*Mendonça Prado
Em São Paulo uma criança de dez anos furtou um automóvel e foi morta em confronto com a polícia. Segundo informações veiculadas pela imprensa, o menor já havia praticado outras infrações. Ainda de acordo com notícias divulgadas, os pais da criança têm histórico de práticas delituosas.
Já no Rio de Janeiro, uma menor de 16 anos foi vítima de estupro coletivo, crime que chocou toda a sociedade. Dois casos assombrosos, que muitos atribuem apenas e tão somente a inexistência de um perfeito sistema de segurança.
O próprio presidente da República, motivado pelo crime de estupro contra a jovem, convocou os meios de comunicação e todos os secretários de segurança da federação, para expressar indignação com o caso e anunciar a nomeação da ex-deputada Fátima Pelaes para a Secretaria das Mulheres. Remédio que não cura.
Sem sombra de dúvidas existem dificuldades para uma melhor atuação das forças policiais, pois os recursos empregados são insuficientes, principalmente, por parte do governo federal.
Entretanto, é necessário diferenciar as causas e as consequências. Os fatos narrados acima são decorrentes da omissão do Estado brasileiro, que há décadas não age para combater as causas. Os integrantes da segurança pública não são os culpados, nem resolverão definitivamente a questão.
No Brasil, delitos análogos ocorrem diuturnamente. Infelizmente, as interpretações são diversas e geram comportamentos dos mais variados, inclusive preconceituosos.
É comum ouvir pessoas que chamam crianças desassistidas, vítimas do próprio sistema, de “trombadinhas”. Muita gente desconhece a forma de viver de milhões de brasileiros marginalizados, entregues à própria sorte, sem as mínimas condições de alcançar a chamada dignidade humana.
Para boa parte da sociedade essas questões são esporádicas, pois só passa a ter ciência delas em função dos raros casos publicados no noticiário. Na verdade, ocorrências como essas são registradas em inúmeras localidades. Muitas delas passam incógnitas, deixando no esquecimento as sequelas físicas e psicológicas que marcam pessoas e mentes.
Basta circular em bairros periféricos da maioria das cidades, nos morros do Rio de Janeiro, nas zonas mais humildes do estado mais rico, São Paulo, para constatar quão esquecidos pelo Poder Público estão milhões de compatriotas.
Não é de hoje que nos indignamos com esse quadro avassalador de disparidades, que fazem do Brasil um país injusto dividido entre ricos, pobres e, finalmente, miseráveis.
Essa população de vez em quando deslumbrada por planos econômicos, que só beneficiam os mais abastados, enganada por programas sociais ineficazes, que servem, exclusivamente, para captar votos, passa a enxergar em selvajarias como essas que falta o mais relevante: dignidade.
A ausência de um sistema educacional que proporcione as nossas crianças escolas de qualidade em tempo integral, onde possam assimilar conhecimentos sobre disciplinas previstas em uma grade curricular moderna, línguas estrangeiras, ética, aulas de informática, educação física, cultura e arte são o principal agravante.
O ensino fundamental tem que ser cuidado como uma pedra preciosa. Foi assim que japoneses, finlandeses, poloneses, sul-coreanos efetivamente prosperaram. Se o ensino fundamental não fizer parte dos planos governamentais, está evidente que não há projeto para o futuro da nação.
Se não for propiciada uma educação de qualidade para as crianças, não haverá paz social. Sobre isso Pitágoras doutrinou: “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”.
Não há como vislumbrar um amanhã distinto com famílias inteiras desempregadas, vivendo em bairros totalmente desestruturados. Assim, dificilmente se prevê um ambiente profícuo sem que seja oferecida à população serviços decentes em áreas essenciais.
Portanto, infere-se desse contexto que o país está desgovernado há décadas. Essas pessoas não são apenas integrantes de um mundo onde a delinquência é uma rotina.
No fundo elas são vítimas da anarquia gerencial, da abominável corrupção que leva os recursos que deveriam ser corretamente aplicados em educação, saúde, moradia, transporte, saneamento, infraestrutura e assim sucessivamente.
Não esqueçamos a ineficiência administrativa e do fisiologismo alimentado por hábitos desvirtuados de parcela do eleitorado, que efetivamente se esquece de cobrar uma ação efetiva de seus eleitos.
Essas crianças não são bandidas. Bandidos são os sugadores do dinheiro público que subtraem do povo brasileiro a esperança. Que impedem com os seus malfeitos que a nossa gente não seja cidadã na mais perfeita acepção da palavra.
Essas deformidades que ocasionam estupros, roubos, homicídios, latrocínios e outras iniquidades são brotadas pela precariedade de políticas públicas e, especialmente, pela decomposição da classe dirigente.
Não podemos olvidar que quem desvia o dinheiro da merenda escolar, por exemplo, aniquila o futuro de milhares de pessoas. Assim, essas crianças que avistamos nos derradeiros dias, protagonizando cenas de ferocidade, são vítimas das autoridades de colarinhos brancos.
Quanto aos policiais, neste caso, devemos compreender momentos e circunstâncias. Não podemos responsabilizá-los diante de situações que foram provocadas pela má conduta de poderosos, que enriqueceram ilicitamente em detrimento da fome e da miséria de inumeráveis brasileiros.
A polícia não pode ser confundida com os que agem contra os cidadãos instalados em altas funções da República.
Por essa razão, a esperança do Brasil está na consciência do seu povo na hora de escolher os seus legítimos representantes, bem como no bom desempenho dos componentes do Poder Judiciário, Mistério Público, Polícias Federal e Estaduais.
A política partidária que deveria fazer as transformações está precisando ser completamente reformulada.
Por fim, na condição de político, diante de tantos acontecimentos, sou obrigado a escrever: a nascente de todas as ilicitudes está exatamente na política. Boa parte dos que hoje praticam atos de violência em todas as regiões, não passam de vítimas de um sistema pervertido instalado há anos na República brasileira. Essa é a triste realidade nacional.
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Por Mendonça Prado