*Por Eliane Pereira de Santana Silva
A pena como medida de reprimenda e instrumento de controle social voltado para as estratégias de ressocialização, devolvendo ao apenado a cidadania na correspondência de direitos e responsabilidades, proporcionando-lhe oportunidades reais para reconstrução da vida com dignidade e respeito, na justa observância dos valores basilares que orientam os direitos individuais, coletivos e sociais, consagrados no manto constitucional é uma relevante política pública.
A aplicação da lei penal e de execução penal impacta terminantemente a vida de todo o núcleo familiar do réu, com efeitos práticos e imediatos, em especial, àqueles que dele dependem economicamente. Não diferente, o ilícito por ele cometido impacta a sociedade com conseqüências de difícil reparação e às vezes até irreversível, faz cessar a paz social, causa clamor público, provoca visível instabilidade e descrédito das instituições “Polícia e Justiça”, daí depreende-se a preemente necessidade de se obter sucesso na ressocialização para evitar a reprodução de fatos que persistem em reescrever a historia da coletividade com sangue ou lama.
Existe um abismo visível entre o que dispõe a Lei de Execução Penal relativo à separação dos presos e o que o sistema prisional comporta, especialmente, quanto à ampliação desses critérios pela lei 13.167/2015, em vigência e validade, do que se supõe uma quimera do lesgislador, pois, na prática para cumpri-la será necessário reformar a maioria das casas prisionais, ou separar os presos por casas, ambos os casos representam um alto custo ao erário, circunstancia que retardará em muito uma percepção real do caráter retributivo da pena em seu objetivo ressocializador a partir do acompanhamento individual, porquanto é de correntia sabença que na realidade, esses critérios legais não são cumpridos.
Não resta laivo de dúvidas de que o espírito da lei de execução penal é sobretudo educativo; o respectivo processo destina-se à aplicação da pena, consolidando o cumprimento com o objetivo fundamental da reeducação como instituto de direito previsto no artigo 41, VII do citado diploma legal. Essa educação é o instrumento eficaz que possibilita a reinserção do destinatário na sociedade, qualificando-o para o mercado de trabalho, preparando-o para uma vida digna e ordeira.
Se ao ingressar no sistema e encontrar um ambiente de desordem, “em regra”, o apenado, mormente o reincidente, se sente em casa, bem recepcionado, por ser algo com que está acostumado; a hostilidade, a insalubridade, a violência, a lei do mais forte e até dialeto próprio que impera por toda a permanência, obstaculizando qualquer evolução individual positiva, propiciando o recrudescimento da personalidade perversa, pois é a única coisa que aquele ambiente estimula. É o mesmo que internar um paciente em um hospital e ao invés de tratá-lo, expô-lo a toda sorte de infecções ou ainda numa vertente igualmente ignóbil, fazer alto investimento para tratamento da água e devolve-la à natureza sem tratamento algum. Esse é um cumprimento de pena extremamente caro e nocivo à sociedade que o mantém.
O cumprimento da pena não deve nem de longe ser comparado a uma hospedagem de luxo, proporcionar estada confortável, premiar quem pratica crimes, muito menos se caracterizar pelo ócio como lazer; mas sim ter acomodações com um núcleo mínimo de salubridade, que não atentem contra a dignidade humana, o apenado tem que obrigatoriamente se submeter à lei e ao regulamento disciplinar interno; ter acesso a trabalho e a educação entre outros direitos.
A execução da pena no viés da ressocialização é nocional de abstinência de atos delitógenos, como forma de desintoxicação da tendente vocação criminosa, logo, se em pleno cumprimento da pena o interno ao invés de se submeter a regramento legal imediato, dedicar-se a atividades de caráter pedagógico (ensino regular, sociocultural, capacitação, etc.), e ao trabalho, passa todo o tempo no ócio, envolvido nos delitos típicos da cadeia, (uso e trafico de drogas, ameaças, agressões, planejamento de crimes executados fora do cárcere por colegas do bando), não resta dúvida alguma de que essa ressocialização está fadada ao fracasso e a gestão estatal à pecha de incompetente, pior, porém, para a sociedade que sofre a violência, paga a conta e recebe de volta aquele indivíduo predisposto à reincidência.
