Superada a votação do texto base do pacote anticorrupção, a Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira, emenda do PDT que tipifica o crime de abuso de autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público. Foram 313 votos favoráveis, 132 contrários e cinco abstenções. O texto, aprovado com amplo apoio dos partidos governistas e da oposição – já que boa parte dos quadros da Casa é de réus ou investigados na Operação Lava-Jato -, passou a ser a prioridade número um dos parlamentares depois que a anistia ao caixa dois e a crimes correlatos foi abortada por um acordo entre o presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros.
“Persona non grata” entre a maioria dos deputados desde que assumiu a relatoria das 10 medidas contra a corrupção, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) foi vaiado e xingado por um plenário lotado ao criticar a emenda do abuso de autoridade.
– Se a emenda serve de punição, de cala a boca, estamos cometendo um erro. É a desconfiguração do projeto. Não cabe ao Parlamento brasileiro se valer do projeto para ameaçar quem investiga e está julgando – afirmou o relator.
O deputado Arthur Lira (PP-AL), investigado na Lava-Jato, rebateu Lorenzoni. Ele chegou a reproduzir no microfone do plenário uma entrevista do relator na qual ele defende a inclusão da medida no pacote das dez medidas, o que agora critica.
Encaminharam contra a aprovação da emenda apenas PSOL, Rede, PV e PPS. Alguns partidos liberaram as bancadas, caso do DEM, legenda do relator. O líder Pauderney Avelino (AM), criticado por ter indicado Lorenzoni para a relatoria, explicou:
– Libero a bancada entendendo que foi o deputado Lorenzoni que trouxe esse tema para o seu relatório e para essa Casa, e depois retirou esse tema do seu relatório – afirmou Avelino.
O texto da emenda prevê que a inclusão do abuso de autoridade deixa “expressa a responsabilidade de quem ajuíza ação civil pública e de improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política”. Pelo novo teor, será caracterizado abuso de autoridade de magistrados o mesmo tipo de conduta já expressa no capítulo sobre crime de responsabilidade. Uma delas é a proibição ao magistrado de conceder entrevista sobre processo ainda a ser julgado ou fazer “juízo depreciativo” sobre despachos, votos ou sentenças. O texto deixa claro também que qualquer cidadão pode representar contra o agente público, mas que ele será julgado pelo tribunal ao qual está subordinado. Caso condenado, o magistrado receberia pena de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa.
O Senado já discute um projeto de lei para enquadrar membros do MP e do Judiciário nesse tipo de crime, defendido por Renan Calheiros, texto que pode chegar à Câmara na próxima semana. Mas os deputados não quiseram esperar a matéria chegar à Casa.
Os deputados que discursaram a favor da punição para juízes e promotores usavam como argumento o abuso de poderes de alguns deles e citavam até caso próprio, como Alberto Fraga (DEM-DF).
– Quantos de nós não teve a honra execrada por uma acusação descabida do Ministério Público. Eu passei oito anos sendo apontado como bandido. Tive que esperar oito anos para que o Supremo (STF) arquivasse o caso – disse Fraga.
O líder do PHS, Givaldo Carimbão (AL) também voto pela punição por abuso de juízes e procuradores e criticou o fato de parlamentares pagarem, segundo ele, pessoas para pressionar colegas nas redes sociais.
– São pessoas pagas para fazer isso, nos pressionar em twitter e facebook. Não estou preocupado se vão me esculhambar na internet. Voto com minha consciência – disse Carimbão.
Vender voto
O eleitor que negociar seu voto ou propor a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou qualquer outra vantagem será sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Crime hediondo
Vários crimes serão enquadrados como hediondos se a vantagem do criminoso ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a 10 mil salários mínimos vigentes à época do fato.
Incluem-se nesse caso o peculato, a inserção de dados falsos em sistemas de informações, a concussão, o excesso de exação qualificado pelo desvio, a corrupção passiva, a corrupção ativa e a corrupção ativa em transação comercial internacional.
Juízes e promotores
A principal mudança feita pelos deputados ocorreu por meio de emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), aprovada por 313 votos a 132 e 5 abstenções. Ela prevê casos de responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária.
Divulgação de opinião
No caso dos magistrados, também constituirão crimes de responsabilidade proferir julgamento quando, por lei, deva se considerar impedido; e expressar por meios de comunicação opinião sobre processo em julgamento. A pena será de reclusão de seis meses a dois anos e multa.
Qualquer cidadão poderá representar contra magistrado perante o tribunal ao qual está subordinado. Se o Ministério Público não apresentar a ação pública no prazo legal, o lesado pelo ato poderá oferecer queixa subsidiária, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações da sociedade civil constituídas há mais de um ano para defender os direitos humanos ou liberdades civis.
Ministério Público
Entre os outros atos que poderão ensejar ação por crime de responsabilidade contra membros do Ministério Público destacam-se a instauração de procedimento “sem indícios mínimos da prática de algum delito” e a manifestação de opinião, por qualquer meio de comunicação, sobre processo pendente de atuação do Ministério Público ou juízo depreciativo sobre manifestações funcionais.
A pena e a forma de apresentação da queixa seguem as mesmas regras estipuladas para o crime atribuível ao magistrado.
Acusação temerária
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) também é modificada pela emenda aprovada para prever como crime a proposição de ação contra agente público ou terceiro beneficiário com ato classificado como “temerário”. A pena é aumentada de detenção de seis a dez meses para reclusão de seis meses a dois anos.
Ação civil pública
A emenda de Rocha prevê ainda que, nas ações civis públicas “propostas temerariamente por comprovada má-fé, com finalidade de promoção pessoal ou por perseguição política”, a associação autora da ação ou o membro do Ministério Público será condenado ao pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios.
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por Leticia Fernandes e Evandro Éboli, O Globo e Agência Câmara