O juiz João Hora Neto determinou o afastamento do Presidente da Coopertalse, Valdenes Ferreira. Ficam também, de acordo com a decisão, indisponíveis, bens em seu nome e no nome da esposa.
Veja a íntegra da decisão:
Da Prova Pericial Contábil Observo que um dos pedidos se reporta à prova pericial contábil dos exercícios financeiros dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, bem como o inventário patrimonial dos referidos exercícios.
A prova pericial acha-se prevista nos arts. 464/480 CPC, sendo considerada a rainha das provas pela doutrina. In casu, DEFIRO A PERÍCIA, à vista da complexidade fática e jurídica da lide, diante de cerca das 20(vinte) supostas irregularidades narradas na exordial e supostamente praticadas pelos Réus, afora o aspecto de que tais fatos ilícitos majoritariamente se reportam a numerários, valores, dinheiros, bens móveis, etc – razão pela qual entendo que é imprescindível conhecimento técnico específico para auxiliar esse Juízo, mediante perícia contábil especializada.
A perícia é pertinente e absolutamente necessária, a despeito de os autores já terem realizado uma auditoria contábil particular, unilateral, via empresa MPK – Contabilidade & Consultoria, acostada aos autos, pag. 4221 e segs.
Impõe-se, pois, uma perícia judicial contábil, mediante o crivo do devido processo legal, de sorte que assim NOMEIO PERITO JUDICIAL o Dr. JOSÉ RAIMUNDO ARAÚJO, Contador, a ser intimado na Rua Homero Oliveira, nº 325, Condomínio Riviera, Edifício San Remo, apto. 301, Bairro 13 de Julho, nesta Cidade, CEP 49020-190, tels: (79) 3246-1596 e (79) 88361598, para dizer se aceita a nomeação no prazo de 05(cinco) dias. Por oportuno, atente o perito(expert), ora nomeado, para o fato de que a negativa quanto à execução do múnus só é possível quando existam motivos justificáveis, tais como – impedimento, suspeição, desconhecimento da matéria, falta de condições técnicas ou falta de treinamento específico pericial na área, interesse na causa, fato que deve guardar segredo, etc.
De acordo com o art. 465 § 2º CPC, em caso de aceitação do encargo, o perito ora nomeado deverá apresentar, no prazo de 05(cinco) dias, sua proposta de honorários, currículo e contratos profissionais. Com a resposta, intimem-se as partes, por seus patronos, para, no prazo comum de 05(cinco) dias, manifestar-se, conforme art. 465 § 3º CPC. 3 – Da Tutela de Evidência – Afastamento – Poder Geral de Cautela – Interesse do Processo – Teoria do Domínio do Fato Doutrinariamente, diz-se que as tutelas provisórias são tutelas jurisdicionais não definitivas, fundadas em cognição sumária – isto é, fundadas em um exame menos profundo da causa, capaz de levar à prolação de decisões baseadas em juízo de probabilidade e não de certeza, consoante magistério do eminente processualista Alexandre Freitas Câmara.
A tutela provisória(gênero) pode ser de urgência ou emergência(espécies), ut art. 294 CPC. No início da lide, deu-se o indeferimento da tutela antecipada, em 02/10/2015, pags. 540/542, ainda sob a égide do CPC/73, sendo que, uma vez inciada a instrução, os autores reiteraram o pedido de tutela de evidência, conforme assentado no termo de audiência de 30/09/2016, ocasião em que se deu a oitiva dos litigantes em depoimento pessoal.
Ressalte-se que a tutela de evidência reiterada alcança o afastamento imediato de todos os Réus da administração da Coopertalse ou, alternativamente, o afastamento exclusivo do Réu Valdenes Ferreira da Presidência e/ou exclusão deste do quadro de cooperados. Pois bem. Também diz a doutrina que a ‘tutela de evidência’(art. 311 CPC) é sempre requerida em caráter incidental e tem natureza satisfativa, prescindindo do requisito da urgência ou periculum in mora.Em linhas gerais, pois, trata-se de uma tutela antecipada não urgente.
Uma vez já iniciada a instrução, quer seja pela primacial prova oral já colhida(depoimentos dos litigantes), quer seja pela farta documentação acostada, – entendo que o cenário processual agora é outro e que, em sede de cognição sumária, faz-me convencer da probabilidade máxima(evidência) da existência do direito substancial alegado pelos demandantes. No caso, a tutela de evidência se funda nos termos do art. 311 IV CPC, tendo os autores bem se desincumbido do onus probandi(art. 373 I CPC), ou seja, do fato constitutivo do seu direito, pois a prova até então colhida, em sede de cognição preambular, dá conta de fortes indícios de irregularidades na administração e gestão da Cooperativa, não tendo os Réus, por seu turno, apresentado prova capaz de gerar dúvida razoável(art. 311 IV parte final CPC).