As casas de custódias do Brasil, em regra têm estrutura física que não favorece ao bom desempenho dos serviços prestados pelos agentes públicos, nem à tão sonhada ressocialização no tocante a prática de atividades sociocultural, notadamente trabalho, educação e saúde e por isso são conhecidas como verdadeiros purgatórios onde ao invés de purificar almas, talha-se no indivíduo toda carga de malefícios que o distingue pelas máculas de quem em tese pós-graduou-se na marginalidade.
Superlotadas, insalubres e flagrantemente violadoras de direitos basilares consagrados no texto Constitucional e Direito Internacional dos Direitos Humanos, são as características mais marcantes das casas prisionais do Brasil. Contudo, uma visão desafeiçoada de pseudo defensores desses direitos se detém basicamente no tocante à violação da integridade física, como se não fosse igualmente grave, os desmandos estatais que implicam em negativas parciais de direitos fundamentais estabelecidos no manto constitucional e a redundante omissão de autoridades.
Compõe-se a população carcerária em sua maioria esmagadora, de negros, pobres, analfabetos e/ou com instrução de até o ensino fundamental, este último em número menos expressivo, de famílias desestruturadas com histórico de violência, desempregados, com residências em regiões pobres, com incidência de registros de outros parentes no sistema.
Conforme acima grafamos, inexiste na práxis do sistema prisional a possibilidade de cumprimento dos critérios de distribuição dos presos, salvo raras exceções, que, em um segundo plano, em razão de todo o caos que gravita nas casas prisionais também cairá no esquecimento e o que se observa é uma tremenda promiscuidade que contribui em muito para o oneroso insucesso da ressocialização e principalmente para a manutenção da lei do mais forte, onde as lideranças-comandos cobram pedágios em moedas corrente no país e outras formas tão vis que preferimos deixar sob a imaginação do leitor.
Estatísticas disponíveis (em sites de referências) dão conta de que 70% dos internos do sistema reincidem em práticas criminosas e voltam ao sistema em menos de quatro anos, registrando casos de diversas ocorrências nesse mesmo espaço temporal, majorando em muito toda a gama de dificuldades para a reinserção social e a esperança de uma vida normal, para esse individuo a liberdade e a prisão não são muito diferentes.
O visível fracasso da ressocialização refelte exponencialmente no seio social, uma vez que não bastasse a dispendiosa manutenção do sistema prisional, esta mesma sociedade recebe de volta aquele individuo sem melhoras de caráter para com ele conviver, em ânimo improdutivo e com forte tendência a reincidir em práticas delitógenas que além das circunstâncias que por si causam enorme reprobabilidade social, ainda se insere no já repugnante círculo vicioso liberdade-crime-prisão, onerando sobremaneira a administração pública nos reprocessos que envolvem todo o aparelho estatal, Segurança Pública, Poder Judiciário, Ministério Público e o próprio Sistema Prisional.
Ainda nesse cerne, na transversalidade da sistematização do cumprimento das penas, não restam compreensíveis nem claras, muito menos aceitáveis, do ponto de vista do contribuinte, as causas reais do insucesso na recuperação e reinserção social do indivíduo, posto que, conforme é ressabido o estado que detém o poder constitucional de punir e fazer cumprir, estruturou o sistema prisional observando a lei, com equipes interdisciplinares, com objetivo à consecução da tão sonhada ressocialização, sem, contudo se verificar resultado positivo. Consta-se em estatísticas disponíveis que um interno custa ao erário, ordinariamente, valor superior aos vencimentos do agente público operador do sistema prisional, sem que se verifique nenhum efeito prático da pretendida reedecução.
Não fosse o fracasso na ressocialização, a manutenção do cumprimento da pena que é reconhecidamente caríssima, não nos pesaria tanto, ainda que custasse a mesma cifra, porque teríamos um resultado positivo justificando o gasto exorbitante de recursos públicos, pelo que entendemos ser fundamental, repensar as penas do ponto de vista da ressocialização, com responsabilidade de política pública de estado, posto que, por tudo que se investe, não servem, senão, para dar uma hipotética resposta à sociedade e em pouco tempo devolver o apenado, agora cidadão, a essa mesma sociedade, quicá, ainda pior do que o recebeu.
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*Eliane Pereira de Santana Silva é Graduada em Gestão Pública e Guarda Prisional do Estado de Sergipe