Júlia Dias Carneiro – Reporter, BBC Brazil
Tudo começou com as madrugadas longas de estudo. Thaynara Oliveira Gomes queria ser defensora pública. Para quebrar a rotina de leituras e vídeo-aulas maçantes, começou a falar sozinha – ela e o celular.
“Milvan, sua filha está com algum problema. Essa menina está falando sozinha no banheiro, Milvan.”
A mãe de Thaynara, dona Antonieta, não entendia nada e compartilhava sua aflição com o marido. Às vezes ouvia a filha falando com alguém no quarto. Quando entrava, ela estava sozinha. Uma tia, muito religiosa, dizia que ali tinha coisa. “Essa menina está indo dormir muito tarde, passa as madrugadas acordada.”
E mais: as pessoas começaram a gritar para a Thaynara quando passavam de carro em frente ao prédio em São Luís, no Maranhão. “Kiu!” O grito era ouvido da sacada do apartamento.
O Oliveira Gomes virou sigla, o concurso para a defensoria pública virou lenda e Thaynara, 24 anos, virou personagem de si mesma – uma celebridade autofabricada e cuidadosamente cultivada no Snapchat.
‘Influenciadora digital’
“Thaynara OG”, como é conhecida e acompanhada diariamente por centenas de milhares de seguidores, é hoje uma das maiores celebridades brasileiras na rede social que bomba sobretudo entre os internautas mais jovens.
O Snapchat não divulga números de seguidores nem dados sobre o Brasil, mas os vídeos de Thaynara chegam a ter 650,000 visualizações cada, como monitora diariamente na tela do aplicativo.
Ela já não para mais de três dias seguidos em casa. Viaja o Brasil convidada para eventos, foi contratada como “embaixadora” de diversas marcas, foi para Genebra como parte da equipe que trouxe a tocha olímpica para o Brasil e, outro dia, estava no programa da Xuxa na Record.
Seu perfil tem quadros que passam a ser esperados pelos seguidores – como o “Thay responde”, em que responde a perguntas, ou o da Jade Sinistra, sua poodle: ela insere a voz metalizada do tradutor do Google para fazer a cachorrinha falar.
“As pessoas usavam o Snap para postar o que comem, fotos de paisagens, e comecei a fazer vídeos interagindo com os seguidores. Meu perfil era privado mas foi chamando atenção de pessoas que não me conheciam. Chegou um ponto em que tive que torná-lo público.”
A fama começou em outubro do ano passado, e de repente o perfil de Thaynara estava sendo mencionado ou seguido por celebridades como Bruna Marquezine, Fernanda Souza, Otaviano Costa e Padre Fábio de Mello. Em janeiro deste ano, ela largou tudo para trabalhar “só com internet” – dedicando-se à carreira de “influenciadora digital”, os formadores de opinião da nova geração.
‘Gente como a gente’
Nas muitas postagens que faz por dia, Thaynara expõe um pouco do rotina, da intimidade e das pessoas a seu redor.
“Acho que as pessoas se identificam comigo porque sou ‘gente como a gente’. Apareço meio bagunçada, me mostro vulnerável, me emociono, fico indignada”, diz.
“A gente já viveu a fase da idealização, em que as pessoas seguiam quem elas queriam ser. Hoje seguem aquelas com quem se identificam, que passam uma verdade.”
Quando a tocha olímpica chegou a São Luís, em junho, Thaynara foi personagem-chave do revezamento, convidada para o momento de honra do evento – foi a última a carregar a tocha no dia, e subiu no palco da grande festa junina armada em sua cidade-natal para acender a pira olímpica e encerrar a noite.
A equipe da BBC Brasil acompanhou o percurso – assim como a histeria dos fãs gritando seu nome enquanto ela passava.
‘Do Maranhão para o mundo’
Mas a fama de Thay, como se identifica na “amizade sincera” que estabelece com os “seguidores”, também chama atenção por ela ter conseguido romper com perverso fenômeno do “sudeste-centrismo” brasileiro.