Aqui – registre-se – não examino a questão política interna entre os contendores, que por certo deve existir, sendo isso natural e lógico em qualquer agremiação, privada ou pública. Contudo, o que se evidencia são os fortes indícios de abuso de direito(art. 187 CC) por parte do Presidente da Cooperativa, o Réu Valdenes Ferreira, na presidência há mais de 16 anos, não zelando a contento pelos destinos da Cooperativa, que é uma pessoa jurídica de direito privado(art. 44 CC), isto é, uma sociedade cooperativa que requer uma gestão transparente, solidária, ética, em prol do cooperado – que em essência é dono e usuário da cooperativa.
Nesse apanágio, conceitua a doutrina que “cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida”.
Fundamentalmente, o cooperado é, ao mesmo tempo, dono e usuário da cooperativa, e os resultados positivos ou negativos são de responsabilidade da cooperativa, quer dizer, de todos os cooperados. No caso vertente, não obstante ainda em fase instrutória, os autos revelam indícios veementes de uma gestão pouco ou nada democrática, pouco ou nada transparente, pouco ou nada ética, pouco ou nada solidária – em detrimento do ideal solidário, transparente e democrático que deve permear qualquer sociedade cooperativa. Uma cooperativa não tem dono, ou melhor, o dono dela são os cooperados – que suportam o ônus e auferem o bônus — pois, como bem dizem os romanos, quem aufere o bônus suporta o prejuízo – eis a máxima, o axioma. In casu, os autos dão conta de situações graves, ainda que sob a forma de indícios veementes, que assim resumo:
1 – o fato de o Presidente da Cooperativa, o Réu Valdenes Ferreira, figurar, a partir de 22/06/2012, como sócio(representante legal) e administrador da empresa União Distribuidora de Veículos e Peças Ltda – Union – com sede no Município de Nossa Senhora do Socorro, empresa essa que vendera inúmeras peças à Cooperativa, também presidida pelo próprio Valdenes Ferreira, constituindo isso em algo paradoxal e, no mínimo, pouco ético, isto é, é como se o réu Valdenes comprasse a ele mesmo ou como se o réu Valdenes vendesse a ele próprio. Nos autos, constam inúmeras notas fiscais enviadas pela Secretaria da Fazenda do Estado referentes ao período de dezembro de 2012 a setembro de 2015, conforme documentação juntada em 29/12/2015, restando evidenciado que todas as transações se deram sob sua gestão, na condição de vendedor e comprador, simultaneamente, denotando notória confusão patrimonial ou temerária gestão financeira;
2 – o fato pertinente ao código 999 no sistema, como se revelando indícios de fraude na contabilidade financeira da Cooperativa, a merecer detalhamento na perícia contábil a ser feita;
3 – o fato relativo à retirada de 91 pneus da marca Continental da conta 999, igualmente a revelar indícios de fraude contábil/financeira, se em nome da Cooperativa ou da empresa Union, esta de sua propriedade;
4 – o fato referente à cobrança de uma taxa extra, além do ICMS no valor de 14% para as autorizações de viagens;
5 – o fato de haver suposto enriquecimento indevido(arts. 884/886 CC), considerando que o Réu Valdenes ingressou na Cooperativa desde a sua fundação, como cooperado, e que à época tinha um patrimônio bem menor do que o atual, além de existir bens em nome da sua esposa, sendo esta também sócia da empresa CL Transporte. Nesse ponto, observe-se que, conforme confissão do próprio réu Valdenes em audiência, este, quando ingressou na Cooperativa, na condição de fundador, nos idos de 1996, tinha um patrimônio similar aos demais sócios fundadores e também cooperados, mas que, com o passar dos anos, estando na presidência há 16 anos, os autos dão conta de fortes indícios de que o Réu Valdenes Ferreira tenha aumentado substancialmente o patrimônio familiar, consoante as certidões cartorárias juntadas, fato que, muito provavelmente não tenha acontecido com os demais cooperados fundadores;
6 – o fato envolvendo o registro contábil de despesas com combustível, não obstante os poucos carros pertencentes à Cooperativa, havendo real dúvida sobre suposto maquiamento de valores consideráveis;
7 – o fato envolvendo o recebimento do Estado de Sergipe para a Cooperativa de 10(dez) ou mais linhas de ônibus advindas da insolvência das empresas Viação São Pedro, Rotasul, Santa Maria, sem qualquer processo licitatório, considerando tratar-se de bens públicos.
