No controverso mundo da política, ninguém é tão bom, nem tão mau a ponto de ser unanimidade. E o ex-presidente Getúlio Vargas, que há exatos 60 anos, com um tiro no coração, saía da vida para entrar para a História, não é uma exceção. O pai dos pobres, do salário mínimo, das férias remuneradas, da carteira de trabalho, fechou o Congresso, censurou a imprensa, extinguiu partidos. Foi estadista e ditador. O legado getulista, ao mesmo tempo em que parece empoeirado, se renova mais uma vez. Está ali, na TV de plasma, a propaganda eleitoral que não deixa negar. São dilmas, marinas, aécios que, como ele, alimentam uma política que ultrapassa o partido e se personaliza.
Para a professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas, Dulce Pandolfi, uma das heranças do Estado Novo (1937-1945) é essa concepção da política do culto à personalidade, “em cima das pessoas, e não dos partidos”. Ela acredita que essa prática é extremamente negativa, porque enfraquece as instituições e leva o eleitor a votar pelo nome, e não pela organização.“Sou a favor do fortalecimento das instituições. Os partidos para a democracia são fundamentais. É preciso despersonalizar a política, votar em projetos (não em nomes de pessoas)”, explica.
Se hoje o marketing político é o trunfo do mercado eleitoral para a estratégia do convencimento público, na década de 30, Getúlio dava os primeiros passos para que isso se tornasse uma prática. A imagem do homem que impulsionou o desenvolvimento no país, criou a CSN, a CVRD, a Petrobras, rompeu o tempo contornada pelo simbolismo paternal, sem que isso fosse assim tão espontâneo.
Sua figura foi ‘ lapidada’ com a ajuda do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha como ações promover a política estatal e, principalmente, Getúlio. Era uma espécie de agência de marketing pública. O órgão manteve longe a oposição, através do controle e opressão à liberdade de pensamento e expressão, e trabalhou forte para que Getúlio fosse eternizado como o ‘pai dos pobres’. Não há dúvida de que mitificar essa marca foi um grande case de sucesso da história.
“O DIP era o marketing da época, assim como o rádio e o jornal. A própria história de ter um retrato do presidente em cada repartição pública começou com Getúlio durante o Estado Novo. Essa concepção de que partidos representam apenas interesses pessoais, e não da nação, comungava com a sua ideia dele encarnar o Estado. Eram apenas ele e a população. Getúlio não precisava de intermediadores”, explicou o professor de História da UniRio, Vanderlei Vazelesk Ribeiro.
Mas é claro que, apesar da estratégia de promoção pessoal, o ex-presidente tinha a seu favor um leque de medidas tomadas para beneficiar os trabalhadores, que o tornou, inquestionavelmente, um ídolo para as massas. “Vargas, efetivamente, conseguiu construir uma imagem pública. Não foi à toa que venceu uma eleição legitimamente. As imagens do enterro dele são de uma comoção que ainda não se teve igual na história do país”, afirmou o professor de História Contemporânea da PUC-RIO, Maurício Parada.
CRONOLOGIA
1882 — Nasce Getúlio Dornelles Vargas, em São Borja, Rio Grande do Sul.
1898 – Aos 16 anos, ingressa na carreira militar e se matricula na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.
1902 – Deixa a carreira militar e vai cursar Ciências Jurídicas na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre.
1909 – É eleito deputado estadual, cargo que voltou a ser reeleito em 1917 e 1921.
1922 – É eleito deputado federal pelo Estado do Rio Grande do Sul.
1926– Foi Ministro da Fazenda do presidente Washington Luís.
1927– Elege-se governador do Rio Grande do Sul.
1929– Candidata-se à Presidência da República pela Aliança Liberal.
1930– Derrotado por Júlio Prestes, chefia o movimento revolucionário de 30. Assume em novembro deste mesmo ano o Governo Provisório.
1932– Getúlio cria Previdência Social, a Carteira de Trabalho, e estende o direito de voto às mulheres.
1934– Promulgação da nova Constituição e eleição de Vargas como presidente pela Assembleia Constituinte.
1937– Ele dissolve o Congresso Nacional, extingue o Poder Legislativo e os partido. O Estado Novo é instaurado.
1942 – É criada a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
1943– É criada pelo Decreto-Lei nº 5.452 a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
1945– Apesar de algumas medidas, como o fim da censura à imprensa, a definição de uma data para as eleições e liberdade dos partidos e anistia aos presos políticos, Vargas é deposto por militares.
1946 – Começam as operações de funciomento da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
1950 – É eleito presidente pelo PTB.
1954 – É criada a Petrobras. Pressionado por uma crise política, Vargas se mata com um tiro no coração no Palácio do Catete . Ele deixa uma carta-testamento.
Por CHRISTINA NASCIMENTO/O Dia Brasil