“Tudo acontece no eixo Rio-São Paulo. Então muitas pessoas se surpreendem por eu ter bombado na internet e ser de fora desse eixo. Eu sou nordestina, de São Luís, Maranhão, e tenho seguidores no Brasil todo, inclusive de outros países.”
Tanto que um de seus muitos bordões é “do Maranhão para o mundo”, usado sempre que exibe algo típico do seu Estado. Podem ser as praias da capital maranhense (“muita gente não sabe que fica numa ilha”); o casario colonial do centro histórico de São Luís; o jeito de festejar o São João; e o tradicionalíssimo bumba-meu-boi.
O ritual em torno do boi, por exemplo, ganhou quase um tutorial outro dia na festa de Morros, cidade vizinha onde foi madrinha de um grupo folclórico. Thaynara explicou a apresentação e contou estar realizando o “sonho de ser índia” – já que na infância sempre tinha que se vestir de vaqueira, e ficara “traumatizada”. E postou fotos da minivaqueira na escola, com as lágrimas azuis que costuma desenhar sobre seus vídeos – outra marca registrada.
Fora o “kiu”, expressão que, segundo ela, é usada por alguns maranhenses e virou seu grito de guerra – e quase uma senha entre seus seguidores. “É uma espécie de vaia, de zoeira, usado quando queremos brincar com os amigos ou em alguma situação bagaceira.”
‘Thaynara Spears’
Na infância, Thaynara era obcecada por Britney Spears. “Eu dava autógrafo assinando Thaynara Spears e mandava para as minhas amigas, dizendo que um dia ia ser famosa.”
Ela é a filha do meio de três irmãs, e mora com os pais e a irmã mais nova. O apartamento hoje é cheio de quadros e miudezas com suas fotos ou bordões. O quarto de hóspedes virou depósito para as pilhas de presentes que recebe de fãs e de marcas.
A mãe, Antonieta, é dona de casa – a terceira de 15 irmãos, nascida “no interior do interior”, em Campo Maior, no Piauí. O pai, Milvan, é “juiz de direito” – um de seis irmãos, todos batizados com variações em que os pais, Militão e Evangelina, “casaram” seus próprios nomes: além de Milvan, os tios de Thaynara se chamam Milevan, Milina, Mivan e Militão Filho.
Ela diz que, no começo, não contava dos “snaps” para os pais porque tinha vergonha. Eles perguntavam e ela desconversava – dizia que estava postando coisas em um aplicativo na internet.
Até que um dia foi para uma festa com a mãe, a mãe encontrou uma amiga e a amiga falou que as três netas estavam ali há horas esperando “uma famosa”. Thaynara apareceu, e as meninas pularam em cima para tirar fotos com ela.
“Disseram que ela era uma blogueira! E famosa!”, lembra Antonieta aos risos.
Sem palavrão
Hoje, os dois acompanham tudo de perto, e instalaram, é claro, o aplicativo. “Meu pai é meu filtro”, diz Thaynara. “Ele fica assistindo tudo e vez ou outra me dá um puxão de orelha.” Como outro dia, quando num vídeo provocando a irmã a chamou de “égua”. “Papai me esculhambou!”
A fama fez com que passasse a tomar mais cuidado com as postagens, evitando filmar em festas ou falar palavrões. “Como a repercussão está cada vez maior, eu tenho uma preocupação com o que eu vou falar ou mostrar, principalmente porque percebi que tenho um público grande de crianças.”
As viagens que faz para eventos ou campanhas aumentou o contato com seu público. “Fui percebendo o quanto isso mexe com as pessoas. Conheci vários seguidores que passaram por momentos difíceis, como a perda de uma familiar ou um tratamento de quimioterapia, que falaram que meus ‘snaps’ ajudaram um pouco a espairecer, a esquecer essas dificuldades.”
Segundo Thaynara, esse calor humano é a parte mais gratificante – e mais chocante. “Você nunca imagina que uma brincadeira com o celular, que começou dentro de casa, possa tocar as pessoas assim.”
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