Além disso, a recente notícia veiculada no semanário Cinform, cuja reportagem acha-se acostada aos autos, dando conta de suposta venda de linhas(bem públicos) ao arrepio da legislação.
Acrescenta-se a isso a pouca transparência na gestão do Réu Valdenes Ferreira, presidente há 16 anos, considerando inclusive que no mundo dos fatos há uma diminuta participação dos cooperados no sentido de cobrar a prestação de contas, ficando tais prestações restritas a poucos cooperados interessados, e que, de resto, tais prestações são subscritas pelos membros do Conselho, em tese obedientes ao Presidente, detentor da palavra final, na esteira da teoria do domínio do fato, o autor mediato.
Também as situações descritas denotam razoável suspeita de desvio de finalidade da Cooperativa, com indícios de gestão temerária e fraudulenta e até confusão patrimonial – em sede de desconsideração da pessoa jurídica(art. 50 CC) – merecendo uma medida saneadora e emergencial capaz de estancar a má gestão em prol do soerguimento da Cooperativa para o bom proveito de todos os donos, os cooperados. Diante disso, entendo que há elementos suficientes apenas para o afastamento do Réu Valdenes Ferreira da presidência da Cooperativa, mas sem a exclusão deste do quadro de cooperados, por entender prematura.
Malgrado isso, registro que não há elementos suficientes para afastar os demais Réus,também membros do Conselho Administrativo, pois não há um nexo causal direto, afora o aspecto de que o afastamento dos demais cinco Réus prejudicaria o dia-a-dia da Cooperativa, mormente nesse instante de crise, deixando ainda mais acéfala a administração da sociedade.
DEFIRO, pois, a TUTELA DE EVIDÊNCIA EM PARTE e, de conseguinte, DECRETO O AFASTAMENTO IMEDIATO DO RÉU VALDENES FERREIRA da presidência da Coopertalse, com base no art. 311 IV CPC c/c art. 187 CC, além do poder geral de cautela a cargo do Juiz(arts. 130 e 370 CPC),ficando estabelecida multa diária(astreintes) de R$ 1.000,00(mil reais), nos termos do art. 537 § 4º CPC, em caso de descumprimento desta decisão.Por conseguinte, casso o direito à percepção de pro-labore, atualmente no montante de R$ 10.000,00, e de qualquer outra vantagem financeira advinda do exercício da Presidência, enquanto persistir o afastamento, até ulterior deliberação.
Por conseguinte, fica autorizado o Réu, JOSÉ MESSIAS DE CARVALHO, atual vice-presidente, a exercer a presidência da Coopertalse, interinamente, inclusive com direito à percepção do pro-labore, até a efetiva assunção do administrador-judicial ora nomeado. 4 – Da Nomeação do Administrador Judicial Considerando a necessidade em preservar a Cooperativa na consecução dos seus ideais estatuários e, à vista do afastamento do Presidente que ora determino, impõe-se a nomeação de um Administrador Judicial para dar continuidade a gestão da sociedade – e que este permanecerá no cargo até ulterior deliberação desse Juízo, o que, por certo, coincidirá com a eleição do novo Conselho de Administração, em data oportuna.
De conseguinte, NOMEIO ADMINISTRADOR JUDICIAL o Dr. ARIVALDO BARRETO CONCEIÇÃO JUNIOR, no cargo de auxiliar do juízo, inscrito na OAB/SE 2775, tels: 9979-1488 e 8877-9351, CPF 921.288.685-20, a ser intimado na Avenida Francisco Porto, nº 978, Galeria Anna Raíssa, sala 02, Bairro Salgado Filho, CEP 49020-570, nesta cidade, para dizer se aceita a nomeação no prazo de 05(cinco) dias. Por oportuno, atente o administrador(expert), ora nomeado, para o fato de que a negativa quanto à execução do múnus só é possível quando existam motivos justificáveis, tais como – impedimento, suspeição, desconhecimento da matéria, falta de condições técnicas ou falta de treinamento específico pericial na área, interesse na causa, fato que deve guardar segredo, etc.
De acordo com o art. 465 § 2º CPC, em caso de aceitação do encargo, o auxiliar ora nomeado deverá apresentar, no prazo de 05(cinco) dias, sua proposta de honorários, currículo e contratos profissionais.
