por Luiz Carlos Silveira*
O carreirismo político no Brasil é um fato negativo para o aperfeiçoamento da atividade, tornando-se empecilho ao surgimento de novas lideranças, ou seja, de ideias renovadoras e modernizantes. Um dos segmentos onde se instalou, nas Câmaras Municipais, é o que mais afeta a população por ser o degrau inicial da política, pois o vereador é o primeiro representante popular, o mais próximo da comunidade. Sem dúvida o profissionalismo político nesse âmbito se deve aos altos subsídios e mordomias legais ou institucionalizadas, aspectos que precisam ser reconsiderados, ainda que difíceis de enfrentamento porque mudanças dependem dos legisladores, que são exatamente os políticos, sempre indispostos a decisões que ameacem o corporativismo.
A instituição de salários a vereadores começou efetivamente em 1977, no regime militar. Antes, apenas vereadores das capitais recebiam subsídios. Naquele ano, o então presidente Ernesto Geisel sancionou decreto estendendo o benefício, visando buscar apoio político das bases e também reforçar politicamente o partido do governo. Gradualmente, foram sendo estabelecidos extensivos valores salariais e vantagens pecuniárias até o extremo a que se chegou agora, que em muitas cidades o salário dos vereadores é o maior do município para uma ou no máximo duas reuniões, à noite, por semana, verdadeira afronta ao operariado que trabalha oito horas por dia em sete dias da semana recebendo insignificância em comparação ao que percebe um integrante da Câmara instalado em gabinetes climatizados e cercados de mordomias diversas. Uma grande discrepância se considerar o mandato como prestação de serviços à comunidade.
Na Câmara de Belém (PA) um oposicionista apresentou proposta de redução dos salários dos vereadores dos atuais R$15.031,76 atuais para R$ 6.304,00 mensais, por considerar que os altos ganhos dos políticos são uma afronta às condições de vida de mais de 40% da população paraense que sobrevive com até um salário mínimo. Enfrentou oposição de praticamente todos os demais, que querem aumentos não apenas salários como também em verbas indenizatórias. No médio município de Parauapebas, também no Pará, foi apresentada proposta inversa: elevar os valores.
Atualmente, cada vereador recebe R$ 10.013 de salário e mais: R$ 2.800 para despesas com combustível e R$ 1.000 para gastos com telefone, valores que somados a outras verbas perfazem o total de R$ 13.813. Além disso, os vereadores usufruem de uma caminhonete alugada pela Câmara para viagens ao interior, recebendo diárias que variam de R$ 300 a R$ 800. Nessa mesma cidade um dos membros da Câmara afirmou: “O valor que o vereador ganha aqui, se não for corrupto, ele mal se sustenta durante o mês”. Como o autor da declaração está no seu quinto mandato, deve estar “mal se sustentando” há mais de 200 meses. Ou….
Passou a ter grande importância eleger-se (ou reeleger-se) para a Câmara Municipal, o que gerou outro desequilíbrio: altos custos da campanha, exigindo investimentos cada vez maiores. Com base apenas no que foi declarado à Justiça Eleitoral referente ao pleito passado, nas capitais o custo médio da campanha ficou em R$ 1 milhão, em cidades menores os gastos chegaram a R$ 500 mil. Esses custos, quase sempre impossíveis de ressarcimento através dos próprios salários auferidos durante o mandato, terão de ser compensados de alguma forma. Politicamente, os vereadores cobram “condições” para apoio a deputados e governadores.
Para manter o mandato o vereador usa apelo popularesco e se dedica em tempo quase integral à assistência social, o que não é, em absoluto, sua função, todavia ele se transforma em espécie de “despachante do povo” junto aos órgãos públicos de atendimento social que aceitam e facilitam a intermediação porque o prefeito também depende do apoio do vereador.
O assistencialismo que os vereadores praticam é, portanto, atividade eleitoreira, não faz parte de suas atribuições precípuas que são: legislar, fiscalizar as ações do Executivo e discutir temas de interesse dos bairros que representam para atendimento das necessidades coletivas, deixando a assistência social individual a cargo dos organismos próprios.
Considerando-se que o Brasil é um dos poucos países que mantém tais critérios de remuneração dos vereadores, seria conveniente que a sociedade discutisse o assunto, motivo de abaixo-assinado que circula na internet. E também, que sejam debatidos exemplos de países que adotam outros sistemas sem prejuízo à administração da cidade. Segundo informação da ONU, entre 181 dos países filiados o Brasil é o único que remunera vereadores nos moldes que conhecemos. Na maioria dos demais existe conselhos municipais cuja eleição ou nomeação dos integrantes diferem, e a remuneração também. Em alguns países são apenas ressarcidas as despesas pessoais ocorridas em função do desempenho do cargo, noutros há pagamento de jeton por sessão, gratificação, ajuda de custo ou até mesmo nada recebem, como na Suécia, onde a atividade é uma espécie de voluntariado em colaboração aos cidadãos e à administração da cidade. Ninguém vive do cargo, todos têm suas atividades profissionais. E não há notícia de que algum haja morrido de fome.
No Brasil já foi assim, quando as Câmaras eram constituídas por Conselhos Comunitários formados por representantes da sociedade não remunerados, que se dedicavam não a fazer assistência social, mas sim discutir temas, assuntos e projetos de interesse do município e de seus cidadãos.
Como desde 2009 tramitam no Congresso propostas de redução e até mesmo extinção dos salários dos vereadores, é bom repensar e debater a questão para reforçar os argumentos. O carreirismo e o alto preço das campanhas inibem cidadãos com disposição para trabalhar, mas com poucas posses para enfrentar os “profissionais” acabam desestimulados. Em consequência, cai o nível das representações municipais, existe pouca renovação tanto de nomes quanto de ideias, o que inevitavelmente redunda em prejuízos aos municípios.
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(Luiz Carlos Borges da Silveira, empresário, médico e professor,ex-ministro da Saúde e ex-deputado federal)