mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará e professor universitário. Atualmente lecionando a matéria Direito Constitucional na Universidade Tiradentes (graduação e pós-graduação).