Com a resposta, intimem-se as partes, por seus patronos, para, no prazo comum de 05(cinco) dias, manifestar-se, conforme art. 465 § 3º CPC. Ratifico ainda que, enquanto não formalmente investido nas funções de Administrador Judicial, fica o vice-presidente atual, o Réu José Messias de Carvalho, autorizado a exercer a presidência da Coopertalse, interinamente, cessando isso tão logo o Administrador Judicial assuma o múnus.
5 – Da Indisponibilidade de Bens do atual Presidente – Poder Geral de Cautela – Interesse do Processo – Princípio da Eficácia Com base no Poder Geral de Cautela do Juiz(art.370 caput c/c art. 139 CPC), e, com supedâneo no Princípio da Eficácia Processual(arts. 6º, 8º e 188 CPC c/c art. 5º XXXV CF), entendo conveniente, pertinente e necessária a indisponibilidade dos bens imóveis do atual Presidente, ora afastado, considerando eventual e suposta ação regressiva, a depender do julgamento meritório final. Tal medida, a meu juízo, acha-se em consonância com a moderna processualística, segundo a qual todo o processo deve primar por um resultado prático e útil, não sendo admissível a velha chicana jurídica do ganha mas não leva. Nesse cotejo, impõe-se efetivar o interesse do processo, que, em suma, significa restabelecer a lesão do direito material pretendido, acaso aqui os autores saiam vitoriosos. Portanto, o bloqueio dos bens imóveis já informados e documentados nos autos é medida imperiosa, útil e necessária – razão pela qual, de ofício,decreto a indisponibilidade dos quatro imóveis de propriedade do Réu Valdenes Ferrreira e de sua esposa, Marcia Lailcia Carvalho Santos Ferreira, todos registrados no Cartório do 5º Ofício desta Comarca, matriculados sob nºs 54.693, 77.938, 77.986, 48.691, conforme certidões registrárias acostadas. Para tanto, determino que a Escrivania expeça mandado de registro de indisponibilidade ao Cartório de Registro de Imóveis competente para as averbações devidas, até ulterior deliberação.
Determino, ainda, a indisponiblidade do imóvel pertencente ao referido Réu, um prédio sito no Município de Carira, Sergipe, conforme sua própria confissão em audiência, ainda que o mesmo não tenha título de domínio registrado(escritura pública), isto é, ainda que tenha apenas o título hábil(direito) de posse – o que fica igualmente indisponibilizada/bloqueada a alienação desse prédio/terreno, até ulterior deliberação.
Ratifico, ainda, a indisponibilidade de todos os veículos automotores do réu Valdenes Ferreira, cujos bloqueios já foram consumados em 25/10/2016 por esse Juízo, em número de três veículos, até ulterior deliberação.
6 – Poder Geral de Cautela – Independência das Esferas Judicantes Cível e Criminal – art. 935 CC – Compartilhamento de Prova – Interesse Público – Supostos Ilícitos Fiscais – Concessionária de Transporte Público – Indícios de Venda de Linhas Nesse tópico, registro que apesar do pedido de intervenção do Ministério Público na exordial, entendo que o cerne da lide diz respeito a interesses meramente privados – suposta má gestão de uma cooperativa – sendo esta uma pessoa jurídica de direito privado. Assim, descabe a intervenção ministerial, por ausência de interesse público ou social, não sendo a hipótese de aplicação do art. 178 I CPC.
Contudo, diante da notícia de que linhas de ônibus das empresas insolventes, Rota Sul, Viação São Pedro, Santa Maria, terem sido entregues/cedidas pelo Estado de Sergipe, sem licitação, à Coopertalse – entendo que se consumou o interesse público a partir disso, fato que registrei no item 5 do termo de audiência do dia 30/09/2016, tendo determinado a remessa do traslado ao Ministério Publico, para a apuração devida, o que já foi cumprido pela escrivania, conforme comprovante de 11/10/2016, pag. 4.555.
Dessarte, diante da notícia veiculada no semanário Cinform de que suposta linha de ônibus, que é um bem público, também teria sido alienada pela Coopetalse a terceiro – determino a remessa desta decisão ao Ministério Público, para ciência e providências a seu cargo, na condição de fiscal da lei e advogado da sociedade, considerando, inclusive, a necessidade de apuração dos fatos em sede de responsabilização penal.
Também, à luz de indícios de sonegação fiscal, determino o traslado dos autos e a remessa à DEOTAP – Delegacia de Polícia contra Crimes de Ordem Tributária – para ciência e providências de praxe.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes, por seus patronos. Cumpra-se, mediante certidão nos autos. Aracaju, 11 de novembro de 2016. João Hora Neto Magistrado.
Acompanhe também o SE Notícias no Twitter, Facebook e no Instagram