Na quinta rodada de audiências públicas para oitiva das testemunhas que foram vítimas do Regime Ditatorial Militar entre 1964 a 1985, a Comissão Estadual da Verdade “Paulo Barbosa de Araújo” ouviu, nesta terça-feira (17), a jornalista, escritora, cineasta, ativista cultural e médica psiquiatra Ilma Fontes, que, apesar de não ter sido presa, sofreu fortes perseguições e ameaças. A Secretaria de Estado da Mulher, da Inclusão e Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos Humanos (Seidh) é responsável pela interlocução entre os membros da Comissão e o Governo de Sergipe.
Em seu depoimento, Ilma relembrou a época que passou no vestibular de Medicina, em 1967. “Eu estava presidente do CEU (Clube do Estudante Universitário), momento em que nossos direitos estudantis foram cassados. Não tinha mais participação no Diretório Central dos Estudantes (DCE) e também não podia falar de política dentro da Faculdade de Medicina, mas consegui permanecer estudando. Fui perseguida, humilhada, postergada. Fui afastada dos meus projetos. Tive minha juventude roubada”, afirmou a vítima, que também falou sobre a censura vivenciada.
“Aqui em Sergipe, o movimento era mais ameno. A luta era mais intensa na Bahia. Em Salvador tinha os movimentos de rua. Era uma temeridade. Aqui nós tínhamos algumas divergências de pensamento, talvez pela característica rebelde da juventude. Nós éramos fichados e discriminados: ‘Fulano, beltrano e cicrano são comunistas’. Eu não era comunista. Até então não era filiada a partido nenhum. Mesmo porque eu adorava rock’n roll. A maioria dos comunistas não aceitava muito isso. Minha primeira filiação partidária foi ao Partido dos Trabalhadores (PT), em 1981, para fundar o diretório de Aracaju. E muito embora eu fosse amiga de Laurinha [Marques] e Wellignton Mangueira, não me filiei ao Partidão”, contou Ilma.
Ilma destacou ainda, que estudou psiquiatria no Rio de Janeiro e lá era outra realidade. “Havia características distintas. O movimento secundarista era muito forte, mas era a reboque de movimento universitário. Aqui em Sergipe era o contrário. Tínhamos muito mais estudantes ativistas, conscientes e destemidos no movimento secundarista do que na Universidade. Na faculdade de Medicina, quem partia para o enfrentamento era eu. Tinha mais duas, três pessoas, no entanto, eram mais comedidas”.
Para o coordenador de Direitos Humanos da Seidh, Antônio Bittencourt, o momento de repressão não se caracteriza apenas pela coerção de natureza física, mas sobretudo, por ser uma violência de natureza cultural e ideológica. “Ilma Fontes fez parte de um grupo de jovens ativos na prática da contestação cultural e que se rebelavam nesse campo. Portanto, acredito que o relato dela estimula a inserção de investigações voltadas à presença de repressão às manifestações culturais sergipanas”, pontou.
Também o presidente interino da Comissão da Verdade, Gilfrancisco, a participação de Ilma Fontes tem um caráter especial, devido à sua atuação no segmento cultural, principalmente ligada ao cinema, literatura e teatro. “Teremos outros, mas com militância político-partidária. Os próximos que irão depor nesta rodada foram presos”, disse. Ainda esta semana, serão ouvidos Manoel Pascoal Nabuco D’Ávila (18/05), Ana Maria Rolemberg Côrtes (19/05) e Benedito de Figueiredo (18/05), em sessões públicas realizadas a partir das 8h, no auditório do Museu da Gente Sergipana.
Sobre a Comissão
Instituída pelo governador Jackson Barreto através do decreto nº 30.030, em 26 de junho de 2015, a Comissão Estadual da Verdade tem caráter independente e visa o levantamento de informações relativas ao período de 1947 a 1985.
Fonte: Agência Sergipe
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